Torna-se confrangedor assistir à actuação das Oposições em Portugal. Salivando sempre por tomar o poder, nunca apresentam programas ou alternativas coerentes àquilo que o Governo está a fazer, com a desculpa descarada de que não é sua responsabilidade. Acontece que é da sua responsabilidade. E quem fica a perder por as nossas Oposições ignorarem as suas responsabilidades é o país inteiro.
O PS, sob António José Seguro, é um case study. Avança com ideias soltas sobre a UE que não lhe são originais. Aquelas, poucas, ideias que lhe são originais são puro populismo, desenhadas para colocar o PS do «lado certo» de um certo debate, e nunca são verdadeiramente discutidas. Agora, o PS coloca-se à margem do processo de reforma e reformulação do Estado, lavando as mãos com a maior das hipocrisias da resolução estrutural de uma crise que é, e muito, obra sua.
Falar em «apostar no crescimento» significa absolutamente nada. Dizer que vai haver «project bonds» é ignorar todas as debilidades estruturais existentes na nossa economia e, na prática, pelo que se lê e ouve, é transferir o nosso modelo de endividamento insustentável para o nível europeu. Já pouco se ouve falar de «eurobonds», que aliás eram defendidos de forma hipócrita por aqueles que tanto atacam o défice democrático da UE como o querem piorar criando «eurobonds» sem uma verdadeira união política e consequente legitimação democrática.
Vivemos num circo. Mediático, político e económico. Os artistas são uma classe política habituada a fazer acrobacias e sem capacidade para sair dos seus truques de magia para conseguir votos. O BE e o PCP dedicam-se a promover sistemas económicos que falharam no séc. XX. O PS dedica-se a provar que não tem ideias, não tenta liderar a agenda política, e a jogos políticos rasteiros. O Governo é incapaz de explicar aquilo que faz, mesmo quando faz alguma coisa interessante e potencialmente popular, e deixa-se emaranhar em questões de política pura que em nada ajudam o país a sair da crise.
A comunicação social desencadeia ondas de histeria por tudo e por nada. Subitamente, depois de quase só se ouvir gente a bramir por aumentos de impostos sobre o capital, agora ouve-se falar dos efeitos negativos que essa medida terá sobre a poupança. Subitamente, os portugueses demonstraram que conseguem poupar, e como é precisamente nesse momento que o Governo decidiu, de novo, aumentar os impostos sobre o capital, já se ouve dizer o quão negativa é esta medida.
O circo não pára por aqui. O acórdão do Tribunal Constitucional foi levado em ombros, e o então Presidente do Tribunal Constitucional deu uma entrevista em que uma das medidas de que falou foi, precisamente, o aumento de impostos sobre o capital. Não vi muita gente cair em cima do referido senhor por não saber que os juízes, num regime como o nosso, falam através de decisões judiciais, não através de entrevistas em jornais em que intervêm directamente na luta política. Não vejo também muita gente criticar a Associação Sindical dos Juízes por intervir na luta política diária pronunciando-se sobre os salários dos juízes ou sobre o Orçamento do Estado em geral.
Não vejo também muita gente criticar membros das Forças Armadas que, em vez de procurarem manter e preservar a integridade e o regular funcionamento das instituições, vêm a terreiro mandar achas para a fogueira. Não vejo suficiente gente a criticar severamente conjuntos de gente que se sente no direito de partir carros, cercar o Parlamento de forma agressiva ou agredir polícias. Vejo muitas vezes o oposto - desculpabilizações e tentativas de legitimação da sua actuação, com base na victimização e na teoria do coitadinho.
Vivemos numa democracia e num Estado de Direito, mas isso não é suficiente para quem não quer saber da democracia ou do Estado de Direito. As regras e o regular funcionamento das instituições apenas interessam e apenas são legítimos se estiverem a implementar políticas com que se concorde, e podem ser colocadas e causa sem problema quando as políticas que se aplicam não são da concordância de quem se considera dono do regime (em nome do povo, naturalmente, mas esse é considerado demasiado ignorante para tomar decisões avisadas - basta ver a reacção às pessoas, comparadas a «zombies», terem aderido à promoção do Pingo Doce no dia 1 de Maio). As organizações internacionais são atacadas por entidades que se auto-proclamam de «esquerda» com argumentação xenófoba e nacionalista, contra «estrangeiros», quando Portugal é membro dessas mesmas organizações internacionais e pediu a sua intervenção.
No meio de todo o circo, o PS tenta passar por entre os pingos da chuva. O partido sobe nas sondagens, apesar de (ou, provavelmente, por) não ter um programa político. O Governo é incapaz de demonstrar que tem um programa. Aliás, ao anunciar agora, um ano e meio depois de chegar ao poder, que vai começar um debate sobre a reforma do Estado, provou que não tem um programa. Estamos portanto numa situação de crise em que o Governo está, à pressão, a tentar reformar o Estado, e o principal partido da Oposição, sem programa ou ideias, e de forma intelectualmente desonesta, não se junta a esse grande debate. Procura apenas capitalizar nas reformas impopulares que o Governo tentará implementar para ganhar as próximas eleições.
O circo significa que vemos muita gente passar pelas televisões e pela rádio bramindo contra a crise, contra os mercados, contra a Chanceler da Alemanha, contra os EUA, contra as agências de notação financeira, contra aumentos de impostos e contra cortes na despesa, mas sem dizer rigorosamente nada. Só falta música circense quando se vêem deputados levantar-se no Parlamento e ignorar olimpicamente o que o PS fez para nos trazer até aqui. Ou quando se vêem deputados do PSD e do CDS-PP falar sobre cortes na despesa quando, também eles, não fizeram nada neste sentido desde as eleições - não é apenas o Governo que está atrasado, é também a própria maioria parlamentar.
