(Resposta ao comentário do leitor Rui Torres, que ficou demasiado longo para a caixa de comentários.)
Caro Rui,
Agradeço os seus comentários.
Começo por dizer que não me parece que seja arrogante que eu queira que o PS apresente propostas sobre cortes de despesas.
Quanto ao Governo, que me parece ser o alvo do comentário, parece-me que uma acusação melhor seria de hipocrisia - estão agora a exigir o apoio que não deram a um Governo minoritário do PS, quando até têm uma maioria parlamentar. Só que ao PS também se pode fazer a acusação de hipocrisia: não estão a dar o apoio que queriam ter tido enquanto Governo e, apesar deste Governo ter maioria, não é indiferente que o principal partido da Oposição rejeite por completo iniciativas estruturais do Governo - cria incerteza sobre o que aconteceria se o PS chegasse ao Governo, o que, como o Rui bem diz, pode acontecer já nas próximas eleições.
Esta situação lembra-me este vídeo, com as devidas adaptações: http://www.youtube.com/watch?v=Vgil5gKBwWE Especificamente, a partir do minuto 3:17.
Quantos ao estímulos do Estado, eu sei porque é que são defendidos os estímulos do Estado. O problema é que o Estado já tem programas de estímulos (pelos vistos não tantos como o PS desejaria) e não estamos em situação financeira para fazer os estímulos - e, aliás, o último programa de estímulos ajudou a colocar-nos na situação que temos hoje. Entretanto, o Governo já anunciou que quer criar um banco de fomento - ao que parece com particular ênfase na promoção da industrialização do país. (Tenho bastantes reservas relativamente a este novo banco.) Por outro lado, também se tem agora falado de uma reforma, de alto a baixo, ao IRC (em vez daquela ideia de aplicar uma taxa de IRC de 10% a novos investimentos) - só que não se sabem grandes pormenores, pelo que vai mesmo ser preciso esperar para ver.
O programa de ajustamento não me parece pensado para diminuir o nível de dívida de um dia para o outro - aliás, não é por acaso que o FMI diz o que diz. Só que acontece que nós temos os nossos problemas de curto prazo e de longo e médio prazo a alimentarem-se mutuamente - eu concordo que o ênfase esteja mesmo em diminuir o défice, fazer cortes na despesa e fazer uma reforma do Estado para o tornar mais eficiente.
De qualquer forma, mesmo para quem pense que deve haver um grande programa de estímulos, o Estado português não tem uma enorme margem para estimular a economia (diria que tem quase nenhuma, apesar de já existirem programas de estímulos). O programa teria de ser a nível europeu. O que mais se fala agora é de investimento público através de project bonds europeus - provavelmente com enfoque em projectos relativos a I&D e educação, pelo que entendo). Só que, com a experiência portuguesa na gestão deste tipo de projectos, tenho as minhas dúvidas sobre como isto iria funcionar. E tenho as minhas dúvidas sobre a sua eficácia.
Quanto ao programa de reforma laboral alemão, terá notado que este Governo tem dado grande ênfase, pelo menos mediaticamente, ao ensino técnico - precisamente inspirando-se no modelo alemão, segundo as notícias.
Além de que as reformas laborais que o Governo fez, em particular relativamente ao despedimento por inadaptação sem motivos tecnológicos mas sim por incumprimento de objectivos, não foram a revolução que por aí alguns proclamaram (para o bem ou para o mal). A nova forma de despedimento não permite um despedimento imediato - exige um procedimento prévio (que aliás é uma resposta a uma exigência já antiga do Tribunal Constitucional, que veio na senda da introdução de novas formas de despedimento nos início dos anos 90, segundo creio). O empregador não pode despedir «porque sim» e imediatamente, portanto.
Outra alteração, por exemplo, foi a de que, em caso de extinção de posto de trabalho, a selecção do trabalhador despedido terá de ser feita por uma razão objectiva, mas não tem necessariamente ser por antiguidade, que julgo ser a regra britânica e me parece mais razoável.
Aliás, cada vez mais me parece que o Governo está a tentar copiar o modelo de desenvolvimento económico alemão, pedaço a pedaço, desde a aposta na indústria à aposta no ensino técnico, passando pelo banco de fomento (que é apoiado pelo PS e que Angela Merkel, pelos vistos, também disse apoiar).
Concordo plenamente que os anos que vêm vão ser determinantes, e aliás penso que estamos num momento decisivo, "make or break", a nível europeu, que pode permitir uma maior federalização da UE (que eu gostava de ver acontecer) e com isso aumentar a legitimidade democrática das suas instituições.
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