quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Ainda os «certificados de desenvolvimento»

Os bancos estão a desalavancar e não emprestam dinheiro, e que é um problema. Mas a desalavancagem é uma cura necessária e não justifica a criação de instrumentos de dívida pública para investimento, e ainda menos para investimento especificamente em indústria.

Primeiro, parece ser intenção competir directamente com os bancos pela poupança de quem viva em Portugal, precisamente quando já há dificuldades dos bancos em encontrarem financiamento. Convinha não dificultar ainda mais. Convém lembrar que o negócio base dos bancos é captar depósitos para depois emprestar dinheiro.

Na prática, o Estado estaria a açambarcar investimento bancário em dívida pública e depois a açambarcar a poupança para a usar para investir em indústria. Ou seja, a substituir-se, tranquilamente, aos bancos privados. A partir desse momento, seria oficializado que teríamos uma gestão centralizada da economia portuguesa - os projectos seriam aprovados por estarem de acordo com as políticas preferidas pelo Estado - ou seja, pelo Governo, na pessoa do Ministro da Economia e Emprego - e não com base em análises de rentabilidade feitas por entidades privadas interessadas em lucrar com o negócio.

Por outro lado, estes títulos serviriam apenas para ajudar a indústria, provavelmente a indústria exportadora, criando condições de acesso ao financiamento desiguais para essas indústrias face a outras e face a outros sectores. O Estado estaria a inclinar claramente a balança no sentido da indústria exportadora, prejudicando todos os outros de forma arbitrária, simplesmente porque o Ministro decidiu, a partir de cima, «reindustrializar o país» e dirigir a economia portuguesa.

Os bancos não estão a emprestar porque não podem. O Estado português, já sem dinheiro, decide então criar-lhes ainda mais dificuldades em conseguir financiar-se - com a ideia até de criar um banco de fomento público. Banco de fomento público esse que teria «taxas justas», politicamente determinadas para serem bem mais atractivas que as dos bancos privados, pelos vistos. E que escolheria os seus investimentos com base em doutrinas políticas, e não simplesmente com base na rentabilidade potencial do investimento.

O facto de agora estarmos em tempo de crise não significa que o Estado tenha de assumir o lugar dos bancos, especialmente numa altura em que também o Estado está em crise. Temos criar condições para que haja confiança nos bancos privados e esperar que estes estejam em condições de emprestar. Condições que não chegarão se o Estado decidir substituir-se-lhes com «certificados de desenvolvimento», ao mesmo tempo que lhes pede consistentemente que os bancos lhe comprem dívida pública. E para que o Estado deixe de desesperar por impingir dívida pública, tem de haver uma reforma do Estado no sentido da sustentabilidade das contas públicas.

Vai demorar até isto acontecer. Acontece que tentar acelerar as coisas da forma que o Governo pelos vistos quer fazer terá efeitos negativos precisamente na recuperação dos bancos privados, ao mesmo tempo que cria problemas de concorrência e problemas relativos ao mercado único europeu e auxílios de Estado. Ou seja, temos problemas, continuaremos a ter os problemas, e passaremos a ter novos problemas.

3 comentários:

  1. seria oficializado que teríamos uma gestão centralizada da economia portuguesa - os projectos seriam aprovados por estarem de acordo com as políticas preferidas pelo Estado

    Foi assim que a Coreia, o Japão, Singapura e tutti quanti se desenvolveram de forma fulgurante. Mediante uma orientação do Estado, embora sob gestão privada. Não foi com políticas liberais.

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    1. escolheria os seus investimentos com base em doutrinas políticas, e não simplesmente com base na rentabilidade potencial do investimento

      Infelizmente, a teoria da "rentabilidade potencial do investimento" só incentivou os bancos, ao longo dos últimos anos, a emprestar dinheiro para (1) especuladores bolsistas se alavancarem, (2) especuladores imobiliários cobrirem o país de betão, e (3) famílias se endividarem a comprar casa, automóvel, ou com crédito pessoal.

      Ou seja, a "rentabilidade potencial do investimento" tem incentivado os bancos a investir em tudo menos naquilo que seria desejável.

      Portanto, não é esse o método mais desejável.

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  2. Eu estava a falar da opção de investir ou não investir num determinado projecto empresarial, naquele caso específico - pensei que fosse claro pelo contexto, mas pelos vistos não foi.

    Quanto ao demais, as coisas não se passaram bem assim, e os pontos (1), (2) e (3) estiveram muito relacionados com políticas públicas relativas a investimento público em infraestruturas e a promoção do consumo para estimular (quase de forma permanente) a economia, com os resultados que se conhecem. Isto não significa que os bancos não cometeram erros e que o sector financeiro não cometeu erros, mas as coisas são mais complicadas que os pontos (1), (2) e (3) deixam transparecer.

    Quanto ao Japão e à Coreia do Sul, têm também os seus problemas, e prefiro outro modelo de desenvolvimento.

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