O circo é toda a «convicção» e toda a «indignação» e toda a «revolta» que por aí se vê ter demasiadas vezes a consistência de títulos de jornais, sensacionalistas e sem espessura, desenhados para chocar mais do que para informar. Em vez de um debate público sobre a crise, esta tem-nos sugado para uma gritaria histérica em que todas as corporações estrebucham para que não lhes tirem dinheiro, em que há quem procure com todas as suas forças obrigar-nos a engolir a mesma ilusão que temos engolido ao longo de décadas. Os ataques a todas as reformas sucedem-se. Por alguma forma que ninguém entende e poucos mediaticamente questionam, resolveríamos a crise mantendo o «status quo».
Isso não faz sentido. A crise forçou-nos a ter um debate que já devíamos ter tido há muitos anos. De pouco serve que não queiramos ter o debate, agora ou alguma vez no futuro. Confrontados com a bancarrota, o debate tem de ser tido, e tem de ter uma participação alargada e o mais informada possível. O principal partido da Oposição faria uma demonstração de responsabilidade inatacável entrando nesse debate de forma construtiva e lógica. Em vez disso, temos farsas sobre a destruição do Estado Social, esse que está a ser destruído precisamente por causa do nível de endividamento a que chegámos, e que tem gerado défices constantes (e consequente dívida) desde sempre.
O PS pode escolher ser o partido de Mário Soares. Mário Soares foi Primeiro Ministro e tomou medidas duríssimas nessa posição, tendo sido atacado da mesma forma que ataca agora este Governo por tomar medidas de austeridade, demonstrando um nível de hipocrisia ímpar em alguém que também se vangloriava há pouco tempo de ter convencido o anterior Governo PS a chamar a «troika». Mário Soares nunca percebeu nada de Economia ou Finanças e sempre apostou na sua personalidade, e não propriamente na substância, para conseguir votos. É isto que o PS quer? Ser o partido hipócrita, que ataca o Governo por implementar medidas que o PS implementaria se fosse Governo, que nada parece entender de Economia e Finanças, e aposta em conversa fiada populista para conseguir votos, em vez de posições sustentadas e fundamentadas para a sustentabilidade do Estado Social que diz defender?
O Governo demorou demasiado tempo a lançar este debate. A maioria parlamentar também andou a dormir todo este tempo. Mas agora, este debate está a acontecer. E mais do que de um circo, os portugueses precisam de um principal partido da Oposição responsável. Precisam de um Secretário Geral do PS com vontade de entrar no debate mais sério e mais importante da democracia portuguesa desde o 25 de Abril de 1974 com propostas substantivas e fundamentadas, porque uma Oposição desse tipo forçará o Governo a ter propostas sustentadas e fundamentadas também.
Nós estamos em crise porque temos vivido num circo, em que a Oposição não cumpre as suas funções e os seus deveres institucionais e os Governos caem de podres, e geralmente não têm grandes ideias antes de entrarem em funções (porque, enquanto Oposição, não as preparam). Estamos a sofrer mais porque o anterior Governo entrou em funções com um programa irrealista (e mesmo surrealista, tendo em conta a crise) e demorou demasiado tempo a pedir ajuda externa e porque o actual demorou demasiado tempo a lançar um debate que já devia ter começado há anos. Estamos a sofrer mais nesta crise porque as instituições não funcionam como devem.
Em vez disso temos o circo. Com cada vez menos dinheiro para comprar pipocas e doces, apenas deixaremos de ser audiência forçada das acrobacias políticas e mediáticas se fizermos uma reforma política e económica ou se sairmos do país. A segunda hipótese não é menos nobre do que a primeira, e não é mais nobre ficar do que sair. Mas acontece que aqueles que saem geralmente são aqueles que nós quereríamos que ficassem para ajudar a mudança. Aqueles que ficam a gritar parecem muitas vezes ser aqueles que querem que tudo fique na mesma, na ilusão de que a crise é que é uma ilusão.
Restam aqueles que querem mudar alguma coisa, que ficam e que são empreendedores o suficiente para colocar em marcha o seus projectos de mudança de forma pacífica, que podem passar por formar novas empresas ou por lançar novos movimentos políticos. Esses são a esperança daqueles que querem sair do circo vigente e realmente mudar o país.
Quem diz o país, diz a União Europeia. Mas isso é um circo ainda maior. No entanto, com muitas das mesmas características.
EDITADO: Outra esperança são precisamente os que agora emigram, se voltarem com novas ideias e nova vontade fazer coisas.
"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
Mostrar mensagens com a etiqueta empreendedorismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta empreendedorismo. Mostrar todas as mensagens
domingo, 4 de novembro de 2012
O circo
Etiquetas:
crise,
debate público,
economia,
empreendedorismo,
finanças públicas,
política
sábado, 27 de outubro de 2012
Álvaro Santos Pereira
Álvaro Santos Pereira quer desenvolver a economia portuguesa. Para o efeito, quer fazer o costume: distribuir subsídios, criar benefícios fiscais e, em suma, determinar politicamente vencedores e perdedores através de critérios mais ou menos arbitrários, ao mesmo tempo mantendo uma burocracia pública para aplicar o seu pacote de medidas.
Sejamos claros: aquilo que Álvaro Santos Pereira quer fazer é passar a subsidiar exportações em vez de subsidiar infraestruturas. Um dos problemas do país é um código fiscal complexo, que muda todos os anos de forma relevante. Os benefícios fiscais beneficiam aqueles que sabem que os benefícios públicos existem, que obtêm uma decisão positiva sobre a aplicabilidade dos benefícios ao seu caso em tempo útil, e criam distorções em relação a uma situação em que a escolha do consumidor é soberana.
Os subsídios, entregues independentemente do sucesso ou insucesso, beneficiam também aqueles que sabem que os subsídios existem e obtêm uma decisão em tempo útil de que podem beneficiar deles. Depois, as empresas que surgem com base nesses subsídios tornam-se matéria política relevante, porque é dinheiro público que ali está a ser aplicado. Cria-se incentivo a que o Estado continue a financiar empresas sem viabilidade para os consumidores por motivos políticos, para manter a credibilidade do sistema. Entretanto, sempre que uma das empresas vá abaixo (o que acontecerá muitas vezes - afinal, tendencialmente serão investimentos de risco), foi dinheiro público que foi atirado para aquela empresa, em vez de para outras coisas (como, por exemplo, ser devolvido à população em geral através de cortes de impostos).
