segunda-feira, 11 de junho de 2012

Resposta a Duarte Halbritter de Sousa (...ou como o mercado não é uma pessoa ou uma máquina)

Viva
Este artigo aparece como resposta ao “debate” que se iniciou com o artigo do Duarte (e que recomendo a leitura) cujo o propósito era o de fazer uma “reflexão simples sobre as duas crises económicas que se abatem sobre o país” em dois artigos. O meu comentário (que o Duarte respondeu de forma excelente aqui) apareceu nesse contexto e prendia-se mais com a forma como é encarado o mercado e a leitura das soluções actuais possíveis.
Agradeço a paciência e trabalho do Duarte em me responder e me “aturar” neste debate.
Antes de começar, gostava de esclarecer que a minha maior divergência se prende com a forma como o mercado ou a austeridade foram tratados, do que com o conteudo em si. Na minha opinião, um dos grande motivos pelo qual medidas populistas têm tido tanto aumento é precisamente porque se simplificou em demasia o funcionamento de um mercado.
Hoje temos uma conjunto de analistas e comentadores (e estou a excluir deste grupo o Duarte) que tece opinião sobre as quais não tem base. Nesse sentido é que a minha critica da “voz” do mercado aparece. O mercado não é uma pessoa para ter “voz”. Se olharmos para a retórica do Bloco de Esquerda, por exemplo, eles cometem esse erro, ao transformar os mercados como “bad guy”. Ora eu acho que apenas transformar o mercado em “good guy” (ou simplesmente “guy”) não apaga o erro, apenas o reforça.
Por outro lado - e parece que as pessoas continuam a esquecer - o mercado é, em ultima análise, um espaço de pessoas. E essas não funcionam de forma mecânica. Quando falamos de mercado (ou em economia) estamos sempre a falar em algo comportamental e não em algo mecânico. Ou seja, apesar de podermos tentar prever, tal previsão tem sempre um grau de imprevisibilidade relacionado com o factor humano.
Dito isto, passo a responder aos vários pontos levantados (um por cada comentário meu respondido):
1 – Gostava de esclarecer que não acho que “as taxas de juro que nos cobram dependem apenas da mente irracional dos mercado”. O primeiro motivo é obvio: eu não sou da opinião que o mercado tenha uma “mente”. E apesar de considerar que por vezes os actores do mercado podem agir de forma irracional e outras de forma irrefletida, a maioria das decisões são ponderadas e racionais (apesar de poderem ser incorretas).
Por outro lado - e aqui julgo que temos opiniões divergentes - não considero que a taxa de juro seja a voz do mercado. A taxa de juro é o preço daquele mercado e como tal é o ponto de equilibrio entre o lado da oferta e da procura, nada mais que isso (claro com tudo o que “isso” significa). Se quisermos simplificar eu iria apenas ao ponto de dizer que a “vontade do mercado” é fazer um bom negócio. Mas temos de ter atenção que a noção de “bom negócio” é variável de agente para agente.
Com o exagero da Maya queria dizer que para sabermos a “opinião” do mercado teriamos de falar com todos os agentes no mercado e saber qual a sua noção de bom negócio e quais os motivos que os levam a agir dessa forma. Isso é impossível. O que se pode fazer é tentar compreender quais serão os motivos principais de determinado movimento em determinado mercado.
Ou seja, considero que existe uma relação forte entre o comportamento da economia e a acessibilidade a financiamento externo. Mas tal não significa que garantidamente teremos financiamento caso controlemos o deficit. É que nesta temática as coisas não funcionam como no mundo da física ou como se de uma máquina se tratasse. Não carregamos num botão e o output vai ser o calculado. Julgo que a análise actual entre o desempenho do deficit e o acesso ao financiamento está a ser sobrevalorizada. Existem outros motivos – como a estrutura institucional do euro e desempenho da economia mundial – que explicam este aumento de risco, e que não estão a ser valorizados.
Gostaria de pedir desculpa por não ter sido claro quando mencionei a “escassez de capital”. Deveria ter escrito “escassez de capital no mercado de divida publica portuguesa para determinado preço”. Simplesmente os agentes deixaram de comprar divida publica portuguesa a determinado nível de preço. O motivo pelo qual isso aconteceu é diverso.
Concordo que um motivo é maiores dúvidas que Portugal possa pagar (sendo que o motivo passa pelo desempenho do Estado Português e também pelo desempenho da economia mundial). Mas não é o único. Por exemplo - desde o momento em que o rating foi diminuido - muitas casas de investimento ficaram proibidas de investir no mercado de divida pública portuguesa (mesmo que na opinião desses agentes o nível de risco não tenha aumentado).
Numa situação limite, esta acção poderia ser motivo para o aumento de taxa de juro em Portugal e a diminuição da taxa de juro na Alemanha (o que não parece ser de todo o caso).
Se este motivo que apresentei é ou não negligenciável é algo que não sei. A minha opinião é mais simples. Eu considero que apresentar apenas um motivo para explicar uma realidade complexa (como o comportamento do mercado de divida pública) é um erro. Um que tem tido como consequência o aumento da aceitação de uma retórica populista.
