segunda-feira, 9 de maio de 2011

Acordos com a «Troika» (I)

Tive a oportunidade de assistir a uma intervenção do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, no Sábado passado. Dizia este que não morria de amores pelo acordo entre a «Troika» e o Governo, em parte por não ter em conta as «especificidades» do país, e limitar-se a aplicar uma «receita» genérica e pré-fabricada.

Com este género de afirmações, Marcelo Rebelo de Sousa continua parte do problema, e não da solução. Pode perfeitamente discordar daquilo que está no acordo, e está, claro, no seu direito de o afirmar convicta e publicamente. Pode ter dúvidas sobre a exequibilidade do acordo neste contexto político difícil. Mas qual a alternativa que apresenta? Nenhuma. Aliás, o próprio Marcelo Rebelo de Sousa e seus apaniguados no PSD são muito responsáveis pelo actual estado de coisas, mentores que são também do modelo de desenvolvimento que o país tem tido em democracia.

O Bloco de Esquerda, entretanto, lá inventou um «Fundo Nacional» para pagar a dívida. Em conjunto com o PCP, defende que o modelo de desenvolvimento assente quase exclusivamente em investimento público não foi longe o suficiente, e que o que é necessário é continuar a despejar dinheiro público na Economia para «criar emprego» (que é visto como um fim em si mesmo) e «promover a produção nacional». Vai buscar dinheiro a «impostos sobre as grandes fortunas» e aos «bancos»  para manter, na essência, um modelo de desenvolvimento que difere do actual na medida em que o Estado assume papel ainda mais preponderante.

Mas o pensamento económico do BE e do PCP não é tão «progressista» como se apresenta. Numa altura em que se discute o desenvolvimento económico como algo de mais abrangente que o simples crescimento do PIB, e numa altura em que é necessário que nos unamos para continuar a promover a tolerância e o entendimento internacionais, eis que nos surgem partidos (ditos de «esquerda») com um discurso assente no nacionalismo e numa visão redutora da Economia, em que os empregos não são vistos como meios, mas como fins em si mesmos. Onde está o internacionalismo que já caracterizou a Esquerda? No discurso do PCP e do BE, em lado nenhum.

Os acordos com a «Troika» representam um novo modelo de desenvolvimento para Portugal, e daí causarem tantos anti-corpos entre os mentores do actual modelo, e os defensores de que ele deve ser reforçado. Os acordos não são o PEC IV, e não assentam nas medidas conjunturais relativas ao Orçamento de que tanto se fala. Os acordos assentam em medias estruturais, num pacote de medidas abrangente que, implementado, aplicaria em Portugal as célebres reformas estruturais que temos vindo a prometer repetidamente, sem nunca, no entanto, as cumprir.

(É uma pena ter sido necessária uma intervenção externa para que estas medidas ficassem em cima da mesa, mas já me dou por satisfeito por elas agora estarem em cima da mesa, e não apenas descritas, de forma muito abstracta, em documentação vária. Nunca se passava das palavras às acções, mas agora teremos de o fazer.)

O modelo de desenvolvimento subjacente ao acordo assenta no fortalecimento do Estado Regulador, na dinamização do sector privado, e na reforma dos serviços públicos de Saúde, Educação e Segurança Social. As medidas orçamentais que lá se encontram são conjunturais, e devem ser compreendidas como parte de um todo: colocar as finanças públicas portuguesas numa situação em que deixem de ser um entrave ao desenvolvimento económico.

Os acordos com a «Troika» e o empréstimo que com eles vem (que tem condições bem melhores que as esperadas) constituem uma oportunidade única de mudarmos o país, implementando um novo modelo de desenvolvimento económico. Vai ser difícil, até muito difícil, porque o acordo é exigente, mas é uma oportunidade que não podemos perder.

Está na altura de mudar o país.

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