A nova Lei da Concorrência, que fortaleceu os poderes da Autoridade da Concorrência, e que muitos problemas cardíacos terá causado a fãs da Escola Austríaca que a tenham consultado, não é perfeita, mas é preferível ao que havia antes. A existência de um Tribunal especializado em temas de Concorrência e Regulação também é positivo, dada a especificidade que os temas comportam, muito assente numa boa preparação económica que em geral falta no nosso sistema judicial (muito por culpa pelo desprezo de disciplinas tão importantes como a Análise Económica do Direito que ainda por cá existe). Isto foram dois passos positivos, tal como é importante continuar a garantir que não existam fraudes e que os consumidores estão devidamente informados em relação aos produtos que compram.
Agora, o passo seguinte devia ser fazer uma avaliação séria da regulação existente no sentido de garantir que serve para alguma coisa, e reformular o Estado tendo em conta a sua sustentabilidade financeira, baixando impostos generalizadamente e ao mesmo tempo simplificando o nosso sistema fiscal. O que o Ministro quer fazer é manter os subsídios mas mudar os destinatários, e dispara contra as regras europeias que o proíbem de arbitrariamente beneficiar uns em relação a outros no Mercado Interno. Ora, o Ministro erra o alvo. Essas regras estão lá precisamente para defender o Mercado Interno de tentações de o distorcer por parte dos Estados Membros, e devem continuar a lá estar, sob pena de destruirmos o «level playing field» que o Mercado Interno pretende criar.
O Ministro devia estar a disparar contra a multiplicação das rendas públicas a empresas privadas. Devia estar a atrair e propiciar investimento privado simplificando procedimentos e continuando com bom trabalho nesse sentido antes desenvolvido. Mas o Ministro não resiste à tentação de querer serem ele e os seus Secretários de Estado a tentar «desenvolver a economia portuguesa». Se o Estado português parasse de o tentar fazer, poderia reparar que portugueses e estrangeiros que queiram investir em Portugal são capazes de o fazer bem melhor e de forma bem mais sustentada. Especialmente se tiverem de se sujeitar aos rigores de terem de agradar a clientes e a conseguir financiamento junto de entidades privadas, e não estiverem sujeitos a concorrência de entidades arbitrariamente apoiadas financeiramente pelo Estado português.
Sejamos claros: aquilo que Álvaro Santos Pereira quer fazer é passar a subsidiar exportações em vez de subsidiar infraestruturas. Um dos problemas do país é um código fiscal complexo, que muda todos os anos de forma relevante. Os benefícios fiscais beneficiam aqueles que sabem que os benefícios públicos existem, que obtêm uma decisão positiva sobre a aplicabilidade dos benefícios ao seu caso em tempo útil, e criam distorções em relação a uma situação em que a escolha do consumidor é soberana.
Os subsídios, entregues independentemente do sucesso ou insucesso, beneficiam também aqueles que sabem que os subsídios existem e obtêm uma decisão em tempo útil de que podem beneficiar deles. Depois, as empresas que surgem com base nesses subsídios tornam-se matéria política relevante, porque é dinheiro público que ali está a ser aplicado. Cria-se incentivo a que o Estado continue a financiar empresas sem viabilidade para os consumidores por motivos políticos, para manter a credibilidade do sistema. Entretanto, sempre que uma das empresas vá abaixo (o que acontecerá muitas vezes - afinal, tendencialmente serão investimentos de risco), foi dinheiro público que foi atirado para aquela empresa, em vez de para outras coisas (como, por exemplo, ser devolvido à população em geral através de cortes de impostos).
A nova Lei da Concorrência, que fortaleceu os poderes da Autoridade da Concorrência, e que muitos problemas cardíacos terá causado a fãs da Escola Austríaca que a tenham consultado, não é perfeita, mas é preferível ao que havia antes. A existência de um Tribunal especializado em temas de Concorrência e Regulação também é positivo, dada a especificidade que os temas comportam, muito assente numa boa preparação económica que em geral falta no nosso sistema judicial (muito por culpa pelo desprezo de disciplinas tão importantes como a Análise Económica do Direito que ainda por cá existe). Isto foram dois passos positivos, tal como é importante continuar a garantir que não existam fraudes e que os consumidores estão devidamente informados em relação aos produtos que compram.
Agora, o passo seguinte devia ser fazer uma avaliação séria da regulação existente no sentido de garantir que serve para alguma coisa, e reformular o Estado tendo em conta a sua sustentabilidade financeira, baixando impostos generalizadamente e ao mesmo tempo simplificando o nosso sistema fiscal. O que o Ministro quer fazer é manter os subsídios mas mudar os destinatários, e dispara contra as regras europeias que o proíbem de arbitrariamente beneficiar uns em relação a outros no Mercado Interno. Ora, o Ministro erra o alvo. Essas regras estão lá precisamente para defender o Mercado Interno de tentações de o distorcer por parte dos Estados Membros, e devem continuar a lá estar, sob pena de destruirmos o «level playing field» que o Mercado Interno pretende criar.
O Ministro devia estar a disparar contra a multiplicação das rendas públicas a empresas privadas. Devia estar a atrair e propiciar investimento privado simplificando procedimentos e continuando com bom trabalho nesse sentido antes desenvolvido. Mas o Ministro não resiste à tentação de querer serem ele e os seus Secretários de Estado a tentar «desenvolver a economia portuguesa». Se o Estado português parasse de o tentar fazer, poderia reparar que portugueses e estrangeiros que queiram investir em Portugal são capazes de o fazer bem melhor e de forma bem mais sustentada. Especialmente se tiverem de se sujeitar aos rigores de terem de agradar a clientes e a conseguir financiamento junto de entidades privadas, e não estiverem sujeitos a concorrência de entidades arbitrariamente apoiadas financeiramente pelo Estado português.
