Num seu artigo no dia 11, o João Cardiga falou, entre outras coisas, sobre a personalização/antropomorfização dos mercados. Uma das primeiras afirmações do João é de que, na opinião dele, um grande motivo para o apelo das medidas populistas é a simplificação do funcionamento de um mercado, e que essa simplificação é aproveitada por certas forças políticas para transformar «os mercados» no mau da fita e com isso «justificar» as suas políticas.
Os mercados envolvem um conjunto muito alargado de pessoas a interagir umas com as outras. Envolvem uma vasta rede de relações que se estabelecem entre pessoas que tomam decisões que têm influência umas nas outras, em tempo real. Os «mercados» não são uma entidade tipo Estado, conforme pretendem alguns, no que são precisamente ajudados pela forma com personalizam os referidos mercados. São espaços em que existem trocas de bens e serviços.
Ao transformar os «mercados» numa entidade personalizada, com uma «voz» e «vontade» próprias, as forças políticas referidas acima podem usar a tão apetecível retórica do «nós contra eles», que tão bem tende a funcionar em momentos de crise. Neste caso, «nós contra os mercados». Os mercados que nos maltratam, que são puramente irracionais, que não querem saber «das pessoas» e que são dominados por poderes ocultos (ou não tão ocultos: agora o alvo habitual parece ser a Goldman Sachs).
Ao mesmo tempo que acusam outros de embarcarem na «política do medo», fomentam o medo dos «mercados». Culpam os «mercados» de todos os nossos males, incluindo aqueles que claramente resultaram de escolhas políticas. Afirmam a total desregulação dos mercados mesmo quando esta não existe. E acabam por atirar farpas e fomentar o descrédito da própria democracia e instituições democráticas ao essencialmente desresponsabilizar os cidadãos das escolhas que fizeram nas urnas e fora delas.
Essas forças políticas não são apenas de Esquerda. Também na Direita existe quem tenha por hábito diabolizar os «mercados». Escudam-se, à Esquerda e Direita, no manto de serem os únicos e verdadeiros representantes do «povo», da «pessoa comum», do «trabalhador», e seus defensores contra esse tenebroso e pouco definido papão que são «os mercados».
Concordo também com o João que a resposta não pode ser transformar os mercados nos «bons da fita». Também não me parece que tenha sido isso o que o Duarte fez (não estou a dizer que o João acusou o Duarte de o fazer, já agora). O problema é que lutar contra quem se limita a apresentar bodes espiatórios e promessas de ambrósia e néctar é complicado. Muito complicado. Porque se cairmos nesse jogo, será o outro lado a jogar em casa e quase que começamos a perder. E se não cairmos, a resposta vai ter de conseguir tornar simples algo de complexo sem que desvirtue aquilo que se defende.
De qualquer forma, é possível fazê-lo. E é preciso fazê-lo.
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