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terça-feira, 5 de março de 2013

Daniel Oliveira abandona o Bloco de Esquerda

Daniel Oliveira abandonou o Bloco de Esquerda.

Sempre considerei Daniel Oliveira uma das vozes mais lúcidas do Bloco de Esquerda no que toca ao posicionamento estratégico desse partido, e que se o Bloco seguisse a estratégia geral que Daniel Oliveira me parecia advogar, teria muito maior capacidade de influenciar a condução e rumo político do país. Claro que eu não concordo com o programa económico do Bloco de Esquerda (embora me reveja em algumas das suas posições em temas «fracturantes»), nem tenho particular interesse em ver o Bloco de Esquerda no Governo. No entanto, do ponto de vista de um apoiante do Bloco, sempre me pareceu que as ideias de Daniel Oliveira sobre a estratégia a seguir, claramente contrastantes com as de Francisco Louçã, seriam as melhores.

Recomendo vivamente a leitura da carta que Daniel Oliveira se deu ao trabalho de escrever a justificar a sua saída. Nessa carta, descreve-se aquele que Daniel Oliveira considera ser o caminho correcto para o Bloco de Esquerda aumentar a sua capacidade de influência efectiva, fortalecendo-se e cimentando-se enquanto força política relevante no quadro político português. Esse caminho passaria, essencialmente, por uma maior aposta nas autárquicas, para aquisição de experiência executiva e de trabalho em coligação; pela existência de democracia interna no partido (crítica relevante à criação da corrente Socialismo); pela abertura a convergências e fim de sectarismos primários - o Bloco como factor de união e não de desagregação da Esquerda portuguesa.

Daniel Oliveira faz críticas a meu ver acertadas (do ponto de vista de alguém que quer que o Bloco cresça e tenha influência) à direcção actual e dos últimos anos do partido. Diz, a meu ver também com justeza, que a nova liderança não alterou os tiques da anterior. E critica Francisco Louçã e seus aliados, que devem ser considerados por aqueles que querem que o Bloco se mantenha arredado do Governo como um aliado de peso, pela forma como se comportam e pelas atitudes que tomam em relação, por exemplo, ao PS, mas também a todos os outros que não sigam à risca aquilo que eles pensam. Apreciei também em particular as críticas que faz à posição do BE face à Troika e à União Europeia.

No fundo, Daniel Oliveira é consequente - quer renegociar a dívida e portanto isso significa que considera que o BE não se pode manter à margem da Troika, quer democratizar a UE e portanto defende um federalismo democrático, e quer que o país tenha um rumo, e portanto defende que o BE tenha um programa, e não se baste com «slogans». Daniel Oliveira quer uma união da Esquerda em Portugal e pensa que o Bloco de Esquerda deve agir em conformidade com o seu nome e com a sua matriz inicial: um factor de agregação. No entanto, não tem sido isso que o Bloco tem sido e feito. Portanto, Daniel Oliveira, mantendo-se consequente na sua acção política, sai do partido.

O Bloco devia ler e pensar seriamente sobre a carta que Daniel Oliveira deixou, se quiser atingir os objectivos a que supostamente se propôs aquando da sua fundação. Mas algo me diz que a actual corrente dominante, a tal corrente que se pretende auto-denominar «Socialismo» (era pelos vistos o que faltava ao Bloco, uma corrente de pendência hegemónica chamada «Socialismo»), vai manter a sua linha actual de tratar tudo e todos com desprezo, de nariz no ar, sentando-se num trono de suposta pureza. Com isto, vai ajudar a que o BE se mantenha precisamente onde está. E, por isso, quem quer que não apoie o BE deve agradecer-lhes.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Martelar factos em debates, emigração e outros temas

1. Uma das piores coisas que se pode fazer num debate é martelar factos para encaixar uma determinada narrativa, quer alterando números ou dando factos errados deliberadamente, quer omitindo factos que não interessam à posição que se defende, quer retirando factos do seu contexto, quer comparando coisas que não sejam propriamente comparáveis naqueles termos, quer qualquer outra forma de fazer isto de que eu me esteja neste momento a esquecer. Martelar factos para encaixar uma determinada narrativa de forma deliberada é uma forma de fraude, e a utilização negligente de factos, desenquadrando-os ou apresentando-os de forma enviesada porque simplesmente não se fez o trabalho de casa, também é um problema. Retira legitimidade ao argumento e, portanto, enfraquece-o. Sendo que existindo Internet e comunicação social de massas, factos martelados são, mais tarde ou mais cedo, descobertos e denunciados.

2. Tempos houve em que para emigrar era preciso uma autorização. As pessoas estavam presas no país e não podiam sair sem que o Estado as deixasse. Felizmente, estes tempos são parte do passado, e neste momento é possível emigrar sem autorização. Essa liberdade existe e está garantida por lei. Mais: neste momento temos a União Europeia, com a sua liberdade de circulação de pessoas, além de termos melhores meios de transporte e de comunicações (para encontrar oportunidades, por exemplo).

A emigração é uma forma importante de resolver problemas: ajuda a diminuir o desemprego e a reduzir tensões sociais, por exemplo. Insultar os emigrantes, dizendo que estes «abandonaram o país» (não terá sido o país que os abandonou a eles/elas?), em nada resolve os nossos problemas, e é uma mera manifestação de desrespeito e desprezo por gente que está no seu pleno direito de exercer a sua liberdade como lhe aprouver, e o que está a fazer sem implicar com os direitos dos outros. Além de que substituir impedimentos legais à livre circulação de pessoas por ostracismos sociais soa-me demasiado à velha história das uvas que estavam verdes e que ninguém podia tragar.