Etiquetas:
economia,
empreendedorismo,
modelo de desenvolvimento
Entrevista a André Marquet
Já conhecido aqui no Cousas Liberaes por ele próprio ser um
dos membros, André Marquet é também o co-fundador da beta-i, a associação sem
fins lucrativos que tem como missão inovar o empreendedorismo. Achei
interessante fazer-lhe uma entrevista sobre o atual eco sistema do
empreendedorismo em Portugal. O André aceitou o meu convite sem hesitações.
Obrigado André!
Concordo, as estatísticas internacionais realizadas acerca da motivação para o empreendedorismo apontam para que cerca de 10% da população tenha vontade e apetência de iniciar o seu próprio negocio, mas na prática apenas cerca de 2-5% iniciam de facto uma atividade empreendedora. Diria, que em Portugal não faltam empreendedores, falta sim uma cultura de diferenciação pela inovação e pela qualidade superior, pelo superlativo, de ser o melhor do mundo, o que limita o aparecimento do chamado empreendedorismo qualificado, onde reside o maior valor acrescentado.
Conheço alguns, embora talvez concorde que ainda não haja um Steve Jobs português, isto é um caso de um empreendedor tecnológico altamente inovador e consagrado internacionalmente, mas também a verdade é que não há muito poucos casos desses em países pequenos como o nosso e isso deriva mais da reduzida dimensão do mercado. De resto, há excelentes casos de empreendedorismo nas mais diversas áreas em Portugal. Gosto muito do caso do Prof. Epifânio da Franca, um professor do Instituto Superior Técnico, que é o atual coordenador do programa Portugal Ventures e que criou a Chipidea, uma empresa que chegou a ser uma das maiores empresas na área dos semicondutores onde atuava, nos conversores analógico-digitais e que foi vendida à empresa MIPS por mais de 150 milhões de dólares em meados da década passada – de certa forma, este é também um caso paradigmático da nossa incapacidade de fazer as empresas crescer e ultrapassar as barreiras clássicas, e de criar multinacionais, isto é, existem muito poucos casos de novas empresas em Portugal que tenham adquirido uma dimensão significativa e que não resultem de processos de privatização de incumbentes.
Acho que esta questão tem que ser vista sobre diversos prismas, concentremo-nos no empreendedor, o mais importante neste caso é existirem condições macroeconómicas para o chamado empreendedorismo qualificado. Note-se que existem países mais pobres do que Portugal em quase todo o emprego deriva do empreendedorismo, ou o chamado autoemprego mas o valor acrescentado que é possível gerar em microempresas é sempre muito limitado e acho que essa é a primeira distinção que deve ser feita, a do empreendedorismo enquanto estilo de vida, digamos o pequeno negocio, o serviço de consultoria, do chamado empreendedorismo qualificado que requer um contexto socioeconómico muito mais complexo para emergir, porque assenta na criação de estruturas económicas mais complexas, com mais colaboradores, e que libertam rendas significativas e em em que os empreendedores necessitam de ter acesso a capital de risco dito “esperto” ou o chamado “smart money”, isto é de capitalistas que acompanhem com aporte de valor os seus investimentos, ajudando os empreendedores a crescer o negócio, através de contactos, de rede e de mentoria – é essa a beleza do capitalismo em Silicon Valley, um eco-sistema em que empreendedores e capital de risco vivem em relação simbiótica e virtuosa. Eu diria, que em Portugal esse ecossistema está a ser construído, mas ainda é muito delicado, como uma planta nos primeiros estágios de evolução, que precisa de ser regada, cuidada, para poder ter autonomia e constituir-se como um dos pilares do crescimento económico português.
Pessoalmente acho que soluções como a de Behrokh Khoshnevis são mais do mesmo, isto é máquinas industriais montadas nas economias modernas que são usadas para gerar de forma mais ou menos autónoma habitação para os “pobres”. Acho que este paradigma clássico de desenvolvimento, da transferência tecnológica de forma fechada no sentido dos países avançados para os menos desenvolvidos é insustentável – mesmo países relativamente modernizados como Portugal nunca conseguiram desenvolver-se de forma harmoniosa e sustentável também devido a esse pecado original, que durante os últimos anos, antes do colapso financeiro, foi alimentado por acesso ao financiamento barato nos mercados internacionais. A economia Portuguesa viveu inflacionada, e agora tem de se reencontrar com a realidade económica, e isso aconteceu sempre no passado, se olharmos para países como a Argentina e outros que passaram por estes choques de ajustamento.
Entretanto, acredito que estamos a assistir uma mudança talvez até estrutural do modelo económico em que vivemos, as populações das economias ocidentais estão mudar os hábitos de consumo, com vista à sustentabilidade dos ciclos de construção e distribuição. O novo paradigma estará assente em modelos colaborativos e abertos mais semelhantes aos propostos pelo Marcin Jakubowski com a sua proposta “Open-sourced blueprints for civilization” e isso de certa forma já é uma realidade, se pensarmos que hoje existem tutoriais para virtualmente tudo o que imaginarmos no youtube, e que plataformas como a Wikipedia quase comoditizaram a cultura geral. Mesmo as grandes organizações serão forçadas a repensar estratégias de negócio como a chamada obsolescência controlada e a serem mais abertas e transparentes. Quando uma parte significativa da população está desempregada ou com empregos precários, iremos ter uma espécie de apartheid económico permanente com soluções para os que tem emprego, com rendimento previsíveis e os que... sobrevivem.
Em Portugal em cada
1000 pessoas a falar sobre ser-se empreendedor ou a promover o empreendedorismo
para aí 10 são empreendedoras, concordas?
Concordo, as estatísticas internacionais realizadas acerca da motivação para o empreendedorismo apontam para que cerca de 10% da população tenha vontade e apetência de iniciar o seu próprio negocio, mas na prática apenas cerca de 2-5% iniciam de facto uma atividade empreendedora. Diria, que em Portugal não faltam empreendedores, falta sim uma cultura de diferenciação pela inovação e pela qualidade superior, pelo superlativo, de ser o melhor do mundo, o que limita o aparecimento do chamado empreendedorismo qualificado, onde reside o maior valor acrescentado.