2 – A troika não é o mercado. Ou melhor, passou a ser um caso especial de mercado. Neste caso passámos a ter apenas um interveniente. Não me referia a essa situação. No entanto julgo que foi um erro o acordo tal como foi feito. Se é legítimo que o credor possa exigir que não haja desperdício de dinheiro antes da sua dívida ser paga, já não considero legitimo a existência de decisões politicas no acordo.
Digo isto concordando politicamente com muitas das medidas que estão naquele acordo. No entanto deveriam ter sido defendidas per si e não com o acordo. Aquelas medidas são boas independente de estarmos em falência ou da necessidade de acordo. Infelizmente há décadas que não temos politicos fortes - e os fracos precisam sempre de uma desculpa externa para justificar medidas fortes (antes da troika era o Pacto de Estabilidade, União Europeia, etc...). No caso do acordo da Troika, isto é a minha leitura daquele documento. Ele existe daquela forma mais por interesse do devedor, do que do interesse do credor.
E para mim, esse acordo nem é a solução para o problema da dívida portuguesa. Na minha opinião, mesmo com o cumprimento da Troika iremos estar fora do mercado. Tenho sérias dúvidas que enquanto a Instituição do Euro não mudar, exista uma redução considerável do nível de juro.
Aliás, o cenário de incumprimento do acordo (nas metas estabelecidas e não nas politicas) e o encontrar de soluções alternativas começa a ser o cenário mais previsível.
3 – Quando mencionei “personificação” referia-me à figura de estilo. Quando se diz que o mercado tem uma voz ou que diz algo estamos a personificar. Da mesma forma, afirmar-se que a austeridade nos prepara, julgo que também é uma personificação (está a dar-se uma imagem de professor ou preparador psicológico). Julgo que “falar, sem mais, de aumento de competitividade não seja a figura de estilo personificação. Será apenas uma frase sem fundamento. O motivo pelo qual não dei nenhum exemplo de medidas concretas é porque me estava a referir às medidas que estão no acordo da Troika e que considero que são medidas que irão aumentar a competitividade.
Por outro lado eu não disse que “o mercado não aloca a distribuição de riqueza” mas sim que não o faz com base no mérito ou talento. Para ser mais correto diria que não o faz “apenas” com essa base e que muitas vezes (senão mesmo a maioria) as decisões não são feitas “porque são os [produtos] com melhor relação qualidade/preço”. O placement do produto é talvez tão ou mais importante que essa relação. A “capa” do produto é outro factor com muito peso. Por vezes o maior “talento” ou “mérito” que determinado produto tem é o de ter dinheiro para apresentar uma cara bonita, ou uma cara popular nos seus anúncios.
Se não se achar que o mérito existe e que o mercado o recompensa então porque é que vale a pena, por exemplo, uma pessoa ser bom aluno ou ser bom na sua profissão?
Pois, muitas pessoas acabam por fazer essa pergunta quando, apesar de serem bons alunos ou bons na sua profissão, não conseguem ter o sucesso de, por exemplo, Paulo de Azevedo (um dos nomes no link). É um exemplo perfeito para o que referia. É que não coloco de parte que oele seja bom. No entanto, o que questiono é se ele estaria naquela posição se tivesse nascido numa familia pobre. Mais, se fizer uma análise do background das pessoas referidas, tenho sérias dúvidas que a maioria (se não todos) não tenham vindo de pelo menos a classe média alta. Aliás, um dos maiores “méritos” para se chegar a conselho de administração de uma grande empresa em Portugal é o percurso politico. Outro é o das familias. A qualidade é também um elemento, mas não é o diferenciador.
3 – Neste ponto gostaria de referir que concordo com a visão de Estado que também é a minha (talvez apenas com a diferença da Segurança Social, mas este ponto seria uma discussão totalmente diferente e longa).
4 – Neste ponto expressei-me mal e concordo.
5 – Nada a referir.
6 - Pois. Também concordo que não é a melhor. No entanto julgo que a nossa situação está longe de justificar por exemplo a diminuição dos feriados, a alteração das regras do subsidio de desemprego ou o aumento das taxas moderadoras, etc... E longíssimo de justificar o fim do Estado Social.

1 comentário:

  1. João adoro a vossa polémica!
    De um ponto de vista ordoliberal,o mercado, esse aperto-de-mão invisível!
    Adoro o Paulo Azevedo é um tipo com talento, a forma como o Pai o colocou no lugar, na minha opinião se calhar um pouco cedo demias para o que o "mercado" estava á espera é que dá alguma sombra à nomeação.
    Quanto ao resto nem me meto senão nunca mais saiamos daqui:)
    PS: João/Duarte, falo por mim, é complicado manter a atenção, é um texto longo que faz referência a um texto longo com muitos pontos.
    Dividir a resposta em partes podia ser uma ideias, por vários posts em diferentes dias.
    Abraço

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