Anunciar, em tom épico, que não se pretende emigrar, que se pretende ficar cá em Portugal, como se isto fosse algo de intrinsecamente grandioso ou heróico, não me impressiona particularmente. Também não me parece servir de muito ao país, nem me parece necessariamente mais «patriótico» que escolher emigrar - especialmente se for acompanhado de exigências de que tudo fique na mesma.

Os emigrantes enviam remessas de volta a Portugal e poderão voltar no futuro, com novas ideias para melhorar o país. O diálogo cultural que permitem, bem como a imagem que deixam por onde passam, têm impacto no nosso desenvolvimento e na capacidade que o Estado Português tem de agir internacionalmente. Podem também ser importantes para atrair investimento para Portugal.

Em suma, os emigrantes são pessoas que procuram melhores oportunidades lá fora, porque não as encontram cá dentro. O enfoque devia estar em fomentar que essas oportunidades se encontrem cá dentro, e não em anunciar que não se vai emigrar, ou que os emigrantes «desistiram do país».

3. Um artigo no Forte Apache sobre o pedido do Governo para Portugal ter mais tempo para pagar o empréstimo da «troika» que fala da diferença entre pedir mais tempo para pagar o empréstimo e pedir mais tempo e mais dinheiro para implementar o programa de ajustamento - sendo que o Governo se tem recusado a fazer a segunda, mas está agora a fazer a primeira. Claro que o facto de haver este artigo no Forte Apache e outras breves explicações sobre o tema não vai evitar que se diga trinta por uma linha sobre este tema, porque, como sempre, este Governo não sabe falar em público.

Mais importante e interessante seria se o Governo fosse criticado, e aí muito justamente criticado, em relação aos truques contabilísticos que está a tentar forçar no que toca à concessão do serviço público e à privatização da ANA (ver aqui, aqui e aqui). Estes malabarismos do Governo são um erro crasso, que tem tudo para lhe explodir na cara, prejudicando o país - completamente desnecessariamente - no processo. É um jogo perigoso com as nossas finanças públicas, em que o Governo não as está a consolidar tanto como diz, e depois vai ser forçado a «surpreender» a população, subitamente, com medidas adicionais.

4. Este Governo tem legitimidade para fazer cortes na despesa e reformas ao Estado - foram eleitos a prometer uma consolidação principalmente à base de cortes na despesa, e têm uma agenda reformista prevista no programa de Governo aprovado pela Assembleia da República. De qualquer forma, o relatório de uns técnicos do FMI é o relatório de uns técnicos do FMI - aquilo que é relevante é o relatório e o pacote de medidas que o próprio Governo apresentar. Apenas aí se vai saber o que pretende o Governo fazer em relação à reforma do Estado - e se começar a implementar essas medidas, apenas aí se vai ter a certeza de que o Governo estava a falar a sério.

A constante tentativa de dizer que este Governo não tem legitimidade começou logo após as eleições, e esta nova encarnação é tão convincente como as anteriores. E se o PS decidir continuar o seu jogo de rejeitar cortes estruturais na despesa pública, o Governo deve avançar com os referidos cortes, e tem legitimidade para tal. Seria apenas útil, razoável e sensato que houvesse um acordo mais alargado relativamente a este tema para lhe conferir maior certeza. Mas parece que isso é esperar muito do Governo e do principal partido da Oposição.

5. O BE continua igual a si mesmo, pretendendo dar lições de como ser de Esquerda ao PS e ao PCP. O facto de Francisco Louçã, José Manuel Pureza e João Semedo pretenderem criar uma corrente interna nova chamada «Socialismo» é interessante. Lembra-me o episódio da saída dos militantes que depois vieram a criar o MAS (e que querem uma frente eleitoral MAS-BE-PCP-PS - como primeiro passo para a união das esquerdas, decidiram sair do BE). Lembra-me como o BE é um partido tão bom e tão mau com qualquer outro, em termos de querelas e politiquices internas, apesar das suas veleidades em contrário (que já me pareceram mais pronunciadas).

6. Este Governo tem mandato para alterar o sistema eleitoral, mas ainda não se mexeu nesse sentido. Faz mal. O sistema eleitoral tem impacto na qualidade da democracia, e o nosso sistema eleitoral, excessivamente fechado e que confere demasiado poder às direcções partidárias, é parte do nosso problema, afastando as pessoas do regime democrático em que vivemos. Claro que esta questão seria provavelmente tratada pelo Ministro dos Assuntos Parlamentares. E o Ministro dos Assuntos Parlamentares está demasiado ocupado a não fazer uma verdadeira reforma do Poder Local e a não privatizar a RTP nos moldes que tinha sido prometido.

7. O Governo, além de não saber falar em público, com a sua má estratégia de comunicação a servir constantemente de empecilho, não parece funcionar como uma equipa coesa, e expõe demais o Primeiro Ministro e o Ministro das Finanças, o que é uma má ideia, desgastando constantemente figuras que não se podem desgastar mediaticamente da forma que o fazem. No sistema português, seria geralmente o Ministro dos Assuntos Parlamentares a tratar desta relação com a opinião pública, penso eu. Mas o Ministro dos Assuntos Parlamentares actual não tem a capacidade de cumprir essa função, e também não parece cumprir uma função de coordenação política do Governo. Aliás, uma pessoa pergunta-se quem é que verdadeiramente cumpre essa função de coordenação política do Governo, que não parece muito oleada (para usar um eufemismo), e que tão importante é para que este tenha uma actuação eficaz.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Pacto de Regime - Refundar a República

Passos Coelho vai convidar o PS a juntar-se ao PSD e ao CDS-PP naquilo a que eu chamaria um Pacto de Regime. Ao fim de mais de um ano de Governo, parece que vai começar, a sério, a ser discutida uma revisão de alto a baixo do Estado e das suas funções, incluindo uma possível revisão constitucional. A meu ver, se quisermos mesmo fazer uma revisão, então a Constituição vai necessariamente ter de ser alterada.

