quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O Trabalho, Uma Visão de Mercado, de Mário Centeno

Em Fevereiro de 2011, Mário Centeno deu uma entrevista ao P2, do «Público», que ainda merece ser lida, em que falava sobre os problemas do mercado de trabalho em Portugal. Nessa entrevista falou-se da segmentação do mercado de trabalho português, do desemprego estrutural, de «insiders» e «outsiders», e de várias outras disfunções do nosso mercado de trabalho.

Em Abril do ano passado, Mário Centeno e Álvaro Novo publicaram um «paper» sobre estes temas, em que propõem um conjunto de reformas para resolver os problemas que identificaram. Contrariamente ao habitual em Portugal, essas propostas estão fundamentadas e são defendidas de forma consistente, internamente coerente e lógica, com base em dados concretos e em análise económica rigorosa.

O ensaio «O Trabalho, Uma Visão de Mercado», de Mário Centeno (que no texto se refere dever ser considerado um ensaio em co-autoria com Álvaro Novo), de novo trata do tema do trabalho, de novo com base numa perspectiva de mercado.  Quer isto dizer que é feita uma análise da interacção entre a oferta de trabalho, a procura de trabalho e as instituições ligadas ao trabalho de um ponto de vista económico, ao que se segue um conjunto de propostas concretas de reforma para lidar com os problemas identificados.

Esses problemas são múltiplos. Uma legislação laboral demasiado intrusiva e complexa, por exemplo. Ou a existência de um mercado de trabalho segmentando, em que uns são excessivamente protegidos e outros nada protegidos, cuja segmentação apenas tem sido ajudada pelas reformas parciais que têm sido feitas ao longo das décadas. Já para não falar de um sistema de protecção no desemprego que não chega a todos aqueles a que devia chegar e que se foi tornando demasiado generoso, além de tratar todas as empresas por igual, independentemente dos custos que estas que causem ao sistema. Ou, finalmente, um sistema de negociação colectiva demasiadamente assente na relação entre sindicatos e empresas, que vota as comissões de trabalhadores à irrelevância.

Em geral, o ensaio desmonta a forma como a assunção de preocupações «sociais» na regulamentação do mercado de trabalho, acoplada a reformas parciais, tem tido efeitos perversos no seu funcionamento, com o resultados muitos negativos ao nível do nosso desemprego estrutural e dos períodos que as pessoas passam desempregadas. O resultado é a desvalorização dos investimentos que trabalhadores e empresas foram fazendo ao longo do tempo, induzindo menores investimentos, sendo que a segmentação leva a que o conjunto de trabalhadores não-protegidos não só tenha de lidar com essa falta de protecção, como ainda acabe a «pagar» os custos da protecção alheia (daqueles que têm contratos de trabalho sem prazo).

Para lidar com as disfunções identificadas, são propostas medidas concretas. Essas medidas assentam numa lógica de alinhamento de incentivos dos vários participantes no mercado de trabalho, de forma a promover um funcionamento saudável deste, minimizando-se o desemprego de longa duração e facilitando-se o encontro entre trabalhadores e empresas que potencie relações laborais profícuas para ambos os lados. Incluem, por exemplo, contas individuais para protecção no desemprego, a adaptação da TSU em função da política de recursos humanos das empresas, no sentido de as levar a internalizar os custos que causam o sistema de protecção social, um maior poder conferido às comissões de trabalhadores na negociação colectiva, ou a existência de um único tipo de contrato de trabalho (mais simples e mais flexível que o contrato de trabalho sem termo).

As medidas não incluem uma política de baixos salários ou uma desvalorização fiscal. Não incluem a expansão dos contratos a prazo. Antes pelo contrário, é defendido que a competitividade da economia portuguesa virá da criação de um sistema de regulação do mercado de trabalho que facilite a valorização dos investimentos feitos pelos trabalhadores, por exemplo, na sua educação e formação, e que fomente relações laborais assentes, não na formalidade de um contrato, mas na substância de uma relação de confiança e interesses recíprocos entre trabalhador e empresa.

Em Abril de 2011, tive a oportunidade de ouvir uma intervenção de Mário Centeno sobre estes temas na Ler Devagar, no âmbito das tertúlias «Dobrando o Tempo, Dobrando uma Esquina». O título da sessão foi «Como aumentar a eficiência no funcionamento do mercado de trabalho?» Lembro-me bem do rigor com que o tema foi tratado, e as ideias nesse dia transmitidas reverberam no ensaio de que aqui se trata, tal como, aliás, reverbera o mesmo rigor no tratamento da informação.

O objectivo deste ensaio não é conseguir votos, não é ser agradável, e não é repetir ideias feitas. O ensaio, aliás, desmonta essas ideias feitas, não será de agradável leitura dado o diagnóstico que traça, e as propostas que faz têm como objectivo ajudar a resolver problemas, e não serem «politicamente correctas» com base no pensamento político dominante sobre estes temas. Afastam-se de tudo o que vem sendo proposto em Portugal, e, sendo sustentadas de forma rigorosa, são um contributo importante para o debate público sobre este tema.

O ensaio está escrito de forma a que todos o consigam entender. Preocupa-se em explicar os conceitos que vai utilizando, contendo ainda referências para quem queira aprofundar os temas tratados. É um ensaio que nos convida a pensar e a discordar. Recomenda-se leitura pausada, de forma a absorver aquilo que se vai lendo - até porque muito daquilo que se vai lendo tem pouco a ver com o que se costuma ler ou ouvir sobre estes temas na comunicação social.

Resta referir que vai ter lugar um debate «online» sobre este ensaio no «site» da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Fevereiro, e citar, com recomendação de leitura da totalidade do ensaio, as palavras do autor no último parágrafo do Prefácio:

«O convite da Fundação, através de António Araújo, para escrever este ensaio foi um enorme desafio. Se superado, tê-lo-á sido apenas transitoriamente, à espera de mais evidência que o venha questionar. O conhecimento não cristaliza, o erro está na sua essência. Ficamos à espera dele. Por agora, basta-nos a esperança de provocar reacções que tragam novos horizontes à economia portuguesa.»

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