quinta-feira, 31 de maio de 2012

O problema subjacente - austeridade (1 de 2)

Este post consiste, em duas partes, numa reflexão simples sobre as duas crises económicas que se abatem sobre o país.

A primeira é a de confiança e liquidez: Em suma, quem nos empresta dinheiro deixou de confiar que lhes iriamos conseguir pagar. Com o aumento de risco de incumprimento, o juro que exigiam pelos empréstimos que nos concediam aumentou (era a tal barreira psicológica (e não só) dos 7% de juro a 10 anos, a que se referia o ex-ministro da finanças) e tivemos de ser resgatados pela troika, de forma a que a República (e por conseguinte ,os restantes agentes económicos) se financie a taxas de juro comportáveis.

A segunda é a de competitividade: Portugal tem-se debatido, especialmente nos últimos 10 anos, com uma crónica falta de competitividade. Tudo se tornou mais difícil com o aumento da importância da China e da Índia no mercado mundial (que aconteceu em força nos últimos 10 anos e se acentuou nos últimos 5).

Passámos (nós e todo o ocidente) a ter de competir com mais dois gigantes económicos que, como se sabe, conseguem por diversas razões oferecer produtos a preços mais baixos.


Importa pensar como vamos superar ambas as crises.


Do presente – Austeridade


Parecem ainda existir no nosso país pessoas (com António José Seguro à cabeça, descontando os mais radicais) que acham que existem outros caminhos alternativos à austeridade.


Parece-me, com alguma segurança, poder adiantar o seguinte: Não há.


Diga-se aliás que a retórica demagógica de Hollande e Seguro de nada vai valer às pessoas. São vendedores de sonhos que, curiosamente, nunca explicam de onde virá o dinheiro para esse crescimento e para esse emprego.


Vide o notável artigo do ex-director do Público José Manuel Fernandes sobre este assunto intitulado


Estou farto da conversa inconsequente sobre “crescimento e emprego””


(apenas o encontrei na página de facebook dele ou no Público pago).


No entanto, estou convencido que toda a gente (incluindo o governo) sabe que a austeridade não vai fomentar o crescimento.


A economia só vai ficar mais fraca (menos crescimento ou crescimento negativo) e o desemprego vai aumentar


E no entanto a austeridade é fundamental. Porquê? Por duas principais razões:


Em primeiro lugar, porque o dinheiro não é nosso e, como tal, os credores é que decidem como iremos gastar o dinheiro que nos emprestam. Se nos recusamos a pagar nunca mais nos emprestarão dinheiro, fundamental à nossa subsistência.


Se acho que a receita está errada? Sim, mas é preciso provar isso ao credor. Como? Cumprindo o programa de ajuda. Se ele não funcionar a culpa é em grande parte do credor. A receita estava errada.


Penso que será esta a política que o governo está a seguir.


A alternativa é não cumprirmos o programa. Nesse caso, os credores dizem que a culpa é nossa, que somos um país atrasado e relapso.


Aliás, esta é a opinião que cada vez mais dominante da Grécia. Falando-se já abertamente da saída dos gregos do Euro (várias vozes falam de 2013, como o ano de saída da Grécia do Euro).


Em segundo lugar, porque a austeridade nos prepara para sermos mais competitivos quando voltarmos aos mercados (parece evidente que não será em 2013 e duvido que em 2014).


Aliás, mais do que as reformas legislativas (e são várias as que estão a ser feitas em Portugal, sendo que algumas me parecem estar a ficar aquém do desejado), a austeridade é a oportunidade de Portugal e dos portugueses se desprenderem/diminuírem a sua dependência do poder de um estado que, já se viu, não é sustentável.


Um estado com menos dependentes, é um estado com menos poder. Um estado com menos poder é um estado que existe num país onde as pessoas são mais livres.


Um Estado onde as pessoas trabalham, essencialmente, para si e para os seus (que me parece ser a razão pela qual a maioria das pessoas trabalha) e não para entregar a um estado que depaupera o dinheiro dos seus impostos.


Um estado com mais poder ajuda a criar situações de corrupção, dinheiro mal gasto, impostos altos gastos em obras faraónicas que não servem a ninguém, etc… (hoje, diga-se, "descobriram-se" mais 700M de dívida pública com origem em PPP´s).


A corrupção e um estado poderoso andam sempre de mãos dadas. Não é o mercado que aloca a riqueza por mérito ou talento. É um burocrata que o faz (contra-pagamento ou troca de interesses) e onde as pessoas consideram ser mais importante conhecer as pessoas certas nos círculos do poder do que trabalhar e produzir com sucesso.


Julgo que a austeridade, pelo menos, tem o mérito de estar a fazer as pessoas adaptarem-se à realidade que o dinheiro da Europa e o crédito barato vinha encobrindo: Que o estado deve estar apenas presente quando or mesmo preciso e em situações limite.


Que, tendencialmente, as pessoas só devem contar consigo mesmo e com as suas capacidades para ter sucesso.


