Na Grécia, leio um pouco por todo o lado que 70% dos gregos defende continuar no euro. Nas eleições, que os conservadores da Nova Democracia quiseram por achar que as iam ganhar folgadamente, o partido de extrema-esquerda ficou em segundo lugar e entraram neo-nazis no Parlamento. A Nova Democracia, mesmo com bónus de 50 lugares por ter ganho, e mesmo coligando-se com o PASOK, não tem maioria absoluta.
O estado calamitoso da Grécia, que cortou salários e aumentou impostos (ao que sei), mas quanto a reformas estruturais, tem-se maioritariamente ficado por leis-quadro vazias de conteúdo, é o resultado da alternância governativa do PASOK e do Partido da Nova Democracia. Em especial, os conservadores, quando deixaram o poder em 2009, deixaram o Estado grego com as finanças públicas numa situação calamitosa, depois de mentirem sobre o seu verdadeiro estado a toda a gente na Europa.
O Governo do PASOK do Primeiro-Ministro Papandreou foi então forçado a pedir ajuda externa, que veio sob a forma de um empréstimo ligado ao cumprimento de um conjunto de políticas de austeridade. O Partido da Nova Democracia, preocupando-se essencial e fundamentalmente com o seu umbigo, foi fazendo joguinhos políticos de baixo nível, recusando hipocritamente a austeridade enquanto culpava o PASOK pela crise e pelo seu agudizar, num discurso populista e demagógico de pura conquista do poder.
Caído George Papandreou, depois de proposta referendária abortada, torna-se Primeiro-Ministro Lucas Papademos, independente, apoiado fundamentalmente pela Nova Democracia e pelo PASOK, bem como por outro partido mais pequeno. E mesmo por essas alturas, lembro-me bem de ouvir notícias sobre Antonis Samaras, líder da Nova Democracia, recusar-se pomposamente a assinar uma carta de apoio a medidas de austeridade.
Claro que depois o Governo de Papademos, apoiado pelo PASOK e pela Nova Democracia, lá teve de aplicar medidas de austeridade, mas estava a prazo. As eleições tinham sido o preço de Antonis Samaras para este aceitar a austeridade, convencido que estaria de que essas eleições eram favas contadas. Entretanto, o PASOK e a Nova Democracia perdiam gente para os extremos - p.ex. houve vários deputados ex-PASOK ontem eleitos pelo Syriza (de extrema esquerda).
O resultado das eleições tão queridas por Antonis Samaras e seus amigos da Nova Democracia foi uma subida vertiginosa dos extremos anti-pacote de austeridade. Antonis Samaras não conseguiu, entretanto, formar Governo. Passa agora o mandato para o líder do Syriza, que também tem poucas chances de o conseguir (passando seguidamente para o PASOK, e assim por diante). Pelo que o mais provável é que haja de novo eleições na Grécia.
Mas relembremos quem quis estas eleições e quem não deu qualquer apoio ao PASOK a partir de 2009, preferindo jogar à política pura de forma totalmente irresponsável: Antonis Samaras e a Nova Democracia. Por muitos problemas que o Governo de Papandreou tenha tido, por muito que não tenha conseguido implementar o programa com o qual se comprometeu, e por muito que o PASOK tenha sido um dos partidos que alternou no poder na Grécia, a verdade é que o PASOK alguma coisa tentou fazer quando chegou ao Governo - mesmo sabendo dos custos eleitorais potenciais. Antonis Samaras e seus amigos, esses, limitaram-se a brincar com o fogo. E agora todos se podem queimar.
Dou bem mais ênfase à eleição grega do que à eleição francesa porque a vitória de François Hollande não me convence, e porque a Grécia sair do euro, mesmo com 70% dos gregos a favor da manutenção da moeda única, seria um evento bem mais importante e traumático, apenas tornado mais fácil pela instabilidade criada pela irresponsabilidade e pela incapacidade de cooperar de forma diligente dos dois maiores partidos (e do calculismo político que saiu furado à Nova Democracia).
