Viva
Este artigo aparece como resposta ao
“debate” que se iniciou com o artigo do Duarte (e que recomendo a
leitura) cujo o propósito era o de fazer uma “reflexão simples
sobre as duas crises económicas que se abatem sobre o país” em
dois artigos. O meu comentário (que o Duarte respondeu de forma
excelente aqui) apareceu nesse contexto e prendia-se mais com a forma
como é encarado o mercado e a leitura das soluções actuais
possíveis.
Agradeço a paciência e trabalho do
Duarte em me responder e me “aturar” neste debate.
Antes de começar, gostava de
esclarecer que a minha maior divergência se prende com a forma como
o mercado ou a austeridade foram tratados, do que com o conteudo em
si. Na minha opinião, um dos grande motivos pelo qual medidas
populistas têm tido tanto aumento é precisamente porque se
simplificou em demasia o funcionamento de um mercado.
Hoje temos uma conjunto de analistas e
comentadores (e estou a excluir deste grupo o Duarte) que tece
opinião sobre as quais não tem base. Nesse sentido é que a minha
critica da “voz” do mercado aparece. O mercado não é uma pessoa
para ter “voz”. Se olharmos para a retórica do Bloco de
Esquerda, por exemplo, eles cometem esse erro, ao transformar os
mercados como “bad guy”. Ora eu acho que apenas transformar o
mercado em “good guy” (ou simplesmente “guy”) não apaga o
erro, apenas o reforça.
Por outro lado - e parece que as
pessoas continuam a esquecer - o mercado é, em ultima análise, um
espaço de pessoas. E essas não funcionam de forma mecânica. Quando
falamos de mercado (ou em economia) estamos sempre a falar em algo
comportamental e não em algo mecânico. Ou seja, apesar de podermos
tentar prever, tal previsão tem sempre um grau de imprevisibilidade
relacionado com o factor humano.
Dito isto, passo a responder aos vários
pontos levantados (um por cada comentário meu respondido):
1 – Gostava de esclarecer que não
acho que “as taxas de juro
que nos cobram dependem apenas da mente irracional dos mercado”.
O primeiro motivo é obvio: eu não sou da opinião que o mercado
tenha uma “mente”. E apesar de considerar que por vezes os
actores do mercado podem agir de forma irracional e outras de forma
irrefletida, a maioria das decisões são ponderadas e racionais
(apesar de poderem ser incorretas).
Por
outro lado - e aqui julgo que temos opiniões divergentes - não
considero que a taxa de juro seja a voz do mercado. A taxa de juro é
o preço daquele mercado e como tal é o ponto de equilibrio entre o
lado da oferta e da procura, nada mais que isso (claro com tudo o que
“isso” significa). Se quisermos simplificar eu iria apenas ao
ponto de dizer que a “vontade do mercado” é fazer um bom
negócio. Mas temos de ter atenção que a noção de “bom negócio”
é variável de agente para agente.
Com
o exagero da Maya queria dizer que para sabermos a “opinião” do
mercado teriamos de falar com todos os agentes no mercado e saber
qual a sua noção de bom negócio e quais os motivos que os levam a
agir dessa forma. Isso é impossível. O que se pode fazer é tentar
compreender quais serão os motivos principais de determinado
movimento em determinado mercado.
Ou
seja, considero que existe uma relação forte entre o comportamento
da economia e a acessibilidade a financiamento externo. Mas tal não
significa que garantidamente teremos financiamento caso controlemos
o deficit. É que nesta temática as coisas não funcionam como no
mundo da física ou como se de uma máquina se tratasse. Não
carregamos num botão e o output vai ser o calculado. Julgo que a
análise actual entre o desempenho do deficit e o acesso ao
financiamento está a ser sobrevalorizada. Existem outros motivos –
como a estrutura institucional do euro e desempenho da economia
mundial – que explicam este aumento de risco, e que não estão a
ser valorizados.
Gostaria de pedir desculpa por não ter
sido claro quando mencionei a “escassez de capital”. Deveria ter
escrito “escassez de capital no mercado de divida publica
portuguesa para determinado preço”. Simplesmente os agentes
deixaram de comprar divida publica portuguesa a determinado nível de
preço. O motivo pelo qual isso aconteceu é diverso.
Concordo que um motivo é maiores
dúvidas que Portugal possa pagar (sendo que o motivo passa pelo
desempenho do Estado Português e também pelo desempenho da economia
mundial). Mas não é o único. Por exemplo - desde o momento em que
o rating foi diminuido - muitas casas de investimento ficaram
proibidas de investir no mercado de divida pública portuguesa (mesmo
que na opinião desses agentes o nível de risco não tenha
aumentado).
Numa situação limite, esta acção
poderia ser motivo para o aumento de taxa de juro em Portugal e a
diminuição da taxa de juro na Alemanha (o que não parece ser de
todo o caso).
Se este motivo que apresentei é ou não
negligenciável é algo que não sei. A minha opinião é mais
simples. Eu considero que apresentar apenas um motivo para explicar
uma realidade complexa (como o comportamento do mercado de divida
pública) é um erro. Um que tem tido como consequência o aumento da
aceitação de uma retórica populista.