Nunca Portugal faria esta reflexão se o status quo se mantivesse. Nos últimos 10 anos a economia portuguesa praticamente não cresceu. Preparávamo-nos para mais 10 anos de agonia, lentamente a definhar e a divergirmos da Europa.


Queríamos ter o que os países desenvolvidos têm (saúde, educação, justiça, segurança) mas com uma economia frágil, dependente do estado, assente em excessivos direitos sociais e totalmente distanciada do mundo competitivo que existe além fronteiras.


Não é possível.

2 comentários:

  1. Gostaria de comentar várias frases deste texto:

    a) "Em suma, quem nos empresta dinheiro deixou de confiar que lhes iriamos conseguir pagar." "os credores é que decidem como iremos gastar o dinheiro que nos emprestam"

    Um dos erros mais comuns nestas discussões tem sido o tentar dar uma "voz" ao mercado. Ora um mercado não tem voz e saber o que o mercado "diz" é um processo de adivinhação própria para pessoas como a Maya. O mercado não é um ser, não tem vontade. É constituido por milhares (ou milhões) de pessoas cada uma com a sua voz e com as suas intenções. A subida da taxa de juro só tem um motivo: escassez de capitais. Já essa escassez pode ter vários motivos (por exemplo a diminuição do capital motivado pela crise, maior percepção de risco, perda de confiança, etc...) mas esses são tão diversos como as pessoas/instituições que constituem o mercados.

    O credor não decide como vamos gastar o dinheiro que nos empresta. Ele decide qual o dinheiro que tem disponível para nos emprestar consoante os nossos projectos. No caso da divida publica é surreal que ele decida isso. Estamos falar de instituições democráticas e organização da sociedade. Quem decide isso são os seus cidadãos e não os credores. Daí estarmos a falar de uma democracia e não de uma credocracia. E num mercado funcional também é surreal, pois temos milhares de credores.

    b) "a austeridade nos prepara para sermos mais competitivos quando voltarmos aos mercados" e "Não é o mercado que aloca a riqueza por mérito ou talento."

    Isto são personificações sem sentido. A austeridade não nos prepara em nada. Independente da "austeridade", se nós não tomarmos medidas de aumento de competitividade então não existe austeridade que nos valha. Por outro lado, o mercado não aloca riqueza por mérito ou talento. A distribuição de riqueza numa sociedade com um mercado livre é feita, entre outras, pelas suas trocas comercias. Não existe nada que garante que seja a pessoa com mais talento ou mérito a receber essa riqueza. Aliás ainda vivemos numa sociedade é que um dos maiores talentos para se ter riqueza é ter nascido na familia certa ;)

    c) "A corrupção e um estado poderoso andam sempre de mãos dadas." e "Um estado com menos poder é um estado que existe num país onde as pessoas são mais livres."

    Bem eu diria que num estado fraco é que existe corrupção e que as pessoas não são livres. Confunde-se muitas vezes "estado poderoso" com "estado grande". Eu quero um estado com poderes, e que seja poderoso nesses poderes. É vital para a liberdade do individuo. E não é preciso ir muito longe: imagine o que seria um estado sem poderes efectivos judiciais.

    d) "Se ele não funcionar a culpa é em grande parte do credor. A receita estava errada."

    A culpa não serve para nada (e tem o hábito de morrer solteira). Importante é apurar os responsáveis, e é isso que tem estado ausente deste debate e desta crise. Por outro lado, não estamos numa situação de deixar ver de quem é a responsabilidade.

    e) "Parece-me, com alguma segurança, poder adiantar o seguinte: Não há [alternativa à austeridade]."

    Bem isto é uma brutal limitação da liberdade do individuo e da imaginação humana. Parto do pressuposto que "austeridade" está a ser utilizado como o conjunto de medidas que estão a ser aplicadas. E como é obvio existem diversas alternativas à mesma. O importante não é excluir soluções da mesa mas sim verificar os pontos fortes e fracos de cada uma delas.

    f) "Queríamos ter o que os países desenvolvidos têm (saúde, educação, justiça, segurança) mas com uma economia frágil, dependente do estado, assente em excessivos direitos sociais e totalmente distanciada do mundo competitivo que existe além fronteiras."

    mmmm parece-me que esses "excessivos direitos sociais" são a base do mundo desenvolvido, no qual, diga-se de passagem, Portugal pertence dado os nossos indicadores.

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  2. Oh Cardiga! Era escrever o comentário e linkar o artigo do Sousa...
    Esta´visto temos que, urgentemente, juntar a malta e apanhar um pifo juntos!
    Sobre o conteúdo do texto e do comentário. A austeridade em si não é má, aliás o termo espartano por exemplo é sinónimo de austero. O Problema é que se tornou uma palavra-panzer como dizia Edgar Morin. Ou se é contra ou a favor e não se tem noção que faz parte de um processo e que deverá fazer parte de um plano maior, que infelizmente não se vislumbra neste navegar-á-vista europeu.

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