Em Portugal quase
todos os eventos sobre empreendedorismo têm como lema "mudar o mundo"
ou algo do género, conheces algum empreendedor português que tenha mudado o
mundo de tal forma que o mundo tenha reparado? (Teoria do caos à parte)
Conheço alguns, embora talvez concorde que ainda não haja um Steve Jobs português, isto é um caso de um empreendedor tecnológico altamente inovador e consagrado internacionalmente, mas também a verdade é que não há muito poucos casos desses em países pequenos como o nosso e isso deriva mais da reduzida dimensão do mercado. De resto, há excelentes casos de empreendedorismo nas mais diversas áreas em Portugal. Gosto muito do caso do Prof. Epifânio da Franca, um professor do Instituto Superior Técnico, que é o atual coordenador do programa Portugal Ventures e que criou a Chipidea, uma empresa que chegou a ser uma das maiores empresas na área dos semicondutores onde atuava, nos conversores analógico-digitais e que foi vendida à empresa MIPS por mais de 150 milhões de dólares em meados da década passada – de certa forma, este é também um caso paradigmático da nossa incapacidade de fazer as empresas crescer e ultrapassar as barreiras clássicas, e de criar multinacionais, isto é, existem muito poucos casos de novas empresas em Portugal que tenham adquirido uma dimensão significativa e que não resultem de processos de privatização de incumbentes.
Em Portugal vivemos
uma fase em que sobreviver sai mais caro e é mais difícil do que já foi no
passado. Achas que é pelo interesse em apresentar soluções para este problema
de forma direta que o empreendedorismo mais contribuirá para o crescimento
económico e desenvolvimento social do país?
Acho que esta questão tem que ser vista sobre diversos prismas, concentremo-nos no empreendedor, o mais importante neste caso é existirem condições macroeconómicas para o chamado empreendedorismo qualificado. Note-se que existem países mais pobres do que Portugal em quase todo o emprego deriva do empreendedorismo, ou o chamado autoemprego mas o valor acrescentado que é possível gerar em microempresas é sempre muito limitado e acho que essa é a primeira distinção que deve ser feita, a do empreendedorismo enquanto estilo de vida, digamos o pequeno negocio, o serviço de consultoria, do chamado empreendedorismo qualificado que requer um contexto socioeconómico muito mais complexo para emergir, porque assenta na criação de estruturas económicas mais complexas, com mais colaboradores, e que libertam rendas significativas e em em que os empreendedores necessitam de ter acesso a capital de risco dito “esperto” ou o chamado “smart money”, isto é de capitalistas que acompanhem com aporte de valor os seus investimentos, ajudando os empreendedores a crescer o negócio, através de contactos, de rede e de mentoria – é essa a beleza do capitalismo em Silicon Valley, um eco-sistema em que empreendedores e capital de risco vivem em relação simbiótica e virtuosa. Eu diria, que em Portugal esse ecossistema está a ser construído, mas ainda é muito delicado, como uma planta nos primeiros estágios de evolução, que precisa de ser regada, cuidada, para poder ter autonomia e constituir-se como um dos pilares do crescimento económico português.
Já existem
empreendedores a pensar resolver este tipo de problema noutros países, como por
exemplo o Behrokh Khoshnevis
(http://tedxtalks.ted.com/video/TEDxOjai-Behrokh-Khoshnevis-Con), que propõe
reduzir o custo de construção de habitações de forma muito significativa.
Existem também em Portugal empreendedores motivados pela possibilidade de
solucionar este problema, o custo da sobrevivência? (Se sim, quem são eles?)
(Se não, qual é na tua opinião o motivo?)
Pessoalmente acho que soluções como a de Behrokh Khoshnevis são mais do mesmo, isto é máquinas industriais montadas nas economias modernas que são usadas para gerar de forma mais ou menos autónoma habitação para os “pobres”. Acho que este paradigma clássico de desenvolvimento, da transferência tecnológica de forma fechada no sentido dos países avançados para os menos desenvolvidos é insustentável – mesmo países relativamente modernizados como Portugal nunca conseguiram desenvolver-se de forma harmoniosa e sustentável também devido a esse pecado original, que durante os últimos anos, antes do colapso financeiro, foi alimentado por acesso ao financiamento barato nos mercados internacionais. A economia Portuguesa viveu inflacionada, e agora tem de se reencontrar com a realidade económica, e isso aconteceu sempre no passado, se olharmos para países como a Argentina e outros que passaram por estes choques de ajustamento.
Entretanto, acredito que estamos a assistir uma mudança talvez até estrutural do modelo económico em que vivemos, as populações das economias ocidentais estão mudar os hábitos de consumo, com vista à sustentabilidade dos ciclos de construção e distribuição. O novo paradigma estará assente em modelos colaborativos e abertos mais semelhantes aos propostos pelo Marcin Jakubowski com a sua proposta “Open-sourced blueprints for civilization” e isso de certa forma já é uma realidade, se pensarmos que hoje existem tutoriais para virtualmente tudo o que imaginarmos no youtube, e que plataformas como a Wikipedia quase comoditizaram a cultura geral. Mesmo as grandes organizações serão forçadas a repensar estratégias de negócio como a chamada obsolescência controlada e a serem mais abertas e transparentes. Quando uma parte significativa da população está desempregada ou com empregos precários, iremos ter uma espécie de apartheid económico permanente com soluções para os que tem emprego, com rendimento previsíveis e os que... sobrevivem.
Por
outro lado prevê-se que em países como Portugal a crise irá fazer-se sentir por
uma década e isso irá favorecer uma certa “Cubanização” da economia, por
exemplo a idade média do parque automóvel passará para o dobro, o que obrigará
a repensar as estratégias de manutenção dos automóveis, também abrindo a
oportunidade a novos modelos de negócio... Por outro lado, os consumidores mais
jovens tem uma relação diferente com a propriedade, pilar do capitalismo, da
geração precedente, porque são a primeira geração que terá uma qualidade de vida
inferior à dos próprios pais.
