sábado, 3 de novembro de 2012

Alguém quer referir as vantagens de uma moeda forte?


“Mas porque raio não se imprime simplesmente moeda para resolver os problemas da nossa economia?” Entre conversas de café e pessoas com responsabilidades a falar nos media, esta é das coisas que mais se ouve por aí. Mas será que ninguém por aí que tenha tempo de antena nos media quer explicar aos portugueses as vantagens de se ter uma moeda estável?

A esmagadora maioria dos portugueses, incluindo grande parte das elites, ainda não percebe que a riqueza não se cria imprimindo papel, que aumentar a massa monetária só faz, a prazo, com que o valor do dinheiro diminua, que o dinheiro é apenas um veículo de troca que só é credibilizado pelas pessoas enquanto for estável e, leia-se, não for secretamente manipulado para obter resultados artificiais na economia enganando as expectativas das pessoas relativamente ao seu valor futuro.

A inflação tem desvantagens claras, e vantagem nenhuma evidente no longo prazo. Se a moeda desvalorizar, quem poupou dinheiro perde-o. Se a moeda desvalorizar, quem se endividou vê encolher subitamente a dívida, ocorrendo na prática uma transferência inesperada e injusta de quem poupou para quem se endividou. Se a moeda desvalorizar num determinado país, é menos compensador para alguém investir nesse país, porque o seu investimento perderá valor (e basta que pessoas como o António José Seguro e outros pela Europa andem a falar em impressão de moeda para que os investidores estrangeiros se acanhem em investir em nós). Se o valor futuro da moeda for incerto, isso aumenta a incerteza sobre o valor futuro do investimento, retraindo também a vontade dos investidores em investir. Quando se imprime moeda, beneficia dela quem primeiro dela usufrui (porque os preços ainda não aumentaram), ou seja, os bancos e os Estados. Se a moeda desvalorizar, o nosso salário real diminui, o que é perfeitamente equivalente a que o nosso patrão nos reduza o ordenado da noite para o dia, empobrecendo-nos, sem tão pouco nos avisar previamente.

É isto que pretende quem defende a desvalorização da moeda?

Quem defende a desvalorização da moeda quer que isso contribua para o crescimento económico. Ele acontece no curto prazo, porque somos enganados em relação à expectativa do valor futuro da moeda, que irá diminuir sem nós sabermos. Consegue-se assim mais investimento e esse investimento repercute-se, no curto prazo, em maior atividade económica. Só que é atividade económica não sustentável porque é baseada em expectativas irreais sobre o valor futuro do dinheiro e, mais uma vez, na dívida, e no defraudar das expectativas dos investidores. Naturalmente que a consequência disto é outra crise ao virar da esquina, e a perpetuação da agonia de não ter uma economia saudável, agarrada em informação e expectativas distorcidas.

É para isto que se repete até à exaustão que não faz sentido a política do Euro não ambicionar o crescimento económico? (Repita-se, como se a quantidade de papel a circular pudesse aumentar a riqueza?)

Tem-se ouvido frequentemente pessoas com responsabilidades dizerem que os alemães têm problemas psicológicos relativamente à inflação. É verdade, porque sofreram de forma atroz com a hiperinflação no início do século passado, e esse medo se propagou pelas gerações seguintes. É um medo feliz, porque tem impedido que o populismo macroeconómico se venda entre aquela gente. Ou será que o sucesso económico da Alemanha (e de outros países com moeda forte) ao longo do século XX foi apenas sorte?

15 comentários:

  1. A inflação tem desvantagens claras, e vantagem nenhuma evidente no longo prazo

    É verdade. No longo prazo, inflação elevada (mais do que 10% ao ano) é desvantajoso. No entanto, a curto prazo, um surto de inflação inesperada é vantajoso, pois diminui o valor das dívidas e desvaloriza os salários. O importante é essa inflação ser inesperada e não persistente.

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  2. Obrigado Luís.
    Tenho objeções:
    "diminui o valor das dívidas" à custa de quem poupou. Penso que não se deve ver isto como uma vantagem.
    "desvaloriza os salários": os salários devem valorizar ou desvalorizar, sector a sector, de acordo com a evolução do mercado desse sector. O facto de a economia em termos agregados precisar de reduzir o salário médio não significa que todos os mercados precisem de ajustamentos manipulados monetariamente nessa mesma medida. A situação eficiente é cada mercado poder ajustar à sua maneira. Este crise poderia ser uma oportunidade para Portugal, à semelhança de outros países, reformar a lei laboral e as práticas de forma a permitir isto, em vez de continuar a atirar o problema para baixo do tapete pedindo a desvalorização da moeda.
    Um abraço

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    1. Um surto de inflação diminui o valor das dívidas à custa de quem poupou.

