A narrativa eleitoral do PS vai assentar, em parte, no facto das medidas agora negociadas serem o PEC IV «mais umas quantas medidas», e que se podia perfeitamente ter prevenido estas medidas extra se o Governo não tivesse caído, se a Oposição não tivesse sede pelo poder.
Falou-se muito de medidas que não estavam no pacote de medidas aprovadas, como parte da narrativa do PS enquanto defensor do Estado Social. Mas sobre medidas concretas e, verdadeiramente, sobre as linhas gerais daquilo que foi aprovado, pouco ou nada se disse.
Ontem ficámos a conhecer melhor a retórica de campanha do PS para as próximas eleições. Falta conhecer as medidas que foram negociadas e com as quais vamos viver nos próximos 3 anos.
Não nos podemos esquecer que essas medidas têm de ter um entendimento alargado. Ou seja, aceitando o PSD e o CDS-PP estas medidas, logo irá o PS dizer que cá estão eles a apoiar o PEC IV «mais umas quantas medidas». Tudo parte da campanha eleitoral, claro está.
Fazer um discurso que só pode ser considerado discurso de campanha no momento em que se anuncia ao país (supostamente) as «linhas gerais» das medidas aprovadas não pode ser considerado aceitável. Não é admissível pensar apenas na táctica política pura relativa a eleições num momento como este.
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Por falar em táctica política, claramente a aposta em Fernando Nobre correu muito mal ao PSD.
A mim não me choca que ele entre nas listas do PSD para entrar na Assembleia da República, dado que presentemente apenas poderia entrar na Assembleia da República nas listas de um partido. Fê-lo pelo PSD como o poderia ter feito por outro partido, dado que não se encontra filiado em nenhum deles.
Agora, fazê-lo com o pressuposto de ser eleito Presidente da Assembleia da República já tem que se lhe diga. O Presidente da Assembleia da República modera debates, dirige trabalhos da Assembleia da República, e é a segunda figura do Estado, mas não é propriamente nessas funções que se vão propor soluções concretas para o país.
Se Fernando Nobre aceitou pensando que essa posição lhe daria estatuto para criar soluções, demonstrou que não conhece a função a que se propõe, e uma enorme falta de preparação política. Se aceitou apenas por ter a hipótese de ser a segunda figura do Estado e ele não ter conseguido a ser a primeira, então dispensam-se comentários. (Tendo a acreditar numa mistura das duas.)
Não faz sentido uma pessoa que nunca foi deputada nem tem grande experiência parlamentar e política ser Presidente da AR, especialmente quando demonstra a falta de preparação que Fernando Nobre tem demonstrado. Faz sentido que o Presidente da AR seja uma pessoa com experiência parlamentar alargada, eminentemente consensual e pragmática, capaz de moderar de forma diligente os debates da Assembleia, bem como dirigir os trabalhos da mesma.
Fernando Nobre, com as atitudes que tem tomado, antagonizou muita gente (incluindo muitos, mas mesmo muitos, dos seus apoiantes). Não tem qualquer experiência política nem parlamentar. Como pretende, de facto, exercer o cargo de Presidente da AR?
Não contente com a questão de ser candidato a Presidente da AR ser ser problemática pelos motivos já apontados, Fernando Nobre torna-a ainda mais problemática ao dizer que renunciaria ao mandato de deputado caso não ganhasse a eleição para Presidente. Demonstra com isto arrogância e uma total falta de respeito para com a Assembleia da República que se propõe presidir e para com os cidadãos em geral.
Entretanto, já se procurou retratar, dizendo que, afinal, não renunciaria ao mandato de deputado.
Não foi suficiente, no entanto. Porque Fernando Nobre disse ainda que aceitou integrar as listas sem conhecer o programa do PSD, porque gosta pessoalmente do actual líder desse partido. Ora, Fernando Nobre poderia ter inquirido relativamente ao programa do PSD, e aliás poderia ter tentado influenciar o programa do PSD. Não o fez. Não o fez porque, parece-me, não tem, verdadeiramente, um projecto para o país. Pelo que lhe seria impossível influenciar o que fosse.
Ou seja, Fernando Nobre não conseguiu cristalizar o apoio que conseguiu nas presidenciais em algo de concreto. Nem sequer tentou. Vai entrar para a Assembleia da República a reboque do PSD, mas não vai representar o valor acrescentado que eu cheguei a pensar que ele poderia representar. Ao mesmo tempo, deu um murro no estômago, com as atitudes que tomou, a quem promove uma cidadania activa.
Uma enorme, mesmo enorme, desilusão.
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O dia das eleições aproxima-se e o PS sobe, enquanto o PSD desce nas sondagens. Outro dia diziam-me que, depois das eleições, nos arriscávamos a ver vários vôos de politólogos que quereriam estudar como é que Pedro Passos Coelho teria conseguido perder estas eleições.
Estamos em recessão. O FMI e o FEEF vão intervir. Do lado do PS e do Governo, tudo se resume ao Primeiro Ministro, José Sócrates, no cargo há seis anos e sujeito a vários escândalos pessoais. O PS não cumpriu as promessas que fez em 2009. E no entanto, o PSD não consegue descolar.
Ajuda que o CDS-PP tenha, nas sondagens, números bastante razoáveis. Ajuda que José Sócrates saiba muito bem fazer campanha. Mas também ajuda não se conhecer qual é a alternativa que o PSD propõe, e o facto de Pedro Passos Coelho se ter colado à imagem que de José Sócrates de tal maneira, que muitos o vêem como uma versão PSD do que já temos agora.
Finalmente, aquilo que ajuda menos é o facto de todos os partidos serem responsáveis pela situação actual, não apenas o PS por estar no Governo. Todos os partidos actualmente representados no Parlamento partilham responsabilidade pelo que está a acontecer, mesmo os que nunca foram Governo. É que ser parte da Oposição também acarreta responsabilidades, e demasiadas vezes, a Oposição não as tem levado a sério.
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Um bom exemplo de como a Oposição não leva a sério as suas responsabilidades é a forma como o PCP, os Verdes e o BE se recusaram a encontrar-se com a «troika». Os eleitores, simpatizantes e mesmo militantes destes partidos não foram, portanto, representados nas negociações. E não foram representados por mera táctica política pura, por causa de uma narrativa destes partidos que se pretendem afirmar como «contra-poder» (ao mesmo tempo que falam em «Governos de Esquerda» e outras coisas do género).
Não seria capitulação nenhuma participar nas negociações. Seria, sim, cumprir o dever de representar quem se revê nas propostas daqueles partidos nas negociações com entidades das quais, diga-se de passagem, Portugal é membro. (Não colhem conversas de que «o FMI não tem soberania» e similares, que aliás de progressistas nada têm.)
Estes três partidos, ao tomarem esta atitude, desrespeitaram os cidadãos que neles se revêem, e deles esperam representação adequada e activa. Não levaram a voz desses cidadãos às mesas de negociações, como deveriam ter feito. Desresponsabilizaram-se. Lavaram dali as mãos. E agem como se o mero facto de não terem estado no Governo lhes retirasse toda e qualquer responsabilidade pela situação actual.
Esta desresponsabilização constante por parte destes partidos, e de todos os outros, em nada ajuda a nossa democracia. É tempo dos nossos políticos assumirem responsabilidades. Mas para que isso aconteça, temos que lhes exigir responsabilidades.
É por isso que o Cousas Liberaes apela ao voto em consciência nas próximas eleições, e na participação activa dos cidadãos na nossa democracia. Porque também nós não nos podemos desresponsabilizar.
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