segunda-feira, 4 de junho de 2012

O problema subjacente - austeridade (1 de 2) - Resposta a comentário


Caros todos,
O último post que fiz ("O problema subjacente - austeridade (1 de 2)")  foi alvo de um interessante comentário de João Cardiga, que também escreve neste blog, a que achei que devia responder.

Ao escrever a resposta, reparei que o Blogger não aceitava respostas acima de um determinado número de caracteres.

Como penso que a discussão é interessante (e pelos motivos de falta de espaço acima referidos) decidi fazer um post autónomo com a resposta.

Peço desculpa por qualquer incómodo.

DHS


Antes de mais obrigado pelo seu comentário.

Respondo-lhe da seguinte maneira (a itálico execertos do comentário de João Cardiga ao meu post):

Um dos erros mais comuns nestas discussões tem sido o tentar dar uma "voz" ao mercado. Ora um mercado não tem voz e saber o que o mercado "diz" é um processo de adivinhação própria para pessoas como a Maya. O mercado não é um ser, não tem vontade. É constituido por milhares (ou milhões) de pessoas cada uma com a sua voz e com as suas intenções. A subida da taxa de juro só tem um motivo: escassez de capitais. Já essa escassez pode ter vários motivos (por exemplo a diminuição do capital motivado pela crise, maior percepção de risco, perda de confiança, etc...) mas esses são tão diversos como as pessoas/instituições que constituem o mercados

A vontade do mercado, neste caso, tem voz e chama-se taxa de juro. É esse o valor a que o conjunto dos agentes de mercado (sim, são milhares) considera como adequado para nos financiar.

Achar que as taxas de juro que nos cobram dependem apenas da mente irracional dos mercado (e que só poderiam ser previstos pela Maya) não só está errado, como é perigoso.

Significa, no fundo, que não há relação causa efeito entre o comportamento das economias (e por exemplo o nosso défice) e a acessibilidade a financiamento externo.

Será que é por acaso que os quatro países que foram intervencionados têm todos os maiores défices da zona Euro em 2010 (último ano antes do Portugal ter assinado o acordo com a troika)? Vide, sobre este tema o seguinte link.
A razão é simples: Os milhares de investidores em que consistem os mercado não emprestam dinheiro a Portugal, pois duvidam que lhes consigamos pagar. Como compensação pelo risco, aumentam a taxa de juro.

Se, como diz, existisse falta de dinheiro para comprar dívida pública todas as dívidas públicas subiriam (maior procura dos países para se financiarem do que oferta dos investidores, aumentaria a taxa de juro).

O que não acontece. Muito pelo contrário: A Alemanha já não paga a quem lhe queira emprestar dinheiro (a 2 anos)! Os investidores compram dívida pública Alemã apenas para terem o seu dinheiro seguro. Sobre este tema vide link aqui.

Não falta, por isso, dinheiro para investir em dívida pública portuguesa (até porque são montantes irrisórios a nível mundial). O que existe, isso sim, é medo de que nós não honremos as nossas dívidas.

O credor não decide como vamos gastar o dinheiro que nos empresta. Ele decide qual o dinheiro que tem disponível para nos emprestar consoante os nossos projectos. No caso da divida publica é surreal que ele decida isso. Estamos falar de instituições democráticas e organização da sociedade. Quem decide isso são os seus cidadãos e não os credores. Daí estarmos a falar de uma democracia e não de uma credocracia. E num mercado funcional também é surreal, pois temos milhares de credores
Se acha surreal que o credor decida como devemos gastar o dinheiro, digo-lhe o seguinte. A troika achou que se nos emprestasse o dinheiro sem contrapartidas estaríamos em 2013 outra vez de mão estendida a pedir mais dinheiro. Sou da mesma opinião.

Não costumo emprestar dinheiro a quem me parece que não vai pagar? Os Alemães e os Europeus também não.

Além de que é exactamente porque os países que nos emprestam dinheiro serem democracias que torna a situação mais complexa. É que nas democracias (e muito bem!) tem de se de prestar contas ao eleitorado.

Não me parece que os eleitores da Alemanha, França etc.. gostem de nos emprestar dinheiro. Duvido que a maioria dos portugueses gostavasse que o nosso governo emprestasse dinheiro a países em dificuldades, como a Grécia, sobretudo quando eles têm mais regalias sociais do que os próprios portugueses.
A partir do momento em que pedimos ajuda e subscrevemos o programa da troika perdemos, de facto, grande parte da nossa independência, penso que isso é claro.

Não havia, no entanto, qualquer outra via a não ser a do incumprimento e consequente saída do Euro e falência do país.

