sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Bicicleta, liberdade e economia



Em Portugal, a liberdade não existe em relação à utilização de um dos modos de transporte mais eficientes, baratos e universais que podem existir: a bicicleta. No nosso país, quem queira utilizar a bicicleta para fins utilitários, enfrenta uma legislação que o desprotege, infraestruturas e regulação de trânsito desadequadas, uma mentalidade vigente de alguma hostilidade por outros utilizadores das vias de comunicação e, sobretudo, falta de segurança, um direito fundamental previsto na nossa Constituição. Do ponto de vista da equidade, a gravidade desta falta de liberdade é acentuada pelo facto de a bicicleta ser acessível à população independentemente do seu nível de rendimento, ao contrário do automóvel, o modo de transporte que quase monopolizou a utilização do espaço público e que afasta dele utilizadores de bicicleta e diversos outros grupos. O assunto torna-se ainda mais grave se considerarmos as vantagens que o desbloqueamento das barreiras à utilização da bicicleta teriam para a nossa economia. Sobre este último assunto escrevi para a MUBi um artigo, que aqui replico:

A utilização da bicicleta melhora a economia de Portugal
A utilização da bicicleta em Portugal para fins utilitários catalisa um melhor desempenho económico do país.As condições deficientes para a utilização da bicicleta representam uma barreira à adoção deste modo de transporte. Tal como qualquer barreira à entrada de concorrentes, ela representa uma distorção no mercado da mobilidade. Essa distorção  causa ineficiência e um desempenho inferior da economia. As barreiras à utilização da bicicleta impedem o aproveitamento das suas diversas vantagens, incluindo várias que são economicamente tangíveis. Vejamo-las!
Menores custos de deslocação. Entre os modos de transporte mais utilizados e excluindo o andar a pé, a bicicleta é o mais barato, e de muito longe mais barato que o automóvel. Todos os custos incluídos, cada quilometro percorrido em bicicleta custa à volta de 10 vezes menos que de automóvel. Mais bicicleta representa menos despesa com a deslocação das pessoas, e mais rendimento disponível para outras atividades económicas.
Poupança de tempo Num raio de cerca de 5 km em meio urbano, a bicicleta é em média o modo de transporte mais rápido que existe[1]. Quando utilizada em conjunto com outros modos de transporte, o seu raio de acção com vantagem de tempo sobre outras opções de mobilidade pode aumentar para as centenas de km. A não utilização da bicicleta implica também um maior uso de automóvel, cuja utilização excessiva causa problemas de congestionamento e consequente empolamento das perdas de tempo dos utilizadores da infraestrutura. Estima-se que na Europa os custos do congestionamento representem 1% do PIB[2]. Estas perdas são ainda maiores considerando as necessidades de semaforização devido à presença do automóvel. As barreiras à utilização da bicicleta agravam assim negativamente a produtividade da economia por via da redução do tempo disponível para outras atividades.
Menores custos de construção e manutenção de infraestrutura A bicicleta implica custos de construção e manutenção de infraestrutura muito inferiores aos de outros modos de transporte. A bicicleta necessita de menos espaço, e menos solidez da infraestrutura. Cada automóvel provoca anualmente 20€ de custos variáveis em manutenção de estradas[3]. A utilização da bicicleta provocará uma redução dos custos de construção e manutenção de infraestrutura, e a inerente redução dos impostos necessários para os cobrir.
Melhoria do saldo da balança comercial O saldo negativo da balança comercial de Portugal tem sido um dos factores causadores da atual crise económica. Cerca de 20% das importações realizadas correspondem a petróleo e automóveis ligeiros de passageiros. A utilização da bicicleta irá aliviar este peso através de menos importações de petróleo e automóveis, contribuindo para o necessário equilíbrio da economia nacional.