Para a Constituição ser alterada, 2/3 da Assembleia da República vai ter de acordar nas alterações. Como de BE, PCP e PEV não podemos esperar senão uma vontade de regressar ao PREC, restam PSD, CDS-PP e PS a forçosamente terem de entender-se relativamente a uma revisão de fundo da Constituição, no sentido de «refundar», não o Memorando da Troika, mas a própria República, repensando os poderes do Estado tendo em conta o novo contexto europeu e global em que Portugal se insere.

O Pacto de Regime tendente à criação de um programa de reestruturação do Estado é fundamental para uma consolidação orçamental bem feita. Apenas sabendo o que se quer e o que não se quer se podem fazer escolhas claras relativamente ao que cortar, ao que manter e ao que aumentar. Apenas assim poderemos reformular o nosso Estado e dar-lhe uma maior capacidade de se gerir a si próprio - e quem diz Estado, diz também o Poder Local, sendo a discussão sobre a reforma do Estado a altura perfeita para fazer também uma verdadeira reforma do Poder Local, no sentido de uma maior descentralização do poder político em Portugal.

Portugal, tal como a UE, encontra-se numa encruzilhada. Não é apenas o seu modelo de desenvolvimento económico que se encontra em crise. As suas instituições políticas também se encontram em crise, confrontadas com enorme desconfiança dos cidadãos. Temos um sistema político fechado e uma classe política também fechada sobre si mesma. A sociedade civil tem ainda pouca força, e devia ter muito mais. Os partidos políticos têm poucos incentivos a verdadeiramente ouvir quem está fora dos partidos. E os cidadãos sentem-se afastados da política e dos debates públicos que vamos tendo.

Ao mesmo tempo, a Constituição contém ainda um vasto conjunto de normas programáticas e económicas que, nunca tendo sido adequadas à realidade, ainda menos o são hoje em dia. Temos artigos sobre artigos que prevêem que o Estado seja responsável por tudo e mais alguma coisa, desde a garantia de casas com um conjunto alargado de características bem definido até ao desenvolvimento (por parte do Estado, note-se) de uma rede de centros de repouso e de férias. A sustentabilidade financeira do Estado, a justiça entre gerações, nada disto é particularmente relevado a nível constitucional, ao lado de temas tratados com a minúcia das abstracções.

Mais do que refundar um memorando de entendimento com credores internacionais, é fundamental debater a refundação da nossa República, do nosso Estado de Direito e da nossa Democracia em moldes mais razoáveis e adequados. É preciso repensar o Estado e ter um debate público alargado e sério sobre estes temas, que envolva a sociedade civil em geral, além dos partidos políticos. Um debate público que nunca se teve, verdadeiramente, em Portugal, tal como nunca se discutiu em Portugal, verdadeiramente, que «tendencialmente gratuito» não significa que os serviços públicos não sejam pagos com os nossos impostos (ou com dívida pública).

O debate terá lugar, sem dúvida, num plano inclinado. Quem defenda maior força para a sociedade civil e uma Constituição menos programática não vai ter vida fácil. No entanto, do novo consenso pode, apesar de tudo, surgir uma Constituição mais racional, mais preocupada em definir as bases do sistema e em deixar espaço para diferentes propostas de modelo de desenvolvimento que em definir tudo à mais absoluta minudência. Isso será possível se PSD, CDS-PP e PS conseguirem, em conjunto, decidir que está na altura de, de facto, mudarmos a nossa Constituição. Em particular, se o PS decidir que quer ser um partido responsável da Esquerda moderna ou se quer abraçar, demagogicamente, aos amanhãs que cantam de 1976.

Esta crise é o momento de discutirmos seriamente que Estado queremos. O Estado que temos está essencialmente insolvente, e é o momento de definir qual o seu futuro. Chegou o momento de abrir a nossa Economia e o nosso Sistema Político. De reforçar o poder do Parlamento. De descentralizar e reforçar a autonomia e a responsabilidade perante os eleitores do Poder Local.

Não, o resultado das discussões entre o PSD, o CDS-PP e o PS, se existirem, não vai ser a minha Constituição ideal. Mas eu não espero uma Constituição ideal. Espero uma Constituição melhor que temos, mais desempoeirada, e mais adequada aos novos tempos. E isso sim, é possível. Assim os três principais partidos, pressionados pela sociedade civil, decidam aproveitar a oportunidade e agir de forma responsável.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Amanhã temos moções de censura

BE e PCP não conseguiram entender-se para conseguir um texto único para apresentarem uma moção de censura conjunta.

O PS, um alvo destas moções de censura, vai abster-se nas referidas moções de censura, para poder dissociar-se quer do Governo, quer do PCP e do BE.

E dá-se mais um passo para banalizar as moções de censura. Que se tornam um mero instrumento num jogo mediático para aparecer na TV, sem grande conteúdo substantivo.

A abstenção do PS pouco ou nada significa que já não se soubesse. As moções de censura separadas mostram que o BE e o PCP não se entendem. E toda a situação mostra que o PCP, o BE e o PS continuam na mesma em relação uns aos outros.

Toda esta situação foi e vai ser uma afirmação do «status quo» na Esquerda portuguesa que já toda a gente está farta de conhecer.

Entretanto, no Parlamento, durante os debates, o Governo vai ser atacado pela Oposição. Porque aumentou impostos. Porque não cortou na despesa. E o PS vai continuar sem programa, e o PCP e o BE com os mesmos programas de sempre.

E pronto. Amanhã, temos moções de censura. Que não significam nada. E vão deixar tudo na mesma.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Coisas Várias

1. Todas as pessoas que se manifestaram, e manifestam, pacificamente mostraram, e mostram, a democracia a funcionar, a liberdade de expressão e manifestação a funcionar. Todas aquelas que decidiram recorrer à violência mostraram a sua falta de respeito pelos outros manifestantes e pela própria democracia.

2. Clamar por uma remodelação governamental não é apresentar soluções, especialmente ao fim de pouco menos de um ano. Os Ministros demoram tempo a aprender a ser Ministros, como toda a gente demora tempo a aprender uma nova função. Mudar e começar de novo, mesmo com alguém com experiência prévia, deve acontecer quando há um caso extremo que leve à necessidade clara de haver uma demissão, ou ao fim de mais tempo do que um ano e pouco - principalmente em tempo de crise.

3. Clamar por um governo de salvação nacional sem Passos Coelho como Primeiro Ministro é ignorar que o Governo mantém uma maioria parlamentar, ignorar que essa maioria parlamentar vem de eleições, ignorar que o PS já disse que só participava num novo governo com eleições e ignorar que o novo Governo teria de conseguir garantir uma maioria parlamentar sabe-se lá como. Mais importante do que a mão cheia de nada que é esta proposta seriam verdadeiras propostas concretas de políticas públicas implementáveis para ajudar o país a sair da crise.

4. Manuela Ferreira Leite não fez nada enquanto Ministra das Finanças. Enquanto Secretária-Geral do PSD, dizia que estava tudo mal, mas depois apresentava o total vazio. Como aliás continua a fazer. De Manuela Ferreira Leite, como aliás do seu aliado José Pacheco Pereira, não se pode esperar que tenham e dêem ideias que vão para além de dizer mal e brincar aos Governos e remodelações (aqui, Pacheco Pereira é exímio). António Capucho, por seu turno, também não apresenta ideias. E isto pura e simplesmente não é suficiente. Nunca foi. Nunca será. E, em especial, é-o ainda menos hoje em dia.

5. António José Seguro continua sem programa. Agora que vamos ter mais um ano, ficou sem o único «soundbyte». A sua moção de censura terá valor simbólico - será um bom símbolo para o total vazio que é neste momento o PS sob a sua liderança. É por estas e por outras que cada vez mais gostaria de ver as moções de censura construtivas constitucionalizadas. Ou seja - quem quisesse apresentar uma moção de censura teria de apresentar obrigatoriamente uma alternativa de governo. Para deixarmos de brincar às moções de censura.

6. João Semedo continua, na senda de Louçã, a pedir ao PS que se divida, a pedir ao PCP que se refunde, e que todos se juntem ao BE, enquadrados nas políticas do BE, de acordo com o que prefere o BE. O BE continuará, portanto, sob uma liderança de João Semedo, na mesma: a arrogar-se a verdadeira consciência da Esquerda. (E já agora - um bem haja às pessoas do BE que estão a demonstrar que existe alguma democracia dentro daquele partido, depois da tentativa de Francisco Louçã apresentar a sua proposta como quase que proposta única...)

7. O Primeiro Ministero não devia ter anunciado a medida relativa à TSU desenquadrada da forma que o fez. A medida devia ter sido apresentada devidamente enquadrada, uns dias mais tarde.

8. Enquanto a Oposição em Portugal continuar a enjeitar apresentar alternativas, as manifestações continuarão a ser inorgânicas. Veremos o que sai do Congresso Democrático das Alternativas. Provavelmente muito pouco, economicamente falando, com que eu me identifique. Mas gostaria, sinceramente, que surgisse um verdadeiro programa, com políticas concretas, que fosse possível contrapor ao actual e resultar em projectos de lei e até orçamentos sombra. É que a partir daí seria possível haver um debate bem mais interessante do que tem havido agora. E a democracia vive dos debates públicos.

9. Voltando por momento às remodelações governamentais, este artigo trata a remodelação como se fosse um jogo. Atira uns nomes para o ar. "Começa falar-se" e tal. E subitamente, ficamos a falar de remodelações governamentais, em vez de políticas substantivas.

10. As guerrinhas entre PSD e CDS-PP foram ridículas, absurdas e, para mim, quem ficou pior na fotografia (ninguém ficou, obviamente, "bem" na fotografia) foi o CDS-PP e o seu líder, Paulo Portas, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Se aceitou a medida de descida da TSU, aceitou a medida de descida da TSU. No Governo, há responsabilidade colectiva. Paulo Portas é membro do Governo. Enquanto tal, não tem opinião pessoal e partidária pública. Se não gosta dessas amarras, tem de se demitir. Caso contrário, defende as posições do Governo. A escolha é dele. A escolha que fez, de querer ter as duas coisas, estar fora e dentro do Governo, não dá. E comigo, então, não funciona mesmo nada bem.

11. O Governo precisa de coordenação política. O Conselho de Coordenação Política (ou lá como se chama) criado já devia existir. Aliás, temos um Ministro dos Assuntos Parlamentares e temos um Secretário de Estado da Presidência, que deviam servir para isto já. Convém que façam o seu trabalho. E, agora, que o tal Conselho faça alguma coisa. Para ver se evitamos cenas tristes como as recentes. Já nos basta termos uma crise económica e financeira grave. Não precisamos de politiquices de comadres no Governo para piorar ainda mais as coisas.

domingo, 17 de junho de 2012

Moção de censura, eleições na França e na Grécia

1. A moção de censura do PCP não serve para deitar abaixo o Governo, que dispõe de maioria sólida no Parlamento. A moção de censura é uma forma de conseguir cobertura mediática e surgir na comunicação social num contexto em que a CDU e o BE aparecem com 9% nas sondagens e o PS não "dispara" nas sondagens. A moção de censura do PCP serve para marcar posição à esquerda. O BE poderá ou não aderir, e o PS será «colado» à austeridade «de direita» por não votar a favor.

