Nas últimas semanas, a agenda mediática e, em certa medida, o debate político foram dominados por uma série de "casos" que surgiram em torno da figura do ministro Miguel Relvas.
Sendo certo que nominalmente ou, pelo menos, pela ordem cronológica que nos foi sendo apresentada, a centelha que despoletou toda esta comoção foi a malfadada "queixa" da jornalista do Público, acaba por ser difícil, ainda assim, de compreender porque é que de repente, num primeiro plano, o perfil ético do ministro Relvas e num segundo, mas sobretudo porque associado ao primeiro, as "secretas", passaram a constituir a temática mais premente do debate público. Não é só um "tema quente" passageiro: envolveu debates específicos sobre o tema na televisão, explicações na AR, biliões de editoriais, artigos de opinião, entradas em blogs, comentários no Facebook, conversas de taxistas, virgens ofendidas, comadres zangadas, canções pythonescas, e por aí fora.
Como o João insistentemente, e bem, sustenta em muitos dos seus artigos aqui no Cousas, há muitas questões fundamentais que não têm sido, não estão a ser, nem parecem vir a ser tão cedo abordadas no debate público.
Uma parte da explicação para esse fenómeno estará com certeza associada aos mistérios do agenda setting. O que determina os temas debatidos no debate público? A agenda política, ou as intervenções públicas feitas no contexto de instituições políticas (num sentido lato - Governo, AR, partidos, TdC, Autoridade(s), etc.), são simplesmente veiculadas pelos media? Os media conferem pesos diferentes aos temas e introduzem outros novos, levando a agenda política num ou noutro sentido conforme lhes aprouver? Porquê? A procura das populi por determinadas temáticas é que conduz os media, que por sua vez conduzem o debate político? Ou ao contrário? Os clientes de publicidade têm influência na determinação dos temas abordados pela imprensa? Os temas veiculados pelos media são-no com os mesmos pesos relativos que são debatidos na prática política? Se não são, poderá implicar isso um efeito de feedback?
Vou resistir à tentação de atacar as teorias da conspiração do costume que, claro, também têm a sua solução holística e perfeita para este problema. Direi apenas que me parece que qualquer abordagem intelectualmente honesta dificilmente exclui qualquer pergunta deste tipo com um rotundo "Não, nada disso". A única coisa que parece certa é que a agenda é marcada por uma dinâmica altamente complexa, em que media, opinion makers, política e consumidores de informação se influenciam mutuamente.
O problema é que os equilíbrios que esta dinâmica produz parecem muitas vezes configurar situações altamente ineficientes do ponto de vista da sociedade. A questão "Relvas" é um exemplo, mas hoje deparei-me com um ainda mais espectacular.
Hoje pelas 21h30, isto é, no horário mais "prime" de que os canais noticiosos do "cabo" dispõem - a hora a seguir aos telejornais dos generalistas - os três principais canais de notícias transmitiam programas dedicados ao UEFA EURO. Sobre tudo e sobre nada - banalidades sobre jogadores das várias equipas, os mesmos comentários dos últimos dias pelos mesmos comentadores, status updates sobre a equipa técnica nacional, respostas a respostas a respostas a opiniões de figuras semi-públicas. Gosto muito de futebol e como tal, consumo regularmente jogos, análises e outras peças sobre futebol. Não acredito que ninguém que alguém que goste de futebol visse naquelas peças alguma coisa de pertinente sobre futebol. Ora, logicamente, alguém que não goste de futebol não veria nada de pertinente nas peças mesmo se fossem de facto sobre futebol. O que conduz a uma conclusão desanimadora: praticamente ninguém estava a ver aqueles canais com interesse. O que significa que os recursos gastos em directos para filmar o Ronaldo a sair da casa de banho ou para estabelecer ligação com o Carlos Queiroz algures no Médio Oriente não serviram, essencialmente, ninguém. Não questiono a capacidade e vontade dos produtores de televisão em conduzir operações rentáveis, pelo que certamente a audiência destes programas sendo bastante baixa não será nula, mas também acho que não exagero ao pensar que o custo que tendemos a associar ao tempo que despendemos a ver televisão é usualmente subestimado.
Ou seja: talvez, se nos colocássemos por detrás de uma espécie de "véu da ignorância", nos julgássemos colectivamente doidos pela esterilidade da nossa agenda de debate público. Sem tecer considerações normativas ou mesmo moralistas sobre os méritos das temáticas: se todos quiséssemos falar sobre as unhas do Ronaldo o dia todo, não haveria razão per se para não o fazermos. No entanto, não querendo, falamos, e como é impossível colocarmo-nos realmente por detrás do "véu", estamos à mercê de nós próprios, apanhados nesta estranha dinâmica.
Urge, pois, reconhecer a complexidade desta questão, bem como a sua dupla importância. É que para além de estarmos a perder tempo com questões que at the end of the day, não interessam a ninguém nem no curto prazo, devemos lembrar-nos que o agenda setting ao determinar a temática do debate público determina em grande medida aquilo que nos ocupa a mente num determinado momento.
(editado)
Parabéns pelo artigo!!!
ResponderEliminarGostaria no entanto de acrescentar que, na m/ sábia de tão velha e farta, opinião, tudo se resume mesmo ao FUTEBOL (como poderia ser outro anabolizante colectivo, desde q gratuito, qualquer)! Hoje, plena 2ª década séc. XXI, ou ontem, pode ser '59, 1ªs emissões televisivas em Portugal, amanhã, mesmo não sendo "bruxa"... eis o FUTEBOL!!!!!!!!! É "fácil", é "barato" e "dá milhões".
Aproveito p/ desejar os maiores sucessos ao Blog e Bloggers!
Na Mouche! O info-entretenimento tem mais do que se lhe diga:)
ResponderEliminarA "Emoção" e a Paixão está sempre neste blogue!
ResponderEliminarObrigado pelos votos de sucesso.
Esta brincadeira começa cada vez a tornar-se mais séria:)