Redução da dependência energética e risco de abastecimento A dependência energética de Portugal face ao exterior causa custos concretos no presente e custos potenciais no futuro. O petróleo que importamos provém de países com elevado grau de instabilidade política, e a escassez deste combustível e o desejável crescimento de economias emergentes resultará previsivelmente num aumento crescente do seu preço. Existem por isso riscos elevados de carências futuras de abastecimento e preços mais elevados. No presente, a presença destes riscos obriga à existência de mecanismos de proteção (como as reservas de petróleo), causando custos concretos. No futuro, potencia custos difíceis de prever. A utilização da bicicleta diminui a nossa dependência do petróleo e oferece um eficaz mecanismo de resiliência face a prováveis carências energéticas no futuro.
Indústria nacional e emprego A grande fatia da produção nacional relacionada com a utilização local dos transportes é capital-intensiva (concretamente, a refinação de produtos petrolíferos), o que significa que oferece oportunidades relativamente reduzidas de emprego comparativamente ao respetivo volume de negócios. A transição da atividade económica para outros setores cria oportunidades de emprego. Por outro lado, existe um potencial para aumentar o volume de negócios da importante indústria nacional de produção de bicicletas, a qual já representa 7% da produção de bicicletas a nível europeu[4](face aos nossos 2% de peso no PIB da Europa). Este tipo de produção industrial tem maior intensidade de trabalho do que as outras atividades de produção relacionadas com a utilização local do automóvel. Assim, da maior utilização da bicicleta em Portugal poderá esperar-se mais emprego.
Diminuição dos custos com saúde A bicicleta promove o exercício físico, que melhora a saúde e reduz a necessidade de recorrer aos serviços de saúde. Por oposição, a vida sedentária promovida pelo automóvel contribui para o agravamento dos custos de saúde. Um estudo empírico demonstrou que as pessoas que se deslocam de bicicleta para o trabalho têm um risco de mortalidade 40% inferior às restantes[5]. Adicionalmente, ao contrário do automóvel e de outros modos de transporte, a bicicleta é livre de emissões poluentes que danificam a saúde das pessoas. A utilização da bicicleta irá reduzir os custos do país com saúde.
Segurança e produtividade A preservação da integridade física dos portugueses tem impactos, também, na sua produtividade económica. Ao contrário do que é intuitivo pensar, o aumento da utilização da bicicleta aumentará a segurança. Está demonstrado que com o aumento de utilizadores de bicicleta vem a diminuição dos acidentes graves neste modo e entre outros modos de transporte. A alteração das regras de segurança (como os limites de velocidade) e do comportamento dos utilizadores do automóvel  promove o menor envolvimento destes em acidentes. A bicicleta potencia a produtividade também por via da segurança.
Bem-estar e produtividade Por razões de saúde, de menor índice de stress, e em geral de uma maior positividade perante a vida devido à autonomia e humanismo promovidos pela bicicleta, as pessoas que se deslocam de bicicleta são mais produtivas no seu trabalho. Estes benefícios de produtividade estendem-se também aos não utilizadores de bicicleta que beneficiam de locais mais agradáveis e saudáveis para viver. Por último, o estilo e qualidade de vida promovidos pela utilização da bicicleta são fatores de atração para o país de capital humano com elevado índice de criatividade e diferenciação.
Os efeitos positivos da utilização da bicicleta na economia são, como dizem os ingleses, uma constatação “no brainer”: os benefícios são tão evidentes que ela só não é mais utilizada devido a barreiras cerradas à sua utilização, legais, de infraestrutura e de mentalidade. Uma das medidas mais eficazes que se poderá tomar para a melhoria da nossa economia é, certamente, a remoção das barreiras à utilização da bicicleta.
1 Dekoster, Schollaert (1999) Cycling: the ay ahead for towns and cities, European Commission.
2 Christidis, Ibanez Rivas (2012) Measuring Road Congestion, JRC Technical Notes, IPTS.
3 HEATCO (2006), Developing Harmonised European Approaches for Transport Costing and project
Assessment, European Commission.
4 COLIBI – COLIPED (2012) European Bicycle Market.

5 Andersen L, Schnohr P, Schroll M and Hein H (2000) All-cause mortality associated with physical activity during leisure time, work, sports, and cycling to work, Archives of Internal Medicine, 160, pp. 161-168
Publicado 03-01-2013 MUBi.pt

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