sexta-feira, 15 de junho de 2012

Ideologia, Legitimidade e o Regime


Uma das questões que mais se ouve aquando de qualquer discussão sobre a China contemporânea é a da natureza do regime. Será comunismo ou capitalismo, capitalismo de estado, socialismo, socialismo com características chinesas e por aí fora. Os rótulos são incontáveis e provavelmente irrelevantes. A questão essencial a meu ver está ligada aos mecanismos de sustentação e reforço da legitimidade do regime.
Segundo os ditames do Marxismo-Leninismo, a prática Marxista na Rússia às mãos de Lenine e uma das bases ideológicas do Partido Comunista Chinês (PCC), a revolução é liderada por um partido de vanguarda num regime de ditadura do proletariado. O estado recorre a instrumentos como a abolição da propriedade privada dos meios de produção e uma economia planificada. Estes elementos estão ainda, de uma forma ou de outra, presentes no ordenamento político chinês. O partido de vanguarda é o PCC, cuja legitimidade na liderança da revolução ainda em curso não está sujeita a qualquer espécie de escrutínio. A abolição da propriedade privada dos meios de produção, não sendo total, expressa-se nos vários conglomerados nas mãos do estado, especialmente em sectores considerados estratégicos. As julgar pelos valores nesta peça, as dez maiores empresas chinesas em termos de receita são todas estatais ou estão sob controlo maioritário estatal e as 20 maiores empresas estatais corresponderão a cerca de 50% do PIB chinês. Por último, os planos quinquenais são a principal expressão da economia planificada, que apesar de não estar sujeita a uma microgestão soviética, mantém um fio condutor, como as já mencionadas empresas estatais e por exemplo os enormes programas de obras públicas e o estabelecimento de estalões tecnológicos para a computação ou telecomunicações.
Para além desta apreciação superficial convém analisar também qual a moldura ideológica a que o partido recorre para justificar a sua acção. Aqui teremos de distinguir entre dois tipo de ideologia, a prática e a fundamental, essencialmente os meios e os fins. Um dos desafios aos quais os estados do antigo bloco de leste não conseguiram responder foi o da modernização, com todos os seus efeitos secundários indesejados. Isto porque aqueles regimes foram incapazes de compatibilizar os seus objectivos finais, a utopia comunista, com a realidade concreta da modernização. Pelo contrário, a elite Chinesa, sem nunca abdicar do seu objectivo final, estabeleceu a modernização e o seu corolário, o desenvolvimento económico, como apenas um passo no caminho para o comunismo. Assim, aquilo que ditou pelo menos em parte o fim do comunismo no leste europeu, tornou-se agora um enorme reforço da aceitação por parte da população chinesa da permanência no poder por parte do PCC. Só o partido pode liderar este processo de modernização e desenvolvimento que a manter-se aos ritmos actuais manterá os líderes chineses firmemente no poder. Trata-se contudo de uma espada de dois gumes, pois no dia em que a economia crescer menos e não forem criadas as dezenas de milhões de postos de trabalho anuais necessários para absorver uma enorme população rural em migração para os centros urbanos, a posição do partido tornar-se-à extremamente precária. De facto a economia chinesa nos últimos anos não tem crescido a ritmos tão altos (mas ainda fantásticos para os nossos miseráveis padrões) e é possível que a estratégia de simples acumulação de capital já não esteja a funcionar, mas isso é uma história para outra altura.

1 comentário:

  1. O Professor Heitor Romana do ISCSP, tem uma tese sobre a sede do poder na China muito interessante.
    O Leninismo Empresarial arrisco a dizer que é praticado de forma informal noutras partes do Mundo, mas apenas com a parte má. Os sauditas por exemplo com muito dinheiro também não têm nem de perto nem de longe o mesmo impacto e resultados.
    Abraço

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