O
empreendedorismo é uma expressão fantástica da liberdade individual e do
intelecto humano, por isso os empreendedores mais audazes e criativos serão os
que tiverem a capacidade de antecipar as oportunidades resultantes das mudanças
que se avizinham para conseguirem valer a sua visão e capacidade de alterar o
mundo.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Kitchen Nightmares e Gestão
No programa de televisão Kitchen Nightmares (versão americana; versão britânica), o Chef Gordon Ramsay visita um restaurante em sérias dificuldades financeiras e tem uma semana para o colocar no trilho do sucesso. A versão americana do programa foca-se mais nas questões pessoais e é bem mais sensacionalista que a versão britânica, mas o «modus operandi» de Ramsay é fundamentalmente igual em ambas.
Assim, Gordon Ramsay vai analisar a organização interna do restaurante, o que inclui:
Assim, Gordon Ramsay vai analisar a organização interna do restaurante, o que inclui:
- analisar a qualidade da comida que é servida (em particular, a relação qualidade-preço), bem como do serviço de mesas que é prestado;
- analisar as relações pessoais entre os donos, os empregados de mesa, os cozinheiros e toda a gente que trabalhe no restaurante;
- analisar a estrutura do restaurante em termos de hierarquia de colaboradores;
- analisar como funciona a cozinha, como funciona o serviço à mesa, e como se coordenam estes dois momentos;
- analisar as condições sanitárias do restaurante, em particular da cozinha e das câmaras frigoríficas;
- analisar a decoração do restaurante;
- analisar como é feita a gestão de inventário do restaurante.
Geralmente, encontra diversas falhas, que vão desde péssimo ambiente de trabalho causado por más relações pessoais e/ou falta de liderança por parte dos donos do restaurante, má gestão da cozinha ou do serviço à mesa, incluindo falta de coordenação entre os dois; má gestão do inventário, decoração antiquada, comida de má qualidade (geralmente, comida congela e aquecida), até a ineficiente gestão de inventário ou um menu demasiado grande para ser cozinhado de forma eficiente, etc. Isto para não falar de cozinhas sujas e de comida a apodrecer nas câmaras frigoríficas.
Gordon Ramsay analisa ainda a situação externa, ou seja, o contexto no qual aquele restaurante se insere. Se estiver perante um restaurante mexicano, vai, por exemplo, ver quantos outros restaurantes mexicanos existem na mesma área geográfica. Depois desta análise, Ramsay vai procurar algo que diferencie aquele restaurante dos outros - p.ex. mesmo havendo muitos restaurantes espanhóis, aquele poderia ser o único num raio geográfico alargado especializado em «tapas».
Ramsay recolhe informação junto da população local e junto do «staff» do restaurante, bem como das suas observações pessoais e de outras pessoas que eventualmente poderá convidar para o ajudar, para perceber quais os problemas que enfrenta o restaurante. Com base nessa informação, introduz alterações, que incluem geralmente mudar a organização interna do restaurante e a sua decoração, e que podem chegar a uma mudança de nome. Vai também publicitar o restaurante com base no factor diferenciador que elegeu como apropriado para atrair clientes.
Em geral, o que Ramsay tenta fazer ver aos donos dos restaurantes em apuros é que têm de ser eficientes: têm de minimizar os custos e maximizar as receitas, apostando num nível elevado de relação qualidade/preço. Também em geral, muitos dos restaurantes acabam por não aguentar, dado que se encontravam já num ponto de não-retorno. Outros melhoram a sua situação, tipicamente aqueles que seguiram os conselhos de Ramsay e apostaram em maximizar a qualidade e minimizar os custos.
Como disse acima, a versão americana do programa é muito mais espalhafatosa que a versão britânica. E acaba por ser esta última a versão mais interessante. Todos os programas seguem o mesmo modelo e ao fim de algum tempo já se sabe o que vai acontecer. No entanto, principalmente quando se assiste à versão britânica, vai-se aprendendo com o programa. Cada episódio é uma aula de gestão, com aplicações que podem ir além da própria gestão de um restaurante.
Acabei por ir paulatinamente vendo penso que quase todos os episódios, americanos ou britânicos, e acabei por aprender com a série, bem sistematizar algumas ideias na minha cabeça sobre estes temas (como se pode ver). Não que eu queira abrir um restaurante. Mas é sempre bom aprender alguma coisa.
Etiquetas:
empreendedorismo,
Gordon Ramsay,
Kitchen Nightmares,
restaurante
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Racionalidade, Reciprocidade, Empreendedorismo
Ser racional, tentar maximizar a nossa utilidade e viver de acordo com os nossos interesses não são o mesmo que ignorar por completo os outros que nos rodeiam. O conceito de racionalidade económica e mesmo o conceito de egoísmo quando encarado neste sentido não é minimamente incompatível com o conceito de reciprocidade. Haverá alturas, muitas alturas, em que nós consideramos que é do nosso interesse ajudar os outros, tanto porque os outros depois nos tenderão a ajudar também a nós, como também por simplesmente nos sentirmos bem em ajudá-os e considerarmos ajudá-los um bem em si mesmo.
Não é de todo surpreendente, aliás, que haja comportamentos altruístas. A capacidade de ajudar os outros, de sentir empatia, de ser solidário com quem tem problemas é a base de uma qualquer comunidade sólida. É essa capacidade que gera entre-ajuda nos membros da comunidade e essa cooperação é perfeitamente racional economicamente, da mesma forma que a concorrência o será. E será ainda importante notar que nada disto coloca em causa o individualismo e a capacidade dos indivíduos se afirmarem enquanto seres específicos, irrepetíveis e autónomos.
