Há uma ladainha que se repete no nosso debate público. Essa ladainha transforma Alemanha ou Grécia (consoante quem debita a ladainha; outra alternativa são os EUA, mas estão menos em voga) em demónios e assenta em ressentimentos, «revanchismos», dados tirados do contexto/meias-verdades e puras e simples mentiras e teorias da conspiração. Essa ladainha é parte dos nossos problemas.
Primeiro, essa ladainha, em muitas das suas versões, retira toda e qualquer responsabilidade pelo que está a acontecer aos cidadãos. Trata-os como coitadinhos, como vítimas, como peões num jogo que nunca poderiam tentar influenciar. Só que não é bem assim, e esta desresponsabilização é muito perigosa porque corrói a base do sistema democrático.
A base de uma democracia ocidental moderna é a intervenção cívica dos cidadãos. As escolhas que esses cidadãos fizeram nas urnas, as escolhas que fizeram ao decidir abster-se, a apatia e desinteresse generalizados em relação à política, a fraqueza da sociedade civil, tudo isto é parte do que nos trouxe até à crise, e tudo isto é da responsabilidade dos cidadãos. Tudo isto é responsabilidade nossa.
Parte da solução para a crise encontra-se precisamente em os cidadãos assumirem essa responsabilidade, em a sociedade civil organizada assumir as suas responsabilidades. Identificar claramente o facto disto não ter acontecido no passado como uma das causas da crise, como foi, é importante para tornar claro que esta crise que vivemos é precisamente um dos resultados possíveis do alheamento político da generalidade da população.
Por outro lado, desresponsabilizar os cidadãos por aquilo que se passa é uma forma de retirar legitimidade ao sistema democrático vigente. O discurso anti-políticos, anti-partidos, anti-parlamento das versões mais extremas da ladainha tem por objectivo substituir a nossa democracia, imperfeita que é, por um sistema em que o poder cai na rua. E quando o poder cai na rua, não é uma «democracia real» que vem a seguir. A não ser que por «democracia real» se entenda o «caos». Ou então, o poder não cai na rua: simplesmente voltamos a ter uma ditadura.
Assumir as nossas responsabilidades cívicas enquanto cidadãos, tomar consciência de que viver em democracia implica, para que esta continue de boa saúde, o cumprimento de deveres cívicos, é um passo em frente na resolução dos nossos problemas. Essa tomada de consciência colectiva é enfraquecida por discursos populistas que tratam os cidadãos como crianças manipuladas, manipuláveis e incapazes.
A ladainha é perversa também porque nos lança uns contra os outros. PSD contra PS. Portugueses contra Alemães. Norte contra o Sul. Irlandeses contra Portugueses. Gregos contra todos. No final, em vez de um debate sobre como resolver os nossos problemas, em vez de um debate sobre como acertar posições, temos trocas de acusações estéreis, interpretações maliciosas sobre tudo o que o «outro lado» faz, descaracterizações mútuas, e uma grande dose de histeria.
É fundamental que se tentem compreender as posições de todos os que estão à mesa a debater a reforma do Estado e a reforma da União Europeia. Compreender as posições de todos, não tratar todos como se de estereótipos ambulantes se tratassem, e tentar encontrar compromissos. A ladainha cria ruído, histeria e apelos «revanchistas» e, nas suas versões mais extremas, xenófobos; cria uma narrativa de conflito inconciliável que ajuda a que tudo se desintegre, em vez de ajudar a que tudo se resolva.
A ladainha emerge da crise, alimenta-se da crise, mas alimenta também a própria crise. É um círculo vicioso, em que comentadores, meios de comunicação social, blogues e outros intervenientes mediáticos parecem encontrar-se numa câmara de eco, a repetir várias versões da ladainha. Em que as posições se extremam desnecessariamente, em que ódios se inflamam, em que atirar pedras à Assembleia da República ou comparar a Chanceler Merkel a Adolf Hitler é tratado com paninhos quentes por muito boa gente.
É neste contexto que o filme de Marcelo Rebelo de Sousa e Rodrigo Moita de Deus se insere. Esse filme, em poucos minutos, apresenta-nos a versão anti-Alemanha da ladainha. A análise oca, feita com base em títulos de jornal e meias-verdades, é patente. Em vez de discutirmos uma proposta que existe, do eurodeputado liberal e Presidente da União dos Federalistas Europeus, Andrew Duff, para alterar o sistema eleitoral europeu, ou de discutirmos seriamente a proposta do Governo e do PS (apoiada pela Chanceler Merkel) de criação de um banco de fomento, acabamos a ver um vídeo mesquinho que apresenta «os portugueses» no seu pior, e a fingir que foi impedida a sua transmissão na Alemanha (não foi; não foi permitida a sua passagem na Praça Sony, mas o filme foi transmitido na Alemanha).
A ladainha pode servir para que algumas pessoas se sintam bem com elas próprias, culpando outros por todos os males que as assolam, mas serve também para nos paralisar. No meio do ruído, no meio das sucessivas histerias por este ou aquele caso mediático sem conteúdo útil, não se vê uma discussão sobre o essencial. Importantes reformas na lei da concorrência, na lei das rendas e na lei da insolvência, por exemplo, foram atiradas para o ar, estiveram no ar uns tempinhos, e desapareceram.
A ladainha não me atrai. É notório que está assente em bases pouco sólidas, que parecem sólidas porque são repetidas e repetidas e repetidas por muita gente, a quem depois não é reclamado que justifique as suas posições para além de meia dúzia de chavões e um ou outro número. A ladainha não me atrai e parece-me destrutiva, uma espécie de areia movediça na qual nos afundamos sem reparar. Longe de nos ajudar a resolver a crise, fortalece-a, e cria bloqueios para a sua resolução.
Ora, temos de deitar abaixo esses bloqueios. Temos de contrariar a ladainha, de a pôr em causa, de mostrar que é vazia e oca e que nos está a fazer ir para baixo e não para cima. À Esquerda e à Direita, porque a ladainha, embora una nas suas implicações e na sua roupagem, tem variações. É nossa responsabilidade pôr em causa esta nova forma de «sabedoria convencional» que tem muito de convencional e nada, mesmo nada, de sabedoria.
O problema de Portugal é uma questão de mentalidades
ResponderEliminarOs cidadãos portugueses também são culpados no estado em que Portugal se encontra, pois estes pouco ou nada exigem dos seus governantes, pouco ou nada participam nos destinos da suas Aldeias, Vilas e Cidades, podíamos esperar mais, de um povo, cujo país foi criado por um gajo que andou à porrada com a própria mãe.
A esmagadora maioria dos portugueses quer sempre “um jeitinho”, “um descontozinho”, “uma cunhazinha”, uma fuga às regras, o “filhinho doutor”, o caminho mais fácil para qualquer coisa e chorar quando nada disso consegue obter.
É nisso que se baseia a mente do típico português.