2. A maioria absoluta do Partido Socialista em França vem acompanhada de uma proposta de um enorme programa de investimento público infra-estrutural (120 mil milhões de euros) a nível europeu da parte de François Hollande. Porque, como se sabe, a União Europeia tem falta de infra-estruturas. E os problemas do desemprego jovem a nível europeu são de alguma forma resolvidos criando empregos de curto prazo em projectos provavelmente financiados com «project bonds» (leia-se, «dívida mutualizada para aqueles projectos»). O investimento público em biotecnologia - despejar dinheiro público num sector não é o mesmo que ter um sector sustentável, inovador e competitivo. Mais importantes seriam propostas de criação de uma verdadeira democracia transnacional, federal, a nível europeu - isso sim, seria uma verdadeira pedrada no charco.

3. A vitória da Nova Democracia na Grécia não me deixa felicíssimo (já aqui deixei a minha opinião sobre a Nova Democracia), mas apesar de tudo é preferível a uma vitória do Syriza. Infelizmente, já temos teatro: o PASOK quer um governo de unidade nacional que inclua Syriza (que já disse que iria ser Oposição) e o Esquerda Democrática (Dimar). Ou o PASOK deixa cair a ideia de que o Syriza tem de estar no Governo e aceita uma coligação ND-PASOK-Dimar, ou então ainda acabamos com um Governo de minoria do Nova Democracia na Grécia. Com todas as consequências negativas, e riscos, que um Governo de minoria num contexto de crise poderá ter. Mas agora, é preciso esperar por novos desenvolvimentos. Amanhã é um novo dia. Amanhã saberemos mais.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Brincar aos Tribunais Constitucionais

O Orçamento do Estado para 2012 vai mesmo para o Tribunal Constitucional. De forma incoerente com a sua abstenção, um conjunto de deputados do PS decidiram coligar-se com o Bloco de Esquerda (e parece que o PCP poderá «entrar» no futuro), desafiar a liderança de António José Seguro (que neste momento, curiosamente, acha que devemos ligar ao que dizem as agências de notação financeira) e preparar o envio do Orçamento para o referido Tribunal.

Já aqui deixei bem clara a minha opinião sobre este tema. Essa opinião mantém-se. O envio do Orçamento para o Tribunal Constitucional é um erro. Fazer jogos políticos com o Orçamento desta forma é uma irresponsabilidade apenas possível para quem ainda não percebeu um ponto importante no meio de toda esta confusão: não temos dinheiro. E não tendo dinheiro, é preciso fazer cortes.

Sendo preciso fazer cortes, os cortes vão ter de incidir onde os gastos são maiores, dado que não basta cortar onde são menores para as contas de tornarem sustentáveis. E gasta-se muito dinheiro com pessoal na Função Pública. Sendo extremamente complicado despedir funcionários públicos (sendo que seria necessário pagar uma indemnização em caso de despedimento, o que seria uma despesa extra no curto prazo, numa altura em que temos metas de défice apertadas), não tendo quaisquer reformas estruturais resultados imediatos (a serem feitas), resta cortar nos salários dos funcionários públicos.

Esse corte não é um imposto especial sobre funcionários públicos - é um corte salarial que o Governo diz ser temporário.  E não é iníquo, dado que o sector privado já tem sentido a crise, incluindo despedimentos, insolvências e cortes de salários (mesmo que encapotados de alguma forma). Sendo que estamos no meio de uma crise financeira em que o Estado está a tentar pôr as contas públicas na ordem e reestruturar-se (esperemos, pelo menos), pelo que não se pode pura e simplesmente invocar o ubíquo princípio do não retrocesso social.

Falo sobre o tema dos cortes dos salários porque imagino que seja um dos temas preponderantes sobre os quais o Tribunal Constitucional vai ter de decidir, imagino que não declarando a medida inconstitucional. Caso declare esta medida inconstitucional, então vamos conseguir tornar o nosso problema ainda pior, e os despedimentos na Função Pública serão uma inevitabilidade ainda maior do que já são.

A parte irónica de todo este debate é que os cortes incidem sistematicamente sobre os que mais ganham na Função Pública, mas nunca tocam nos que ganham menos. Ora, é precisamente nos salários mais baixos que se encontra o maior prémio por se trabalhar na Função Pública e não no sector privado. Ou seja, os cortes de salários que andam a ser feitos são, de facto, bastante cegos, e demonstram como o Estado tem uma incapacidade imensa para se gerir de forma eficiente e, com isso, criar condições para atrair os melhores (mudando, evidentemente, os critérios de selecção de altos cargos para concursos públicos).

Mas o facto do Estado não ter capacidade de se gerir de forma eficiente, e portanto do nosso dinheiro, pago através de impostos, ser dificilmente gerido de forma eficiente, não é grande tema de debate. Basta aliás ver o que acontece com o debate sobre a situação financeira terrível no Sistema Nacional de Saúde: alguém que diga que os orçamentos na Saúde também são para cumprir, sob pena do sistema se tornar insustentável, é de imediato insultado (e quem quer que se atreva a propor modelos diferentes de provisão de cuidados de saúde é também de imediato acusado de ser fascista).