É importante lembrar tudo isto num país em que o Estado é excessivamente visto como uma simples fonte de subsídios. É importante lembrar tudo isto perante quem tenha preconceitos contra quem ridicularize a filantropia ou a caridade, imputando más intenções a quem as pratique (geralmente por serem «ricos» e portanto, por definição, de acordo com essas pessoas, serem cínicos e incapazes de sentir verdadeira empatia). É fundamentalmente importante lembrar que a sociedade civil tem um papel importante a desempenhar em situações de crise e que essa função não se resume a organizar pessoas que queiram receber subsídios e, portanto, servir de intermediários entre o Estado e o resto da população.
O que é fundamental no que toca à solidariedade é a capacidade de cada um de nós sentir que existe mais no mundo além do nosso umbigo e que é nosso dever ajudar quem precisa. É este sentimento, é esta cultura solidária que cria comunidades sólidas. Se a esta sentimento acrescer outro, o sentido de que devemos procurar, o mais possível, resolver os nossos problemas de forma autónoma, teremos uma comunidade em que os seus membros tentam resolver os seus problemas «de baixo para cima»: primeiro tentam resolver por si, se não conseguirem falam com vizinho(s), se não der falam com a associação de moradores ou com a junta e aí por diante.
Ao invés, não teremos uma comunidade em que as pessoas tentam resolver problemas que poderiam tentar resolver sozinhas através de uma petição ao Governo ou ao Presidente da República. Uma comunidade na qual se começa a tentar resolver os problemas por cima, em vez de por baixo, e em que as pessoas não confiam umas nas outras o suficiente para pedir ajuda. Depois, ironicamente, também não confiam no Estado e nos políticos (mais ou menos profissionais), a quem, no entanto, exigem a resolução de todos os problemas e mais alguns.
Parte da resolução dos problemas que atravessamos passa por as pessoas tentarem resolver os seus problemas por si e sentirem que têm pessoas à sua volta em quem confiam no caso de precisarem de ajuda, independentemente do Estado central ou de instituições públicas em geral. Se cada um de nós tentar resolver os seus problemas por si, ajudando no que pode os outros a resolverem os deles, menos imputaremos ao Estado e às instituições públicas, que se poderão, então, focar na resolução de problemas que, de facto, seja muito mais eficiente resolver a essa escala.
Criar empregos bem remunerados e aumentar a produtividade do país passa também por aqui. Precisamos de empresas que apostem na formação e na qualificação dos colaboradores, bem como em salários razoáveis para atrair os melhores e conseguir mantê-los, e que valorizem o «know how» como um activo precioso. Precisamos de gente que esteja disposta a sair da sua zona de conforto e de arriscar, independentemente da existência de subsídios estatais e de deixar que essa gente seja capaz de o fazer sem primeiro sufocar em regulamentos desnecessários e impostos.
Tudo isto, parece-me, já existe em Portugal, embora não corresponda ao estereótipo a que nos fomos habituando de Portugal. Acontece que estas pessoas estão demasiado ocupadas a inovar e a trabalhar para terem tempo de aparecer constantemente na comunicação social. Mesmo assim, vamos tendo notícias de bons exemplos em Portugal. São as «pessoas completamente loucas» de que o Hugo Garcia já aqui falou. É muito por essas pessoas que, parece-me, passa o futuro desenvolvimento económico português, aquele que poderá aos poucos ir substituindo a crise em que vivemos (e que irá perdurar). Se lhes retirarmos barreiras e deixarmos explorar todo o seu potencial, quem sabe o nível de progresso que atingiremos?
Não é de todo surpreendente, aliás, que haja comportamentos altruístas. A capacidade de ajudar os outros, de sentir empatia, de ser solidário com quem tem problemas é a base de uma qualquer comunidade sólida. É essa capacidade que gera entre-ajuda nos membros da comunidade e essa cooperação é perfeitamente racional economicamente, da mesma forma que a concorrência o será. E será ainda importante notar que nada disto coloca em causa o individualismo e a capacidade dos indivíduos se afirmarem enquanto seres específicos, irrepetíveis e autónomos.
É importante lembrar tudo isto num país em que o Estado é excessivamente visto como uma simples fonte de subsídios. É importante lembrar tudo isto perante quem tenha preconceitos contra quem ridicularize a filantropia ou a caridade, imputando más intenções a quem as pratique (geralmente por serem «ricos» e portanto, por definição, de acordo com essas pessoas, serem cínicos e incapazes de sentir verdadeira empatia). É fundamentalmente importante lembrar que a sociedade civil tem um papel importante a desempenhar em situações de crise e que essa função não se resume a organizar pessoas que queiram receber subsídios e, portanto, servir de intermediários entre o Estado e o resto da população.
O que é fundamental no que toca à solidariedade é a capacidade de cada um de nós sentir que existe mais no mundo além do nosso umbigo e que é nosso dever ajudar quem precisa. É este sentimento, é esta cultura solidária que cria comunidades sólidas. Se a esta sentimento acrescer outro, o sentido de que devemos procurar, o mais possível, resolver os nossos problemas de forma autónoma, teremos uma comunidade em que os seus membros tentam resolver os seus problemas «de baixo para cima»: primeiro tentam resolver por si, se não conseguirem falam com vizinho(s), se não der falam com a associação de moradores ou com a junta e aí por diante.
Ao invés, não teremos uma comunidade em que as pessoas tentam resolver problemas que poderiam tentar resolver sozinhas através de uma petição ao Governo ou ao Presidente da República. Uma comunidade na qual se começa a tentar resolver os problemas por cima, em vez de por baixo, e em que as pessoas não confiam umas nas outras o suficiente para pedir ajuda. Depois, ironicamente, também não confiam no Estado e nos políticos (mais ou menos profissionais), a quem, no entanto, exigem a resolução de todos os problemas e mais alguns.
Parte da resolução dos problemas que atravessamos passa por as pessoas tentarem resolver os seus problemas por si e sentirem que têm pessoas à sua volta em quem confiam no caso de precisarem de ajuda, independentemente do Estado central ou de instituições públicas em geral. Se cada um de nós tentar resolver os seus problemas por si, ajudando no que pode os outros a resolverem os deles, menos imputaremos ao Estado e às instituições públicas, que se poderão, então, focar na resolução de problemas que, de facto, seja muito mais eficiente resolver a essa escala.
