quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eleições (V)

O Prof. Vital Moreira, eminente constitucionalista, tem escrito no Causa Nossa um conjunto de textos em que reproduz, de forma imaculada, a narrativa eleitoral do PS. Esses textos são bem elucidativos do estado de desresponsabilização a que chegou a política portuguesa, em que todos procuram culpar os outros pelos males que afligem o país, ignorando as suas próprias responsabilidades.

Há dois desses textos que eu considero particularmente elucidativos neste campo.

O primeiro é este (que pode ser lido aqui):

«O PSD diz que as eleições devem ser um "plebisctio à responsabilidade de Sócrates".
Segundo fontes vem informadas, o PSD vai provar que Sócrates foi o responsável pela crise bancária nos Estados Unidos em 2008, pela crise bancária e económica na Europa em 2009, pela crise orçamental na Grécia e na Irlanda no ano passado e pela persistente crise social em Espanha!...
Decididamente, o PSD não aprende nada. Depois de ter travado a campanha de 2009 em torno da "asfixia democrática", com o resultado que se viu, quer agora insistir de novo num fantasma.
Como se concluía há pouco tempo de uma sondagem de opinião, uma grande maioria dos portugueses sabe que, nas circunstâncias, a crise teria existido qualquer que fosse o governo, e que nenhum faria melhor. Ao contrário do que supõe o PSD, os portugueses não estão muito interessados em saber como se chegou aqui, mas sim em saber como se sai daqui., sem aproveitar a crise para transformar o País num laboratório de teste de uma agenda ideológica de cariz neoliberal

A mensagem é clara: desresponsabilização total do Governo e do Primeiro Ministro pela situação actual de crise, culpabilização por inteiro da crise financeira, e ataques ao PSD por ser extremista e neoliberal. Chega-se ao ponto de se citar uma sondagem para essencialmente afirmar que «a crise teria existido qualquer que fosse o governo, e que nenhum faria melhor».

De facto, a crise externa teria existido qualquer que fosse o Governo em Portugal. Mas teriam todos os Governos aumentado a Função Pública e cortado o IVA em 2009? Teriam todos os Governos ido a eleições em 2009 a falar de valores de défice bastante inferiores aos reais? Teriam todos os Governos continuado a insistir em grandes obras públicas para as quais não havia dinheiro até à última hora? Teriam todos os Governos passado tanto tempo a evitar pedir ajuda externa, com ataques de cariz nacionalista ao FMI e ao FEEF, por motivos claramente políticos, até que se tornou impossível aguentar mais?

O Governo do PS fez reformas interessantes entre 2005 e 2007, e tem modernizado e informatizado a Administração Pública. Mas o sistema judicial continua pouco célere, o sistema fiscal continua demasiado complexo, o mercado de arrendamento continuava em mau estado, temos um mercado de trabalho a duas velocidades, etc. etc. E o PS não esteve apenas no Governo desde 2005. Esteve no Governo entre 1995 e 2002, voltando ao Governo em 2005. É portanto impossível o PS ignorar as suas responsabilidades na crise actual, por muitas responsabilidades que tenham outros partidos. 

A forma como Vital Moreira o faz naquela breve mensagem é um exemplo claro do estado a que chegou a política portuguesa. Mas há ainda outra mensagem que exemplifica bem essa desresponsabilização, que pode ser encontrada aqui):


«Num regime de base parlamentar como o nosso, as eleições parlamentares são também a escolha do Governo e do primeiro-ministro. Como sempre, só há duas alternativas, o PS ou o PSD, ou seja, hoje, Sócrates ou Passos Coelho.


Não é preciso grande elaboração para ver que se trata de duas opções bem distintas, não só em termos ideológicos e programáticos, mas também em termos de liderança, experiência, maturidade, previsibilidade e confiança dos dois líderes e dos dois governos. 


O PS não pode deixar de explorar até ao fundo esse confronto. À experiência, à segurança e ao profissionalismo do PS de Sócrates contrapõe-se a imaturidade, o amadorismo, a imprevisibilidade, o aventureirismo e a incontinência retórica do PSD de Passos Coelho.


Enquanto o PS tem no seu activo uma vasta experiência em enfrentar e vencer crises económicas e financeiras (1976-77, 83-85, 2005-08), o PSD só pode ser lembrado por aquelas que deixou ao PS (1981-83, 2002-04), não tendo nunca passado por uma provação dessas.


Quanto às previsíveis equipas, não pertencem ao mesmo campeonato. Para além da inexperiência, impreparação e insegurança de Passos Coelho, a simples ideia de ver à frente do País, nas actuais circunstâncias, os mais loquazes dirigentes do PSD não pode tranquilizar ninguém. 


Decididamente, os tempos não estão para amadorismos nem para aventuras políticas


O PS, em 2009, também apresentou um programa. Programa esse que não cumpriu. Sim, não o cumpriu por causa da crise. Mas não se conhecia já a crise em 2009, ainda para mais estando no Governo e tendo acesso a todo o tipo de informação privilegiada? 


Este ano, o programa do PS foi lançado o mais depressa possível, para sair antes do programa do PSD. Isto para atacar o PSD por não ter ideias, por não ter uma visão para o país. Mas na ânsia de lançar o programa mais cedo, o PS lançou-o antes do acordo com a Troika. Na minha opinião, isto não faz sentido. Não se pode lançar um programa de Governo antes de se chegar àquele acordo, que terá impacto significativo na actuação do próximo Governo.

Relativamente a Passos Coelho, a mensagem que Vital Moreira procura transmitir só tem sido ajudada pelos problemas com Fernando Nobre e Santana Castilho, como  aliás já discuti neste blogue. Mas relativamente à competência e profissionalismo de José Sócrates, Wolfgang Munchau escreveu um artigo no Financial Times que tem passagens bastante elucidativas:


«The political reason this crisis goes from bad to worse is an unresolved collective action problem. Both sides are at fault. The tight-fisted, economically illiterate northern parliamentarian is as much to blame as the southern prime minister who cares only about his own backyard. The Greek government played it relatively straight but Portugal’s crisis management has been, and remains, appalling.


José Sócrates, prime minister, has chosen to delay applying for a financial rescue package until the last minute. His announcement last week was a tragi-comic highlight of the crisis. With the country on the brink of financial extinction, he gloated on national television that he had secured a better deal than Ireland and Greece. In addition, he claimed the agreement would not cause much pain. When the details emerged a few days later, we could see that none of this was true. The package contains savage spending cuts, freezes in public sector wages and pensions, tax rises and a forecast of two years’ deep recession.


You cannot run a monetary union with the likes of Mr Sócrates, or with finance ministers who spread rumours about a break-up. Europe’s political elites are afraid to tell a truth that economic historians have known forever: that a monetary union without a political union is simply not viable. This is not a debt crisis. This is a political crisis. The eurozone will soon face the choice between an unimaginable step forward to political union or an equally unimaginable step back. We know Mr Schäuble has contemplated, and rejected, the latter. We also know that he prefers the former. It is time to say so.»

Quanto às crises, de notar a diferença: o PSD causa crises, o PS resolve crises. No caso do PSD, nada se diz sobre a situação externa. Pelos vistos, quando o PSD está no Governo, a situação externa nunca interessa. Quando o PS está no Governo, só ela interessa. Nada disto faz sentido: as crises têm factores endógenos e exógenos, e é importante que se assuma responsabilidades pelas questões endógenas, como a incapacidade latente de fazer reformas estruturais até agora.

É por estas e por outras que as pessoas se tornam cínicas em relação à política. Usei o Prof. Vital Moreira como exemplo, mas todos os outros partidos têm maus exemplos a este respeito.

Está na altura dos nossos políticos assumirem responsabilidades, em vez de as tentarem sacudir para o capote dos outros. Está na altura de aparecerem à nossa frente e dizerem que, de facto, erraram, e que assumem que o fizeram.

Mas em Portugal, nós praticamente só vemos isso num jornal satírico.

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