sábado, 27 de outubro de 2012

Entrevista a André Marquet

Já conhecido aqui no Cousas Liberaes por ele próprio ser um dos membros, André Marquet é também o co-fundador da beta-i, a associação sem fins lucrativos que tem como missão inovar o empreendedorismo. Achei interessante fazer-lhe uma entrevista sobre o atual eco sistema do empreendedorismo em Portugal. O André aceitou o meu convite sem hesitações. Obrigado André!

Em Portugal em cada 1000 pessoas a falar sobre ser-se empreendedor ou a promover o empreendedorismo para aí 10 são empreendedoras, concordas?

Concordo, as estatísticas internacionais realizadas acerca da motivação para o empreendedorismo apontam para que cerca de 10% da população tenha vontade e apetência de iniciar o seu próprio negocio, mas na prática apenas cerca de 2-5% iniciam de facto uma atividade empreendedora. Diria, que em Portugal não faltam empreendedores, falta sim uma cultura de diferenciação pela inovação e pela qualidade superior, pelo superlativo, de ser o melhor do mundo, o que limita o aparecimento do chamado empreendedorismo qualificado, onde reside o maior valor acrescentado.

Em Portugal quase todos os eventos sobre empreendedorismo têm como lema "mudar o mundo" ou algo do género, conheces algum empreendedor português que tenha mudado o mundo de tal forma que o mundo tenha reparado? (Teoria do caos à parte)

Conheço alguns, embora talvez concorde que ainda não haja um Steve Jobs português, isto é um caso de um empreendedor tecnológico altamente inovador e consagrado internacionalmente, mas também a verdade é que não há muito poucos casos desses em países pequenos como o nosso e isso deriva mais da reduzida dimensão do mercado. De resto, há excelentes casos de empreendedorismo nas mais diversas áreas em Portugal. Gosto muito do caso do Prof. Epifânio da Franca, um professor do Instituto Superior Técnico, que é o atual coordenador do programa Portugal  Ventures e que criou a Chipidea, uma empresa que chegou a ser uma das maiores empresas na área dos semicondutores onde atuava, nos conversores analógico-digitais e que foi vendida à empresa MIPS por mais de 150 milhões de dólares em meados da década passada – de certa forma, este é também um caso paradigmático da nossa incapacidade de fazer as empresas crescer e ultrapassar as barreiras clássicas, e de criar multinacionais, isto é, existem muito poucos casos de novas empresas em Portugal que tenham adquirido uma dimensão significativa e que não resultem de processos de privatização de incumbentes.

Em Portugal vivemos uma fase em que sobreviver sai mais caro e é mais difícil do que já foi no passado. Achas que é pelo interesse em apresentar soluções para este problema de forma direta que o empreendedorismo mais contribuirá para o crescimento económico e desenvolvimento social do país?

Acho que esta questão tem que ser vista sobre diversos prismas, concentremo-nos no empreendedor, o mais importante neste caso é existirem condições macroeconómicas para o chamado empreendedorismo qualificado. Note-se que existem países mais pobres do que Portugal em quase todo o emprego deriva do empreendedorismo, ou o chamado autoemprego mas o valor acrescentado que é possível gerar em microempresas é sempre muito limitado e acho que essa é a primeira distinção que deve ser feita, a do empreendedorismo enquanto estilo de vida, digamos o pequeno negocio, o serviço de consultoria, do chamado empreendedorismo qualificado que requer um contexto socioeconómico muito mais complexo para emergir, porque assenta na criação de estruturas económicas mais complexas, com mais colaboradores, e que libertam rendas significativas e em em que os empreendedores necessitam de ter acesso a capital de risco dito “esperto” ou o chamado “smart money”, isto é de capitalistas que acompanhem com aporte de valor os seus investimentos, ajudando os empreendedores a crescer o negócio, através de contactos, de rede e de mentoria – é essa a beleza do capitalismo em Silicon Valley, um eco-sistema em que empreendedores e capital de risco vivem em relação simbiótica e virtuosa. Eu diria, que em Portugal esse ecossistema está a ser construído, mas ainda é muito delicado, como uma planta nos primeiros estágios de evolução, que precisa de ser regada, cuidada, para poder ter autonomia e constituir-se como um dos pilares do crescimento económico português.

Já existem empreendedores a pensar resolver este tipo de problema noutros países, como por exemplo o Behrokh Khoshnevis (http://tedxtalks.ted.com/video/TEDxOjai-Behrokh-Khoshnevis-Con), que propõe reduzir o custo de construção de habitações de forma muito significativa. Existem também em Portugal empreendedores motivados pela possibilidade de solucionar este problema, o custo da sobrevivência? (Se sim, quem são eles?) (Se não, qual é na tua opinião o motivo?)

Pessoalmente acho que soluções como a de Behrokh Khoshnevis são mais do mesmo, isto é máquinas industriais montadas nas economias modernas que são usadas para gerar de forma mais ou menos autónoma habitação para os “pobres”. Acho que este paradigma clássico de desenvolvimento, da transferência tecnológica de forma fechada no sentido dos países avançados para os menos desenvolvidos é insustentável – mesmo países relativamente modernizados como Portugal nunca conseguiram desenvolver-se de forma harmoniosa e sustentável também devido a esse pecado original, que durante os últimos anos, antes do colapso financeiro, foi alimentado por acesso ao financiamento barato nos mercados internacionais. A economia Portuguesa viveu inflacionada, e agora tem de se reencontrar com a realidade económica, e isso aconteceu sempre no passado, se olharmos para países como a Argentina e outros que passaram por estes choques de ajustamento.

Entretanto, acredito que estamos a assistir uma mudança talvez até estrutural do modelo económico em que vivemos, as populações das economias ocidentais estão mudar os hábitos de consumo, com vista à sustentabilidade dos ciclos de construção e distribuição. O novo paradigma estará assente em modelos colaborativos e abertos mais semelhantes aos propostos pelo Marcin Jakubowski com a sua proposta “Open-sourced blueprints for civilization” e isso de certa forma já é uma realidade, se pensarmos que hoje existem tutoriais para virtualmente tudo o que imaginarmos no youtube, e que plataformas como a Wikipedia quase comoditizaram a cultura geral. Mesmo as grandes organizações  serão forçadas a repensar estratégias de negócio como a chamada obsolescência controlada e a serem mais abertas e transparentes. Quando uma parte significativa da população está desempregada ou com empregos precários, iremos ter uma espécie de apartheid económico permanente com soluções para os que tem emprego, com rendimento previsíveis e os que... sobrevivem.

Por outro lado prevê-se que em países como Portugal a crise irá fazer-se sentir por uma década e isso irá favorecer uma certa “Cubanização” da economia, por exemplo a idade média do parque automóvel passará para o dobro, o que obrigará a repensar as estratégias de manutenção dos automóveis, também abrindo a oportunidade a novos modelos de negócio... Por outro lado, os consumidores mais jovens tem uma relação diferente com a propriedade, pilar do capitalismo, da geração precedente, porque são a primeira geração que terá uma qualidade de vida inferior à dos próprios pais.

O empreendedorismo é uma expressão fantástica da liberdade individual e do intelecto humano, por isso os empreendedores mais audazes e criativos serão os que tiverem a capacidade de antecipar as oportunidades resultantes das mudanças que se avizinham para conseguirem valer a sua visão e capacidade de alterar o mundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário