domingo, 11 de novembro de 2012

Um vídeo para esquecer

Tive a infelicidade de assistir, do início ao fim, ao vídeo que Marcelo Rebelo de Sousa lançou e no qual Rodrigo Moita de Deus ajudou. (Pode ser visto, por exemplo, aqui, em alemão, e aqui, em português.)

Esteticamente, o amadorismo é patente. Músicas várias rapidamente cortadas servem de banda sonora a um conjunto de figuras sorridentes e de estereótipos que avançam em direcção a uma câmara que se afasta. A meu ver, palavras como «foleiro», «piroso» e sinónimos são perfeitamente aplicáveis.

Mas o pior do filme não é a parte estética, por muito má que esta seja. É mesmo a narração. É o conteúdo programático no filme, que supostamente devia ajudar-nos a conquistar a opinião pública alemã, mas que não tem rigorosamente nada a ver com a opinião pública alemã. Não, tem tudo a ver com a opinião pública portuguesa.

O conteúdo do filme é a ladaínha que comentadores vários vão despejando sobre leitores de jornais ou espectadores de programas de televisão cá em Portugal. Nada naquele vídeo tem alguma coisa a ver com alemães ou com preocupações alemãs. É um vídeo feito por portugueses para portugueses, que por algum motivo que me escapa ia, se projectado na Praça Sony em Berlim, servir para de alguma forma ajudar em alguma coisa.

Na minha opinião, aquele filme, projectado na Praça Sony, serviria para cobrir o país inteiro de ridículo, não ajudaria nada a conquistar a opinião pública alemã, e ajudaria a reforçar estereótipos sobre os portugueses. Porque é que os alemães deveriam levar a sério um filme a tentar ser engraçado feito por portugueses com comparações quase passivo-agressivas com a Alemanha, e com culpabilizações da Alemanha, ao mesmo tempo falando em «solidariedade» quando a Alemanha já nos está a emprestar dinheiro? 

Aquele filme representa aquilo que várias pessoas em Portugal gostariam de dizer aos alemães, por razões que a elas pertencem. Mas não tem nada em atenção as preocupações alemãs. Não tem em atenção as sensibilidades alemãs. Em suma, está-se completamente nas tintas para o seu suposto público alvo. Poderá receber muitos aplausos entre alguns portugueses que com aquela mensagem se identifiquem, mas em que é que interessaria verdadeiramente a alemães?

Aliás, a mensagem do filme podia bem ser levada bastante a mal por vários alemães, que não gostariam necessariamente (eufemismo) de lhes serem atiradas à cara as «lembranças» em relação à Alemanha que o filme contém.  Um filme que tem por objectivo convencer alemães a apoiarem Portugal tratar os alemães da forma aquele filme faz, cheio de recadinhos e mensagens quase passivo-agressivas, não parece ter por verdadeiro objectivo convencer alemães. Facilmente aquilo era interpretado como pouco mais que um julgamento à Alemanha. 

A utilização da imagem do Muro de Berlim no final do filme da forma que é usada apenas serve para mostrar a vacuidade daquele projecto. Um apelo a um símbolo de verdadeira divisão e ao fim da Guerra Fria, como se o que se passa agora e a Guerra Fria fossem tão linearmente comparáveis. A evocação do discurso «Ich bin ein Berliner» quando o objectivo é que a Alemanha quase que despeje dinheiro em Portugal sem quaisquer constrangimentos, e ao mesmo tempo que sempre que o Governo alemão diz alguma coisa, é apresentando como um demónio por ser supostamente neo-imperalista.

Aquele vídeo é um bom símbolo daquilo que vai mal na política portuguesa, em que comentadores tratam assuntos complexos pela rama, criando narrativas simplistas e demagógicas sobre a crise. Em que conversa fiada é tomada como «sensibilidade social» e em que as análises se centram no tacticismo político e não na substância das medidas. (Editado: E em que vídeos «giros» de propaganda que ignoram as preocupações alemãs mas visam alemães, e lhes tentam atirar à cara a ladaínha mediática portuguesa, são apresentados, e vistos, como forma de ajudar o país.)

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