      É verdade. Não se fazem omeletas sem partir ovos, diria eu. Agora, os que pouparam podem ter sido muitos menos do que os que têm dívidas; nesse caso, os beneficiados pelo surto de inflação serão muitos mais do que os prejudicados. Além disso, os que pouparam podem ter sido estrangeiros - as dívidas podem ser do país ao estrangeiro; nesse caso, os prejudicados estarão no estrangeiro.

      os salários devem valorizar ou desvalorizar, sector a sector

      Mais uma vez, é verdade. Porém, tal mecanismo é lento e cheio de fricções. Por exemplo, se o meu salário é diminuído, o dono do restaurante onde costumo almoçar pode levar tempo a perceber que também deverá descer os salários dos seus trabalhadores. É muito lento um país diminuir os seus custos de produção através de diminuições salariais setor a setor.

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    2. Sim, se o objetivo for esse, sem dúvida. Claro que a partir daí as expectativas de voltar a ter alguém a emprestar-nos dinheiro sem um enorme prémio de risco caem por terra. É a tal questão da ponderação entre benefícios no curto e no longo prazo. Aliás, nesse aspeto a nossa entrada no Euro foi um enorme shortcut em termos do tempo que é necessário para adquirir o tipo de confiança que é preciso ter dos investidores para beneficiar de taxas de juro tão baixas quanto tivemos. Pode-se dizer a respeito disto que nos colámos ao capital de confiança adquirido ao longo de décadas pelos alemães.

      Em relação à segunda questão, é verdade. Talvez fosse uma boa solução o Estado determinar um índice de preço de referência para os salários, que poderia ou não ser seguido pelos privados.

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  3. Grande grande artigo! Relativamente à desvalorizaçao posso dar o meu exemplo que estou a viver de poupança. Em viagem, já senti isso "na pele" sempre que o euro desvalorizava e eu conseguia comprar cada vez menos com o mesmo valor em euros. Por outro lado, caso se siga uma politica de desvalorizaçao, e como nao quero perder poder de compra para poder "investir em mim mesmo", levará a que eu transfira a minha poupança para uma moeda forte e estável, diminuindo assim a quantidade de dinheiro disponível para investimento em Portugal. Num caso extremo, tal politica - e com reduçao de poder de compra em Portugal - obrigar-me-á a sair do país.

    A unica vantagem - e nao vejo ninguem falar disso - no curto prazo, é se a desvalorizaçao da moeda seja acompanhada de uma diminuiçao do nivel de fiscalidade (o valor dos impostos), embora essa soluçao, no curto prazo, nao me beneficie a mim em nada. Dito em termos simples, nesse caso eu fico "lixado" na mesma, mas em termos de curto prazo poderá existir uma melhoria na condiçao de vida temporariamente. Os sacrificios de tal politica sao os que tu bem referiste.

    Pessoalmente sou contra medidas que apenas sirvam para disfarçar problemas em vez de os resolver. Têm sempre a tendencia para agravar esse mesmo problema, como os ultimos anos em Portugal sao um optimo exemplo!

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  4. Seria benefíco para a discussão que se junta-se ao argumento teorico (que a impressão de moeda leva à subida da inflação) o resultado prático de tal medida (Japão, EUA, Reino Unido)...

    Já em relação à Alemanha, 3 pontos:
    1) reveja a ascenção nazi ao poder e veja lá se não encontra um periodo de austeride. Já para não falar claro do orgulho ferido alemão em consequência da derrota da primeira guerra mundial...
    2) reveja lá se a Alemanha pagou as indemenizações de guerra, incluindo a da ocupação grega, e avalie se esse é ou não um factor (de sorte?) para o sucesso alemão.
    3) divida publica actual alemã acima dos limites da regulamentares da UE é um indicador de disciplina orçamental não é? claro, já para não falar de quem primeiro quebrou as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

    Rui Torres

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  5. Caro Rui Torres,
    Obrigado pelas suas observações.