2 – A troika não é o mercado. Ou
melhor, passou a ser um caso especial de mercado. Neste caso passámos
a ter apenas um interveniente. Não me referia a essa situação. No
entanto julgo que foi um erro o acordo tal como foi feito. Se é
legítimo que o credor possa exigir que não haja desperdício de
dinheiro antes da sua dívida ser paga, já não considero legitimo a
existência de decisões politicas no acordo.
Digo isto concordando politicamente com
muitas das medidas que estão naquele acordo. No entanto deveriam ter
sido defendidas per si e não com o acordo. Aquelas medidas são boas
independente de estarmos em falência ou da necessidade de acordo.
Infelizmente há décadas que não temos politicos fortes - e os
fracos precisam sempre de uma desculpa externa para justificar
medidas fortes (antes da troika era o Pacto de Estabilidade, União
Europeia, etc...). No caso do acordo da Troika, isto é a minha
leitura daquele documento. Ele existe daquela forma mais por
interesse do devedor, do que do interesse do credor.
E para mim, esse acordo nem é a
solução para o problema da dívida portuguesa. Na minha opinião,
mesmo com o cumprimento da Troika iremos estar fora do mercado. Tenho
sérias dúvidas que enquanto a Instituição do Euro não mudar,
exista uma redução considerável do nível de juro.
Aliás, o cenário de incumprimento do
acordo (nas metas estabelecidas e não nas politicas) e o encontrar
de soluções alternativas começa a ser o cenário mais previsível.
3 – Quando mencionei “personificação”
referia-me à figura de estilo. Quando se diz que o mercado tem uma
voz ou que diz algo estamos a personificar. Da mesma forma,
afirmar-se que a austeridade nos prepara, julgo que também é uma
personificação (está a dar-se uma imagem de professor ou
preparador psicológico). Julgo que “falar,
sem mais, de aumento de competitividade”
não seja a figura de estilo personificação. Será apenas uma frase
sem fundamento. O motivo pelo qual não dei nenhum exemplo de medidas
concretas é porque me estava a referir às medidas que estão no
acordo da Troika e que considero que são medidas que irão aumentar
a competitividade.
Por outro lado eu não disse que “o
mercado não aloca a distribuição de riqueza”
mas sim que não o faz com base no mérito ou talento. Para ser mais
correto diria que não o faz “apenas” com essa base e que muitas
vezes (senão mesmo a maioria) as decisões não são feitas “porque
são os [produtos] com melhor relação qualidade/preço”.
O placement do produto é
talvez tão ou mais importante que essa relação. A “capa” do
produto é outro factor com muito peso. Por vezes o maior “talento”
ou “mérito” que determinado produto tem é o de ter dinheiro
para apresentar uma cara bonita, ou uma cara popular nos seus
anúncios.
“Se
não se achar que o mérito existe e que o mercado o recompensa então
porque é que vale a pena, por exemplo, uma pessoa ser bom aluno ou
ser bom na sua profissão?”
Pois,
muitas pessoas acabam por fazer essa pergunta quando, apesar de serem
bons alunos ou bons na sua profissão, não conseguem ter o sucesso
de, por exemplo, Paulo de Azevedo (um dos nomes no link). É um
exemplo perfeito para o que referia. É que não coloco de parte que
oele seja bom. No entanto, o que questiono é se ele estaria naquela
posição se tivesse nascido numa familia pobre. Mais, se fizer uma
análise do background das pessoas referidas, tenho sérias dúvidas
que a maioria (se não todos) não tenham vindo de pelo menos a
classe média alta. Aliás, um dos maiores “méritos” para se
chegar a conselho de administração de uma grande empresa em
Portugal é o percurso politico. Outro é o das familias. A qualidade
é também um elemento, mas não é o diferenciador.
3 – Neste ponto gostaria de referir
que concordo com a visão de Estado que também é a minha (talvez
apenas com a diferença da Segurança Social, mas este ponto seria
uma discussão totalmente diferente e longa).
4 – Neste ponto expressei-me mal e
concordo.
5 – Nada a referir.
6 - Pois. Também concordo que não é
a melhor. No entanto julgo que a nossa situação está longe de
justificar por exemplo a diminuição dos feriados, a alteração das
regras do subsidio de desemprego ou o aumento das taxas moderadoras,
etc... E longíssimo de justificar o fim do Estado Social.
João adoro a vossa polémica!
ResponderEliminarDe um ponto de vista ordoliberal,o mercado, esse aperto-de-mão invisível!
Adoro o Paulo Azevedo é um tipo com talento, a forma como o Pai o colocou no lugar, na minha opinião se calhar um pouco cedo demias para o que o "mercado" estava á espera é que dá alguma sombra à nomeação.
Quanto ao resto nem me meto senão nunca mais saiamos daqui:)
PS: João/Duarte, falo por mim, é complicado manter a atenção, é um texto longo que faz referência a um texto longo com muitos pontos.
Dividir a resposta em partes podia ser uma ideias, por vários posts em diferentes dias.
Abraço