O Orçamento do Estado para 2012 vai mesmo para o Tribunal Constitucional. De forma incoerente com a sua abstenção, um conjunto de deputados do PS decidiram coligar-se com o Bloco de Esquerda (e parece que o PCP poderá «entrar» no futuro), desafiar a liderança de António José Seguro (que neste momento, curiosamente, acha que devemos ligar ao que dizem as agências de notação financeira) e preparar o envio do Orçamento para o referido Tribunal.
Já aqui deixei bem clara a minha opinião sobre este tema. Essa opinião mantém-se. O envio do Orçamento para o Tribunal Constitucional é um erro. Fazer jogos políticos com o Orçamento desta forma é uma irresponsabilidade apenas possível para quem ainda não percebeu um ponto importante no meio de toda esta confusão: não temos dinheiro. E não tendo dinheiro, é preciso fazer cortes.
Sendo preciso fazer cortes, os cortes vão ter de incidir onde os gastos são maiores, dado que não basta cortar onde são menores para as contas de tornarem sustentáveis. E gasta-se muito dinheiro com pessoal na Função Pública. Sendo extremamente complicado despedir funcionários públicos (sendo que seria necessário pagar uma indemnização em caso de despedimento, o que seria uma despesa extra no curto prazo, numa altura em que temos metas de défice apertadas), não tendo quaisquer reformas estruturais resultados imediatos (a serem feitas), resta cortar nos salários dos funcionários públicos.
Esse corte não é um imposto especial sobre funcionários públicos - é um corte salarial que o Governo diz ser temporário. E não é iníquo, dado que o sector privado já tem sentido a crise, incluindo despedimentos, insolvências e cortes de salários (mesmo que encapotados de alguma forma). Sendo que estamos no meio de uma crise financeira em que o Estado está a tentar pôr as contas públicas na ordem e reestruturar-se (esperemos, pelo menos), pelo que não se pode pura e simplesmente invocar o ubíquo princípio do não retrocesso social.
Falo sobre o tema dos cortes dos salários porque imagino que seja um dos temas preponderantes sobre os quais o Tribunal Constitucional vai ter de decidir, imagino que não declarando a medida inconstitucional. Caso declare esta medida inconstitucional, então vamos conseguir tornar o nosso problema ainda pior, e os despedimentos na Função Pública serão uma inevitabilidade ainda maior do que já são.
A parte irónica de todo este debate é que os cortes incidem sistematicamente sobre os que mais ganham na Função Pública, mas nunca tocam nos que ganham menos. Ora, é precisamente nos salários mais baixos que se encontra o maior prémio por se trabalhar na Função Pública e não no sector privado. Ou seja, os cortes de salários que andam a ser feitos são, de facto, bastante cegos, e demonstram como o Estado tem uma incapacidade imensa para se gerir de forma eficiente e, com isso, criar condições para atrair os melhores (mudando, evidentemente, os critérios de selecção de altos cargos para concursos públicos).
Mas o facto do Estado não ter capacidade de se gerir de forma eficiente, e portanto do nosso dinheiro, pago através de impostos, ser dificilmente gerido de forma eficiente, não é grande tema de debate. Basta aliás ver o que acontece com o debate sobre a situação financeira terrível no Sistema Nacional de Saúde: alguém que diga que os orçamentos na Saúde também são para cumprir, sob pena do sistema se tornar insustentável, é de imediato insultado (e quem quer que se atreva a propor modelos diferentes de provisão de cuidados de saúde é também de imediato acusado de ser fascista).
Em Portugal, vários dos nossos deputados pensam que brincar aos Tribunais Constitucionais, ou a leis risíveis sobre taxas são uma boa maneira de passar o tempo.
No fim, claro, quem paga somos nós.
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