Em Portugal, vários dos nossos deputados pensam que brincar aos Tribunais Constitucionais, ou a leis risíveis sobre taxas são uma boa maneira de passar o tempo.

No fim, claro, quem paga somos nós.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Contra preços máximos para combustíveis fósseis

Uma externalidade negativa consiste na capacidade que alguém tem de tomar uma decisão sem pagar o custo total dessa decisão, por passar parte desse custo para um terceiro, sendo que essa passagem não é feita de forma voluntária. Sem intervenção externa, o terceiro ou se suportaria o custo, ou teria de pagar ele para lidar com esse custo. Ora, ninguém tem o direito de forçar os custos das suas decisões sobre terceiros.

O Estado tem um papel regulador no que toca a externalidades negativas, através de medidas que visam a internalização dos custos por parte de quem toma decisões com esse tipo de externalidades. Um exemplo típico de externalidade negativa é a poluição. Um exemplo de poluição é a poluição produzida por automóveis com motores de combustão que usam combustíveis fósseis. Outro exemplo é a emissão de dióxido de carbono por parte de fábricas.

Sem entrar na questão de causas humanas para o aquecimento global, a poluição deste tipo tem efeitos nefastos ao nível da saúde, causando, por exemplo, doenças respiratórias várias. 

O Bloco de Esquerda, que se diz muito progressista e, imagina-se, ambientalista, tem sistematicamente proposto a imposição de preços máximos para combustíveis fósseis. Uma proposta assente na noção de que temos que ajudar os pobres - neste caso, os «pobres» que tenham pelo menos um automóvel, que não considerem ter alternativa ao dito automóvel, e que não tenham a capacidade de se adaptar a aumentos no preço da gasolina ou do gasóleo (por exemplo, através de car-pooling). 

Os preços máximos do BE traduzir-se-iam num incentivo a poluir, e tornariam os combustíveis fósseis mais apelativos face à utilização de tecnologias alternativas, menos poluentes. Trocado por miúdos, a proposta do BE constituiria um verdadeiro incentivo à poluição.

Além disso, a medida do BE constituiria um incentivo a continuar a apostar-se na mobilidade, e não na acessibilidade. O resultado dos incentivos à mobilidade são a desertificação dos centros das cidades, a poluição, e gastos desnecessários de energia, entre outros. 

Já para não falar que o BE acoplaria a esta sua proposta a nacionalização completa da GALP. Em vez de criar condições para que a GALP deixe de ter o monopólio que hoje tem, quereria nacionalizar esse monopólio, numa lógica soberanista e proteccionista. Os preços máximos teriam efeito ao nível da rentabilidade desta GALP pública, com os resultados conhecidos.

A medida teria também como efeito provável o fomento de um mercado negro de combustíveis fósseis. Esse mercado surgiria para que quem quisesse comprar gasolina e gasóleo, mas não tivesse acesso devido às restrições à produção impostas pela restrição de preço, tivesse acesso a gasolina e gasóleo. Para o pessoal da fronteira que tivesse este problema, provavelmente limitar-se-ia a ir a Espanha (a não ser que Espanha aplicasse medida parecida).

Em suma, os preços máximos para combustíveis fósseis são uma medida demagógica, com importantes e inaceitáveis custos sociais e ambientais. Ao propô-los, o BE define-se, não como um partido progressista e ambientalista, mas como um partido populista. E a lógica soberanista inerente à nacionalização da GALP apenas serve para sublinhar esse epíteto. 

quarta-feira, 29 de junho de 2011

BE e PCP criticam Programa de Governo

BE e PCP já criticaram o programa de Governo.

O BE, através de João Semedo, continua com a cantiga de que o PSD e o CDS-PP esconderam os seus programas durante a campanha. Uma cantiga que soa a falso, tendo em conta que o PSD sempre foi claro na sua mensagem de apoio ao programa da Troika, que já o projecto de revisão constitucional do PSD apontava nesse sentido, e que toda a campanha foi passada com o BE, o PCP e o próprio PS a dizer que o PSD era «ultraliberal». Portanto, seria útil que essa cantiga, que na prática passa um atestado de imbecilidade aos votantes, fosse rapidamente ultrapassada.

De resto, tanto o BE como o PCP dizem que o programa é terrível, que não gostam dele, que vai causar do fim deste mundo e do próximo. Surpreenderia se dissessem algo de diferente.

A ver vamos como vai ser a contestação social ao novo programa do Governo, organizada por partidos políticos, por sindicatos, ou pela sociedade civil. Não nos esqueçamos que este Governo é formado por dois partidos que assinaram o Memorando de Entendimento, e que o PSD tornou claro que ia ser «mais troikista que a troika», mesmo durante as eleições, e que isso não os impediu de terem maioria parlamentar.

A ver vamos, também, se o PS vai agir de forma responsável, em vez de se tentar distanciar do Programa da Troika que o seu Governo negociou e assinou, numa assoma de populismo que seria ruinosa. Imagino que o PS se afastará o mais possível, e criticará o mais possível, toda e qualquer medida do Programa de Governo que não seja directamente levantada do Memorando de Entendimento. Mas as coisas tornam-se mais bicudas no que toca a medidas que sejam directamente levantadas desse Memorando. O PS também se comprometeu com essas medidas antes e durante as eleições. Portanto, é bom que seja consequente agora, independentemente de quem seja o seu novo Secretário-Geral.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Acordos com a «Troika» (I)

Tive a oportunidade de assistir a uma intervenção do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, no Sábado passado. Dizia este que não morria de amores pelo acordo entre a «Troika» e o Governo, em parte por não ter em conta as «especificidades» do país, e limitar-se a aplicar uma «receita» genérica e pré-fabricada.