Podemos, no entanto, optar por não cumprir o programa. A Grécia prepara-se para o fazer.
Aliás, o caso mais próximo talvez seja o da Argentina. Vide aqui a breve cronologia da Wikipedia sobre o assunto

Este cenário deve, na minha opinião, ser evitado, custe o que custar, sob pena de cairmos num estado económico e social de absoluto caos, semelhante ao que aconteceu na Argentina e se prepara para acontecer na Grécia, e onde seriam muitíssimo agravadas as dificuldade por que passam os portugueses...

 Isto são personificações sem sentido. A austeridade não nos prepara em nada. Independente da "austeridade", se nós não tomarmos medidas de aumento de competitividade então não existe austeridade que nos valha. Por outro lado, o mercado não aloca riqueza por mérito ou talento. A distribuição de riqueza numa sociedade com um mercado livre é feita, entre outras, pelas suas trocas comercias. Não existe nada que garante que seja a pessoa com mais talento ou mérito a receber essa riqueza. Aliás ainda vivemos numa sociedade é que um dos maiores talentos para se ter riqueza é ter nascido na familia certa ;)

Parece-me é que falar, sem mais,  de aumento de competitividade é que é uma "personificação sem sentido". Diga-se, aliás, que não vi ninguém em Portugal ou no estrangeiro referir, em concreto, que medidas serão essas, quem as paga e a quem aproveitam.

Por outro lado, se acha que o mercado não aloca a distribuição de riqueza então deduzo que quando vai ao supermercado se esforce por comprar os piores produtos. É que os melhores produtos, os que toda a gente procura comprar (porque são os com melhor relação qualidade/preço, por exemplo), criam riqueza para esta ou aquela empresa que os desenvolveu e para quem lá trabalha.

Se não se achar que o mérito existe e que o mercado o recompensa então porque é que vale a pena, por exemplo, uma pessoa ser bom aluno ou ser bom na sua profissão?

Respondo-lhe com este link

Não me parece que algumas dessas pessoas, que não vieram todas, com certeza, de famílias abastadas, concordem com a sua afirmação, sendo que muitas ou todas estudaram, em alguma altura da sua vida em Portugal.

Por outro lado, quer no estrangeiro, quer em Portugal existem bolsas de estudo para bons alunos.

Sobre nascer em famílias “certas” concordo, mas e não é assim em qualquer país do mundo?

Bem eu diria que num estado fraco é que existe corrupção e que as pessoas não são livres. Confunde-se muitas vezes "estado poderoso" com "estado grande". Eu quero um estado com poderes, e que seja poderoso nesses poderes. É vital para a liberdade do individuo. E não é preciso ir muito longe: imagine o que seria um estado sem poderes efectivos judiciais.

Concordo com o que diz, não me expliquei, de facto, bem.

Eu quero um estado que não intervenha em todos os passos da minha vida. Que não me cobre impostos sobre tudo o que faça (impostos que se multiplicam: IVA, IRS, IRC, IMT, selo, ISP, IA, mais milhentas taxas municipais, etc…) e que não regulamente todos os aspectos da vida

Sobretudo no caso das empresas chegou-se a um ponto absurdo (muito também por culpa de imensa legislação europeia).

É hoje impossível a uma empresa cumprir todos os requisitos a que a lei obriga. Uns porque nem sabe que existem, outros porque são demasiado onerosos.

Por outro lado, quanto mais regulação mais arbitrariedade existe na aplicação dessa regulação. Por exemplo, quem decide quem é multado e quem não é?

Em suma, o estado que defendo é um estado minimalista e sustentável, com muito menos regulação, que que assegure a segurança, justiça, saúde e educação para todos e pouco mais, excepto em situações excepcionais, cobrando impostos que nos tornem competitivos a nível europeu.

A culpa não serve para nada (e tem o hábito de morrer solteira). Importante é apurar os responsáveis, e é isso que tem estado ausente deste debate e desta crise. Por outro lado, não estamos numa situação de deixar ver de quem é a responsabilidade

É importante apurar quem foi responsável pela situação do país. E espero que o Ministério Público esteja a tratar disso.

No entanto discordo que estejamos numa posição em que não vejamos de quem é a responsabilidade: Foi da responsabilidade de Sócrates (e seu governo) e de Alberto João Jardim (em escala menor). Foi o próprio Sócrates que o disse aqui.

Socrates acha que foi dinheiro bem gasto, mas a mim parece-me que não (entre o BPN: Parque Escolar, PPP´s e outros de que vamos tomando conhecimento todos os dias). Não vejo como sejam investimentos que produzam riqueza para o país, mas tal juízo deve ser feitos nos tribunais.