Criar empregos bem remunerados e aumentar a produtividade do país passa também por aqui. Precisamos de empresas que apostem na formação e na qualificação dos colaboradores, bem como em salários razoáveis para atrair os melhores e conseguir mantê-los, e que valorizem o «know how» como um activo precioso. Precisamos de gente que esteja disposta a sair da sua zona de conforto e de arriscar, independentemente da existência de subsídios estatais e de deixar que essa gente seja capaz de o fazer sem primeiro sufocar em regulamentos desnecessários e impostos.
Tudo isto, parece-me, já existe em Portugal, embora não corresponda ao estereótipo a que nos fomos habituando de Portugal. Acontece que estas pessoas estão demasiado ocupadas a inovar e a trabalhar para terem tempo de aparecer constantemente na comunicação social. Mesmo assim, vamos tendo notícias de bons exemplos em Portugal. São as «pessoas completamente loucas» de que o Hugo Garcia já aqui falou. É muito por essas pessoas que, parece-me, passa o futuro desenvolvimento económico português, aquele que poderá aos poucos ir substituindo a crise em que vivemos (e que irá perdurar). Se lhes retirarmos barreiras e deixarmos explorar todo o seu potencial, quem sabe o nível de progresso que atingiremos?
Etiquetas:
cultura,
desenvolvimento económico,
economia,
empreendedorismo,
racionalidade,
reciprocidade
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Empreendedores e Empreendedorismo
Ia escrever um artigo sobre empreendedores e empreendedorismo. Provavelmente, ainda o escreverei. Mas este «artigo falado» de Miguel Gonçalves no Prós & Contras (ignore-se, como de costume, Fátima Campos Ferreira) diz muito, muito, muito sobre o que é ser empreendedor e sobre o empreendedorismo.
Retirem-se as barreiras públicas a que pessoas com esta mentalidade arrisquem e gerem negócios, e temos uma economia efervescente, que gera riqueza, que cresce. Deixemos de considerar os empresários como terríveis opressores capitalistas, que devem ser penalizados pela ousadia de arriscar e trepar por montanhas de burocracia.
Esta intervenção lembrou-me uma outra, no Prós & Contras sobre a chamada «geração à rasca». Estava lá um jovem empresário que disse que pagava bem aos seus colaboradores, inclusivamente pagando mais a um colaborador do que a ele próprio, tentando dar-lhes boas condições. Explicou ainda o seu sucesso: tinha tido sucesso porque tinha arriscado, porque tinha saído da sua zona de conforto.
Quando este jovem empresário sugeriu que outros que quisessem ter sucesso fizessem o mesmo, que arriscassem, saindo da sua zona de conforto, foi vaiado e apupado por certa parte da audiência. «Sai tu da tua zona de conforto» (cito de memória), ouvi atrás de mim, depois do jovem empresário ter dito precisamente que o tinha feito.
Quando uma pessoa tem um objectivo, deve procurar atingi-lo, o que significa procurar oportunidades, sem ter medo de arriscar, tentando sempre aprender com quaisquer erros que cometa. Nesta crise, continua a haver por aí empregos, continua também a haver oportunidades de negócio, mas é preciso sair da nossa zona de conforto para encontrar esses empregos ou essas oportunidades de negócio. Para as aproveitar, é preciso trabalhar.
Bem sei que há quem ache que fala pelos jovens portugueses que pareça pensar que aquilo de que todos os jovens portugueses precisam é de mais subsídios. Bem sei que há jovens portugueses que parecem achar isso mesmo. Mas depois há os jovens portugueses que, em vez de andar a clamar por mais subsídios, andam aí à procura de oportunidades, e a tentar criar oportunidades para eles próprios sem «ajuda» estatal.
Há jovens portugueses empreendedores. Muitos emigram, mas outros tantos ficam cá. Não precisam de subsídios públicos e de ser tratados como coitadinhos. Precisam mesmo é de, como disse Miguel Gonçalves, trabalhar.
Etiquetas:
desenvolvimento económico,
empreendedorismo
terça-feira, 1 de março de 2011
Uma cultura de risco
Ser empreendedor significa tomar decisões arriscadas e depois assumir responsabilidade por essas decisões: recolhem-se os benefícios, mas também as perdas. Uma cultura de empreendedorismo é uma cultura de risco. É também uma cultura de vários falhanços, até possivelmente falhanços sucessivos, para muita gente. Mas cada falhanço significa coisas a aprender para melhorar, significa a oportunidade de tentar de novo até ser bem sucedido e atingir o objectivo que se queria atingir.
Uma pessoa empreendedora vai falhar, vai cometer erros, vai fazer asneiras, mas no fim vai olhar para tudo isso e continuar a tentar. Vai também estudar e aprender, vai tomar decisões com base no seu objectivo final de longo prazo, e essas decisões podem incluir fazer alguma coisa de que não se gosta no curto prazo, para no final retirar daí benefícios de médio e de longo prazo. Não é que a pessoa não tenha medo, já que todos temos medo. A pessoa não vai é ser dominada e paralisada pelo medo.
Para sermos bem sucedidos temos de sair da nossa zona de conforto mais vezes do que gostaríamos. Temos de sair, e saímos. Não ficamos à espera que nos dêem uma oportunidade, vamos atrás delas. Vamos a todas as entrevistas para as quais formos convidados até conseguirmos entrar. No limite, tentamos criar a nossa própria oportunidade, por nós próprios. É arriscado, mas quem não arrisca não petisca.
O nosso Estado, neste momento, cria barreiras aos empreendedores. Precisamos que o Estado deixe de distribuir subsídios a empresas que não são sustentáveis. Os subsídios a empresas não sustentáveis são uma barreira à entrada de novas empresas no mercado, e são também um incentivo para que as empresas subsidiadas se encostem à sombra da bananeira com o subsídio estatal. No fim, perdemos todos, e quem quer arriscar, vai arriscar lá para fora.
Subscrever:
Mensagens (Atom)