É tudo tão fácil. Resolver a crise, por exemplo. É muito fácil. Tão fácil, que apenas por tenebrosa conspiração a crise ainda não foi resolvida. Bastava que toda a gente pensasse da mesma forma, tivesse exactamente as mesmas prioridades e agisse exactamente conforme o que é necessário resolver a crise. É simples, como se pode ver. Apenas por má vontade as pessoas que estão erradas não vêem a luz e mudam de opinião. Porque é óbvio e evidente que não têm razão. Pelo que, se não mudam de opinião para a opinião correcta, única admissível pelos factos, e que só por acaso é aquela defendida pelas pessoas que têm razão, é por defeito de carácter ou por opção perversa.
Para começar, toda a gente devia concordar naquilo em que consiste a crise. Depois, toda a gente devia concordar nas soluções para aquilo em que toda a gente concordasse em que consistisse a crise. E, finalmente, essas opções teriam de funcionar exactamente como previsto, sem consequências nefastas não pretendidas - e toda a gente teria de concordar o que seriam consequências nefastas. Como se pode ver, é simples. Porque é evidente aquilo em que consiste a crise, as soluções são óbvias e é evidente que as soluções, quando aplicadas, funcionariam exactamente conforme planeado, sem quaisquer desvios, e que existiria consenso quanto à inexistência de consequências nefastas não previstas.
Deste modo, é evidente que se a crise não está já resolvida, em três tempos e muito antes de ser necessário tentar arranjar tempo suplementar, é por evidente estupidez de quem não tem as opiniões correctas. As opiniões correctas baseiam-se em crenças que são evidentes e que estão correctas por duas razões principais: (i) porque sim, (ii) porque os comentadores preferidos de quem as defende as defendem na televisão e (iii) porque os títulos dos jornais lidos assim o indicam. Argumentos em contrário estão por definição errados e é, naturalmente, um descaramento apresentá-los. É apenas uma forma de perder tempo, de impedir as soluções evidentemente correctas de serem implementadas, de forma a que possam ter os efeitos imediatos previstos.
É tudo tão simples. É apenas aparente que a situação seja complexa. Não é. A complexidade é uma mera ilusão, que apenas existe por força da ignorância, incompetência e estupidez de quem decide coisas. Na verdade, a crise é muito simples. Aliás, as crises são muito simples. É claro que as coisas más devem ser atacadas e as coisas boas promovidas. É elementar que se deve ajudar quem precisa e cortar no desperdício, fazer as reformas necessárias e ou deixar ficar, ou melhorar, o que já está bem feito. Parece impossível ninguém ser capaz de se lembrar de fazer isto. De melhorar as coisas. É que se melhorarmos as coisas, as coisas melhoram.
É preciso coragem para dizer estas verdades. Claro que muitos dos que dizem estas verdades não querem aborrecer-se a ter de tomar as decisões. São os treinadores de bancada da política. Embora muitos atirem as suas opiniões no café, há alguns que as atiram do «banco» do Parlamento. Por entre insultos, naturalmente, porque um bom insulto vem sempre a calhar. É que é tudo tão simples, tão simples, que os horrores que não tomam as decisões óbvias têm mesmo de ser insultados. Merecem. Afinal, o sado-masoquismo que exibem ao não fazer aquilo que é óbvio apenas pode ter como resposta um insulto.
É tudo tão óbvio. Deixando de lado as coisas complexas, que são evidentemente irrelevantes, desprezando as opiniões contrárias, que estão obviamente erradas, e ignorando aquilo que não convém, porque é evidentemente de ignorar, torna-se claro o quão óbvio é o que se tem de fazer. E fácil. Basta fazer o que deve ser feito. E quando o que deve ser feito, for feito, os problemas desaparecem. Assim, de uma só vez.
Ou talvez não.
A verdade e a incapacidade de a enfrentar tem sido a razão da nossa perdição.
ResponderEliminarAs pessoas preferem a mentira à dureza da verdade.
Custa pensar.
Abraço