Com este género de afirmações, Marcelo Rebelo de Sousa continua parte do problema, e não da solução. Pode perfeitamente discordar daquilo que está no acordo, e está, claro, no seu direito de o afirmar convicta e publicamente. Pode ter dúvidas sobre a exequibilidade do acordo neste contexto político difícil. Mas qual a alternativa que apresenta? Nenhuma. Aliás, o próprio Marcelo Rebelo de Sousa e seus apaniguados no PSD são muito responsáveis pelo actual estado de coisas, mentores que são também do modelo de desenvolvimento que o país tem tido em democracia.

O Bloco de Esquerda, entretanto, lá inventou um «Fundo Nacional» para pagar a dívida. Em conjunto com o PCP, defende que o modelo de desenvolvimento assente quase exclusivamente em investimento público não foi longe o suficiente, e que o que é necessário é continuar a despejar dinheiro público na Economia para «criar emprego» (que é visto como um fim em si mesmo) e «promover a produção nacional». Vai buscar dinheiro a «impostos sobre as grandes fortunas» e aos «bancos»  para manter, na essência, um modelo de desenvolvimento que difere do actual na medida em que o Estado assume papel ainda mais preponderante.

Mas o pensamento económico do BE e do PCP não é tão «progressista» como se apresenta. Numa altura em que se discute o desenvolvimento económico como algo de mais abrangente que o simples crescimento do PIB, e numa altura em que é necessário que nos unamos para continuar a promover a tolerância e o entendimento internacionais, eis que nos surgem partidos (ditos de «esquerda») com um discurso assente no nacionalismo e numa visão redutora da Economia, em que os empregos não são vistos como meios, mas como fins em si mesmos. Onde está o internacionalismo que já caracterizou a Esquerda? No discurso do PCP e do BE, em lado nenhum.

Os acordos com a «Troika» representam um novo modelo de desenvolvimento para Portugal, e daí causarem tantos anti-corpos entre os mentores do actual modelo, e os defensores de que ele deve ser reforçado. Os acordos não são o PEC IV, e não assentam nas medidas conjunturais relativas ao Orçamento de que tanto se fala. Os acordos assentam em medias estruturais, num pacote de medidas abrangente que, implementado, aplicaria em Portugal as célebres reformas estruturais que temos vindo a prometer repetidamente, sem nunca, no entanto, as cumprir.

(É uma pena ter sido necessária uma intervenção externa para que estas medidas ficassem em cima da mesa, mas já me dou por satisfeito por elas agora estarem em cima da mesa, e não apenas descritas, de forma muito abstracta, em documentação vária. Nunca se passava das palavras às acções, mas agora teremos de o fazer.)

O modelo de desenvolvimento subjacente ao acordo assenta no fortalecimento do Estado Regulador, na dinamização do sector privado, e na reforma dos serviços públicos de Saúde, Educação e Segurança Social. As medidas orçamentais que lá se encontram são conjunturais, e devem ser compreendidas como parte de um todo: colocar as finanças públicas portuguesas numa situação em que deixem de ser um entrave ao desenvolvimento económico.

Os acordos com a «Troika» e o empréstimo que com eles vem (que tem condições bem melhores que as esperadas) constituem uma oportunidade única de mudarmos o país, implementando um novo modelo de desenvolvimento económico. Vai ser difícil, até muito difícil, porque o acordo é exigente, mas é uma oportunidade que não podemos perder.

Está na altura de mudar o país.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Eleições (II)

Pareceu-me um discurso eleitoral, não uma mensagem do Primeiro Ministro ao país, aquilo a que assisti ontem à noite antes de jantar.

A narrativa eleitoral do PS vai assentar, em parte, no facto das medidas agora negociadas serem o PEC IV «mais umas quantas medidas», e que se podia perfeitamente ter prevenido estas medidas extra se o Governo não tivesse caído, se a Oposição não tivesse sede pelo poder.

Falou-se muito de medidas que não estavam no pacote de medidas aprovadas, como parte da narrativa do PS enquanto defensor do Estado Social. Mas sobre medidas concretas e, verdadeiramente, sobre as linhas gerais daquilo que foi aprovado, pouco ou nada se disse.

Ontem ficámos a conhecer melhor a retórica de campanha do PS para as próximas eleições. Falta conhecer as medidas que foram negociadas e com as quais vamos viver nos próximos 3 anos. 

Não nos podemos esquecer que essas medidas têm de ter um entendimento alargado. Ou seja, aceitando o PSD e o CDS-PP estas medidas, logo irá o PS dizer que cá estão eles a apoiar o PEC IV «mais umas quantas medidas». Tudo parte da campanha eleitoral, claro está.

Fazer um discurso que só pode ser considerado discurso de campanha no momento em que se anuncia ao país (supostamente) as «linhas gerais» das medidas aprovadas não pode ser considerado aceitável. Não é admissível pensar apenas na táctica política pura relativa a eleições num momento como este.


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Por falar em táctica política, claramente a aposta em Fernando Nobre correu muito mal ao PSD.

A mim não me choca que ele entre nas listas do PSD para entrar na Assembleia da República, dado que presentemente apenas poderia entrar na Assembleia da República nas listas de um partido. Fê-lo pelo PSD como o poderia ter feito por outro partido, dado que não se encontra filiado em nenhum deles.

Agora, fazê-lo com o pressuposto de ser eleito Presidente da Assembleia da República já tem que se lhe diga. O Presidente da Assembleia da República modera debates, dirige trabalhos da Assembleia da República, e é a segunda figura do Estado, mas não é propriamente nessas funções que se vão propor soluções concretas para o país. 