As medidas emblemáticas do incrível M. Hollande são a contratação de 60.000 professores numa altura em que a França se afoga em dívida pública, aumentar os impostos sobre rendimentos acima de € 1.000.000 para 70% (leia-se: toda a gente com rendimentos desse nível vai retirá-los de França, pelo que veremos se M. Hollande não acaba é a aumentar impostos à classe média) e diminuir a idade de reforma numa altura em que as pessoas começam a trabalhar mais tarde e vivem até mais tarde. A chegada de M. Hollande ao Eliseu vai ser um confronto bastante duro com a realidade, e das duas uma: ou M. Hollande cumpre o que prometeu, e agudiza os problemas já existentes em França, ou M. Hollande não cumpre o que prometeu, o que agudiza a falta de confiança do eleitorado na democracia, levando ao fortalecimento dos extremos (em particular, no caso da França, da extrema-direita).
M. Hollande terá ainda de se confrontar com a realidade a nível europeu. Propõe que haja um Acto Adicional (no que é habilmente secundado por António José Seguro) ao Pacto Orçamental, focando-se esse Acto Adicional no «crescimento económico». Quer «project bonds» (é mais provável que os consiga, mas o que devia estar a prometer devia ser um «upgrade» democrático da União Europeia), para usar dinheiro público para estimular a economia a nível europeu. E quer inflação, pois então - toca a desvalorizar o euro, cortando no valor de salários e poupanças, enquanto se brada contra políticas de baixos salários.
M. Hollande ganhou as eleições em França provavelmente com votos de alguns apoiantes da Frente Nacional. E veremos quais os resultados da Frente Nacional nas próximas eleições legislativas em França, bem como os resultados da extrema-esquerda. Tudo aponta para que o vencedor seja o Partido Socialista. Mas devemos continuar com os mesmos discursos anti-imigração da campanha presidencial que ameaçam a liberdade de circulação dentro da UE. A ver o que M. Hollande, que cortejou votos com retórica anti-imigração (claro que nunca a portuguesa, porque já há demasiados portugueses e descendentes de portugueses e convém ter esses votos), faz nesse domínio.
As eleições de ontem fizeram cair mais um governante que estava no poder quando a crise rebentou (Nicolas Sarkozy), ao que adicionou uma notável incapacidade de, como Presidente, fazer o que tinha prometido. Criaram ainda maior incerteza na Grécia, sendo muito provável que tenhamos eleições a muito curto prazo. E não resolveram problema nenhum estrutural na UE, porque ninguém anda a falar de federalismo e democracia a nível federal, apenas de estímulos públicos quando não há dinheiro, desvalorização do euro (e descredibilização do BCE) ou então de proteccionismos e nacionalismos vários.
Os federalistas deviam olhar para os resultados de ontem e pensar se não faria sentido começar a articular claramente uma visão de uma União Europeia federal, com uma democracia mais aprofundada, com os mecanismos para lidar com uma crise como esta. Deviam deixar de dar a iniciativa a partidos como o Syriza ou a Frente Nacional e deixarem-se de conversas fiadas sobre um «Acto Adicional» sobre crescimento (como se se criasse crescimento por decreto).
A União Europeia é uma conquista demasiado preciosa para deitarmos tudo a perder, mas encontra-se sob ataque cerrado de populistas de ambos os extremos. É preciso que os federalistas se unam em torno dessa ideia e formulem planos concretos para a federalização e maior democratização políticas da União Europeia. Porque não basta dizer que se é federalista. É preciso fazer alguma coisa para que as palavras e as intenções passem a ser realidade.
Meu caro, por agora é melhor meter o federalismo na gaveta!
ResponderEliminarA Grécia no caos, a França com um populista que todos os tipos da multinacional Socialista, esperam ver fazer frente à Alemanha e o Euro sob pressão.
Vamos viver tempos interessantes!