É que atirar dinheiro descoordenadamente para a economia num momento de crise não acaba com a crise, mas acaba com o dinheiro…

Não é que outros governos não tenham aumentado continuamente a dívida pública. Todos aumentaram, mas parece-me que nenhum a aumentou tanto, em tão pouco tempo, e com tão pouca reprecussão na economia como Sócrates.

Considero, no entanto que mais importante, é sair da situação em que estamos  e recuperar a nossa independência, tendo aprendido a lição de que se gastarmos mais do que temos estaremos seguramente na mesma situação daqui a 5-10 anos.

e) "Parece-me, com alguma segurança, poder adiantar o seguinte: Não há [alternativa à austeridade]."

Bem isto é uma brutal limitação da liberdade do individuo e da imaginação humana. Parto do pressuposto que "austeridade" está a ser utilizado como o conjunto de medidas que estão a ser aplicadas. E como é obvio existem diversas alternativas à mesma. O importante não é excluir soluções da mesa mas sim verificar os pontos fortes e fracos de cada uma delas.

Referia-me apenas ao facto de que não há alternativa ao programa da troika. Ressalvados os objectivos do programa cabe ao governo e oposição negociarem como bem entenderem, e legislar da forma que lhes aprouver.

Aliás nem podia ser de outro modo. O plano da troika não tem força de lei, nem acautela com minúcia uma série de pontos que cabe ao legislador interno densificar.

f) "Queríamos ter o que os países desenvolvidos têm (saúde, educação, justiça, segurança) mas com uma economia frágil, dependente do estado, assente em excessivos direitos sociais e totalmente distanciada do mundo competitivo que existe além fronteiras."

mmmm parece-me que esses "excessivos direitos sociais" são a base do mundo desenvolvido, no qual, diga-se de passagem, Portugal pertence dado os nossos indicadores.

Se é verdade que são os direitos sociais que são a base do mundo desenvolvido, também é verdade que são as economias sólidas as únicas onde é possível existirem os direitos sociais a que estamos habituados.

Ora, nós não somos uma economia sólida.

De facto, nós “ainda” somos um país desenvolvido. Segundo o índice de IDH publicado pela ONU em 2011 (vide link aqui ), Portugal consta em 41 lugar. Fomos ultrapassados pela Hungria, Polónia e Lituânia. Logo atrás de nós constam o Bharein, a Letónia e o Chile.

8 comentários:

  1. Sousa, tenho saudades das nossas conversas no Old Vic, lá isso tenho... Uma série de pontos válidos e muito assertivos. Muito bem. Forte abraço

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    1. Grande André,

      Também tenho saudades. Temos, de facto de lá voltar.

      Um grande abraço

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  2. Carissimo Duarte,
    Quanto à forma, faz todo o sentido responder assim. O que é estranho é como é que o João não deua resposta dele também assim e não em comentário.
    Está visto que temos que organizar uma jantarada para ganharmos mais coesão e estarmos á vontade, com polémicas e sempre com fair-play.
    Quanto ao conteúdo, a culpa de facto não serve para nada. Mas existem vários níveis de responsabilidade. A política, foi julgada, nas eleições, agora se existe responsabilidade criminal pelo dano causado ao erário público tem que ser apurada.
    Aliás torna-se cada vaz mais insustentável ser democrata, numa democracia destas em que os políticos, estão imunes à Lei.

    PS 1: já não vou ao Old Vic há anos.

    PS 2: Que inveja do correr da pena do Duarte.

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    1. Digo sim a uma jantarada!!

      Concordo com o que dizes quanto à responsabilizacao dos políticos(ou aliás a falta dela. Só enfraquece a nossa democracia o actual estado das coisas.

      PS1 - Existe uma regra que diz: Nao se fala do Old Vic. A segunda regra é: Nao se fala do Old Vic.A terceira regra é: a razao porque nao se fala do Old Vic é porque é um dos maiores segredos de Lisboa!! Temos de lá ir todos!

      PS2 - Infelizmente a pena correu demais. Se tivesse tido mais tempo (e jeito) tinha escrito menos e dito mais!!

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  3. Viva

    Epá a razão foi simples: como estou a dar uma volta ao mundo não tenho a certeza de conseguir responder com a regularidade e atenção que estes debates devem ter (E Duarte parabéns pelo artigo, assim que tiver um tempo espero responder. Já agora o que acham melhor: fazê-lo aqui ou em artigo?)

    Um abraço
    João

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    1. Agora estou fora do país até dia 18. Até essa data também duvido que consiga escrever alguma coisa...

      De qualquer forma obrigado pele interesse e continuação de boa viagem!

      Também acho que devias responder em artigo!!

      Um abraço,

      Duarte

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    2. Obrigado :) Segui o conselho e já respondi :)

      Boa viagem

      Um abraço
      João

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