Se Fernando Nobre aceitou pensando que essa posição lhe daria estatuto para criar soluções, demonstrou que não conhece a função a que se propõe, e uma enorme falta de preparação política. Se aceitou apenas por ter a hipótese de ser a segunda figura do Estado e ele não ter conseguido a ser a primeira, então dispensam-se comentários. (Tendo a acreditar numa mistura das duas.)

Não faz sentido uma pessoa que nunca foi deputada nem tem grande experiência parlamentar e política ser Presidente da AR, especialmente quando demonstra a falta de preparação que Fernando Nobre tem demonstrado. Faz sentido que o Presidente da AR seja uma pessoa com experiência parlamentar alargada, eminentemente consensual e pragmática, capaz de moderar de forma diligente os debates da Assembleia, bem como dirigir os trabalhos da mesma.

Fernando Nobre, com as atitudes que tem tomado, antagonizou muita gente (incluindo muitos, mas mesmo muitos, dos seus apoiantes). Não tem qualquer experiência política nem parlamentar. Como pretende, de facto, exercer o cargo de Presidente da AR?

Não contente com a questão de ser candidato a Presidente da AR ser ser problemática pelos motivos já apontados, Fernando Nobre torna-a ainda mais problemática ao dizer que renunciaria ao mandato de deputado caso não ganhasse a eleição para Presidente. Demonstra com isto arrogância e uma total falta de respeito para com a Assembleia da República que se propõe presidir e para com os cidadãos em geral.

Entretanto, já se procurou retratar, dizendo que, afinal, não renunciaria ao mandato de deputado.

Não foi suficiente, no entanto. Porque Fernando Nobre disse ainda que aceitou integrar as listas sem conhecer o programa do PSD, porque gosta pessoalmente do actual líder desse partido. Ora, Fernando Nobre poderia ter inquirido relativamente ao programa do PSD, e aliás poderia ter tentado influenciar o programa do PSD. Não o fez. Não o fez porque, parece-me, não tem, verdadeiramente, um projecto para o país. Pelo que lhe seria impossível influenciar o que fosse.

Ou seja, Fernando Nobre não conseguiu cristalizar o apoio que conseguiu nas presidenciais em algo de concreto. Nem sequer tentou. Vai entrar para a Assembleia da República a reboque do PSD, mas não vai representar o valor acrescentado que eu cheguei a pensar que ele poderia representar. Ao mesmo tempo, deu um murro no estômago, com as atitudes que tomou, a quem promove uma cidadania activa.

Uma enorme, mesmo enorme, desilusão.

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O dia das eleições aproxima-se e o PS sobe, enquanto o PSD desce nas sondagens. Outro dia diziam-me que, depois das eleições, nos arriscávamos a ver vários vôos de politólogos que quereriam estudar como é que Pedro Passos Coelho teria conseguido perder estas eleições.

Estamos em recessão. O FMI e o FEEF vão intervir. Do lado do PS e do Governo, tudo se resume ao Primeiro Ministro, José Sócrates, no cargo há seis anos e sujeito a vários escândalos pessoais. O PS não cumpriu as promessas que fez em 2009. E no entanto, o PSD não consegue descolar.

Ajuda que o CDS-PP tenha, nas sondagens, números bastante razoáveis. Ajuda que José Sócrates saiba muito bem fazer campanha. Mas também ajuda não se conhecer qual é a alternativa que o PSD propõe, e o facto de Pedro Passos Coelho se ter colado à imagem que de José Sócrates de tal maneira, que muitos o vêem como uma versão PSD do que já temos agora.

Finalmente, aquilo que ajuda menos é o facto de todos os partidos serem responsáveis pela situação actual, não apenas o PS por estar no Governo. Todos os partidos actualmente representados no Parlamento partilham responsabilidade pelo que está a acontecer, mesmo os que nunca foram Governo. É que ser parte da Oposição também acarreta responsabilidades, e demasiadas vezes, a Oposição não as tem levado a sério.

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Um bom exemplo de como a Oposição não leva a sério as suas responsabilidades é a forma como o PCP, os Verdes e o BE se recusaram a encontrar-se com a «troika». Os eleitores, simpatizantes e mesmo militantes destes partidos não foram, portanto, representados nas negociações. E não foram representados por mera táctica política pura, por causa de uma narrativa destes partidos que se pretendem afirmar como «contra-poder» (ao mesmo tempo que falam em «Governos de Esquerda» e outras coisas do género).

Não seria capitulação nenhuma participar nas negociações. Seria, sim, cumprir o dever de representar quem se revê nas propostas daqueles partidos nas negociações com entidades das quais, diga-se de passagem, Portugal é membro. (Não colhem conversas de que «o FMI não tem soberania» e similares, que aliás de progressistas nada têm.)

Estes três partidos, ao tomarem esta atitude, desrespeitaram os cidadãos que neles se revêem, e deles esperam representação adequada e activa. Não levaram a voz desses cidadãos às mesas de negociações, como deveriam ter feito. Desresponsabilizaram-se. Lavaram dali as mãos. E agem como se o mero facto de não terem estado no Governo lhes retirasse toda e qualquer responsabilidade pela situação actual.

Esta desresponsabilização constante por parte destes partidos, e de todos os outros, em nada ajuda a nossa democracia. É tempo dos nossos políticos assumirem responsabilidades. Mas para que isso aconteça, temos que lhes exigir responsabilidades.

É por isso que o Cousas Liberaes apela ao voto em consciência nas próximas eleições, e na participação activa dos cidadãos na nossa democracia. Porque também nós não nos podemos desresponsabilizar.