terça-feira, 26 de julho de 2011

Tratamento de Informação na Comunicação Social

A comunicação social tem um papel determinante na disseminação de informação pela comunidade. As opiniões de milhões de pessoas sobre os vários eventos são moldadas pela forma como esses eventos são apresentados em jornais, na televisão, na rádio e noutros «media». Assim, o rigor e a forma como a informação é apresentada tornam-se particularmente relevantes, dado que a percepção de uma fatia importante da população vai ser afectada pela forma como o tema é tratado.

Claro que é impossível captar a realidade como tal numa notícia. Será possível transmitir, através dessa notícia, uma percepção dessa mesma realidade. Essa percepção traduz-se na selecção dos elementos apreendidos que se vai procurar transmitir através da notícia. Dada a relevância deste processo, há regras deontológicas sobre o mesmo. Aliás, essas regras deontológicas incidem também sobre, por exemplo, o tratamento das fontes de informação, sobre a presunção de inocência, e sobre outros aspectos relativos ao tratamento da informação.

A percepção da realidade é, por inerência, subjectiva, condicionada pelo funcionamento orgânico do nosso cérebro e dos nossos sentidos, e pela informação de que previamente dispomos para a tratar aquilo que percepcionamos. A deontologia jornalística serve, então, para procurar conferir alguma objectividade ao tratamento da informação, e para servir de guia na resolução dos vários problemas éticos que se colocam a um jornalista ou a um editor. O respeito pelas regras deontológicas é uma forma de resolver, na medida do possível, os problemas que encontramos na comunicação social em Portugal (e, verdadeiramente, no resto do Mundo).

O efeito da falta de rigor no tratamento da informação, e do sensacionalismo, pode ser explicado através de um simples exemplo, com base no vídeo abaixo.



Imagine que o incidente do vídeo era reportado pela comunicação social. Imagine que este título surgia no jornal mais lido pela população:

«Homem assassina gato para devorar em jantar romântico»

E com este sub-título:

«Namorada assustada conta tudo a este jornal.»

O corpo do artigo incluía uma descrição de como o homem em questão tinha sido encontrado pela namorada com o gato numa mão, a faca na outra, e uma substância vermelha parecida com sangue no chão. Incluiria uma entrevista com a namorada, que reportaria o que viu, e uma referência a que o indivíduo em questão nega a acusação, mas se recusou a comentar mais.

O título tenderá a fazer a pessoa ler o artigo com uma concepção «a priori» do que aconteceu. Neste caso, essa concepção será a de que o gato foi efectivamente morto pelo indivíduo em causa, e que este tinha o propósito de o comer durante um jantar romântico.

O testemunho da namorada é tratado como facto quase incontroverso, e a sua versão da história é, essencialmente, o corpo da notícia. A versão do namorado, que nega que tenha feito aquilo de que é acusado, é pouco enfatizada, e o próprio facto de se negar a falar pode facilmente ser entendido como uma admissão de culpa, como se ele tivesse algo a esconder.

Ora, nós, tendo o contexto, sabemos que o homem estava a tentar, de facto, preparar um jantar romântico, mas que o gato entornou um molho no chão (que parece ser de tomate), e que nada parece apontar para que o gato estivesse a ser considerado como hipótese para prato principal. Mas este contexto falta na notícia, sendo que o resultado é uma condenação à partida do homem por pretender comer um gato, algo de socialmente mal visto no nosso contexto social (no qual o gato tende a ser visto como um companheiro, como um animal de estimação).

Um exemplo recente da forma como a falta de rigor é um problema é o tratamento jornalístico dado aos atentados na Noruega imediatamente após a sua ocorrência. Rapidamente se disseminaram notícias de que tinha sido um atentado islamista. Não parece ter havido grande preocupação com verificação daquilo que era apresentado ao público, havendo, sim, grande preocupação em apresentar a informação o mais depressa possível. (Gostei de ver o Nuno Rogeiro, na SIC, a falar desta questão, no seu comentário aos atentados.)

Outro exemplo problemático de falha de rigor é a forma como frases são compactadas ou adulteradas, mas são apresentadas entre aspas, indicando que são citações. Por muito que haja regras sobre este tema, este tipo de prática redunda muitas vezes na perda de palavras importantes, o que tem implicações importantes no seu significado, ou em retirar frases do seu contexto, o que lhes pode conferir significados não pretendidos.

Para quem apenas leia a «citação», o efeito problemático é evidente. Mesmo que a pessoa leia o artigo ou a entrevista, a «citação» do título vai toldar-lhe a leitura. E a questão é que a forma como as citações são alteradas vai, mesmo inconscientemente, mostrar alguns dos preconceitos (termo aqui usado de forma neutral, sem sentido pejorativo) de quem a truncou. Vai moldar a citação a uma certa interpretação que dela se fez. E essa interpretação vai passar para o grande público, não necessariamente a citação não adulterada.

Finalmente, a escolha de palavras num determinado artigo ou no título é também relevante no que toca ao tratamento rigoroso da informação. Um jornalista que se refira, enquanto apresenta as notícias num jornal televisivo, às avaliações da Moody's como uma «guerra contra Portugal», por exemplo, está a fazer um juízo de valor claro sobre a actuação da Moody's, e a passá-lo como se de informação objectiva se tratasse. Falar de «guerra contra Portugal» é bem diferente de falar de «avaliação negativa da dívida portuguesa», por exemplo.

A falta de rigor no tratamento da informação ajuda a que a comunicação social se transforme num eco de conhecimento convencional. E esse rigor é importante para que esta cumpra a sua função, numa sociedade livre e democrática, de espaço de debate público e de reporte de informação.

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