    Relativamente ao Japão, EUA, e Reino Unido, refere-se a resultado prático no curto prazo? Se for, note que está coerente com o que está mencionado no artigo:

    "[com a desvalorização da moeda] Consegue-se assim mais investimento e esse investimento repercute-se, no curto prazo, em maior atividade económica"

    O artigo não menciona austeridade (é sobretudo um apelo a que os cidadãos portugueses sejam mais informados sobre os benefícios de ter uma moeda forte), mas ainda assim:

    Relativamente à ascensão nazi, está a sugerir que existe uma relação de causa-efeito entre austeridade e ascensão de algo como o nazismo?
    No período pré-nazismo existiu um problema grave de inflação na Alemanha. Devo também concluir que existe uma relação de causa-efeito entre inflação e nazismo? Num artigo que encontrei sobre o período em questão vem a seguinte frase
    "hyperinflation is widely believed to have contributed to the Nazi takeover of Germany and Adolf Hitler's rise to power"
    http://en.wikipedia.org/wiki/Hyperinflation_in_the_Weimar_Republic

    Partindo da hipótese de que a austeridade foi causadora da ascensão do nazismo, porque deveriam então os cidadãos alemães ser os responsabilizados pelo nazismo e pelos gravíssimos custos provocados pelo nazismo, incluindo os que ocorreram na Grécia? Por outro lado, não foram os responsáveis pelo nazismo julgados e condenados?

    Relativamente ao seu último comentário, concordo em absoluto que a Alemanha, tal como os restantes Estados da zona Euro, incluindo Portugal, não deveria nunca ter permitido impunemente a sua própria ultrapassagem dos limites ao deficit.

    Fazia-lhe uma sugestão que alguém me indicou a respeito deste artigo. Para testar a veracidade de algumas das vantagens da moeda forte aqui referidas, experimente falar com um investidor.

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    1. Sobre a hipotética relação entre entre política monetária estabilizadora e nazismo, a qual tem sido frequentemente por aí propalada, já tinha aliás escrito um artigo especificamente sobre o tema!

      http://www.cousasliberaes.com/2011/12/uma-argumentacao-nada-util.html

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    2. A questão aqui em concreto é a ligação que faz em imprimir moeda com inflação não sustentável. Por isso lhe indiquei que analizasse os três países que lhe referi. EUA, RU, e Japão sempre imprimiram moeda (e em simultaneo aumentam ainda mais o dinheiro em circulação por contraem dividas nos mercados) sem que isso resulte em inflação anormal. Aliás compare-os á inflação portuguesa ou mesmo da à da zona euro.
      Mas claro Portugal não pode faze-lo porque o EURO nao é de exclusividade portugesa e os tratados europeu nao o permitem. Essa é que é a questão.

      Nao vou entrar na questão NAZI a fundo porque como sabe o orgulho alemão estava ferido com a humilhação do tratado de Versalhes e completamente arruinada pelos efeitos de guerra, ao que se juntou a grande depressão mundial dos anos 30 (no qual também houve austeridade). Por isso é demagogia relacionar inflação (que nao foi formada inteiramente pela impressão de moeda) com a subida de Hitler ao poder. O Hitler foi posto no poder democraticamente ou já se esqueceu?

      Rui Torres

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  6. Num mercado aberto, não faz sentido manipular artificialmente o valor da moeda. Mais tarde ou mais cedo o mercado e seus investidores metem a economia no seu lugar natural, e isto acontece cada vez mais depressa. Num mercado controlado por governos a coisa muda um pouco de figura (como é o caso do Japão).
    Experimentem falar com um investidor que negoceia no mercado mais líquido do mundo, o mercado de cambio (Forex).

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  7. é diferente uma moeda forte de uma moeda estável, penso no iene por exemplo, estável mas relativamente fraca em termos de valor, a moeda chinesa já é outra história.
    Gostei da problematização muito haveria a dizer e faz bem ao debate, triste ver que quem tem responsabilidade de pensar nestas coisas não o faça.
    Abraço

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    1. De facto usei os dois termos, estável e forte, como se tivessem o mesmo significado. Geralmente têm, porque uma moeda estável, no sentido de variar pouco de valor, coincide com o ser forte, porque existem outras moedas com tendência para depreciar. Mas entre eles o termo mais correto a aplicar para o significado do artigo é o "estável", porque uma moeda na verdade uma moeda poderia ser forte por aumentar de valor, sem ser estável.
      Gostei deste artigo sobre o significado da moeda "estável": http://www.forbes.com/2011/06/30/stable-money-gold.html

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. João,
    tenho várias objeções (e algumas correções) a este post. Mas prefiro fazer uma pergunta: já pensaste porque é que não há um único banco central no mundo que tenha como objectivo zero de inflação?

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  10. olá Miguel! obrigado pela questão. Os bancos centrais não visam inflação zero pelo receio dos efeitos da deflação, mas do que falava no artigo era das desvantagens das políticas monetárias expansionistas, que pessoas de todo o espectro partidário andavam a advogar nos media no momento em que escrevi o artigo, à semelhança do que foi praticado nas crises do pós-25 de Abril. Gostava muito de ler os teus comentários.

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