quarta-feira, 6 de julho de 2011

Os mercados não acalmam (IV) - Moody's is moody - Parte 1

Já falei neste blogue sobre a falta de calma dos mercados e sobre as agências de «rating» (ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Entretanto, ontem, a Moody's tornou a fazer «downgrade» a Portugal, apesar de agora termos grande consenso institucional formal no que toca a um  grande programa de reformas estruturais, e um Governo que até prometeu ir além das reformas já previstas.

Esse «downgrade» da Moody's assentou em dois pontos fundamentais. O primeiro é a Moody's considerar que há um risco cada vez maior de Portugal necessitar de uma nova ronda de assistência internacional, e que essa nova ronda inclua também uma participação dos investidores privados, como aconteceu recentemente na Grécia. No blogue «The Portuguese Economy», Álvaro Almeida reagiu a esta questão falando da necessidade de diminuir a inconsistência temporal das decisões económicas a nível europeu. António de Sousa, por sua vez, falou da (falta de) credibilidade da UE e do FMI.

A minha opinião relativamente a este ponto é a seguinte: temos falta de credibilidade, somos claramente afectados pela situação na Grécia (mesmo que injustamente, dado que a própria Moody's afirma no seu relatório que, e resumo, Portugal não é a Grécia), e é urgente que a União Europeia comece a falar a uma voz sobre estes temas, unindo-se, e tomando decisões firmes. A meu ver, este relatório é mais um argumento a favor da criação de um Ministério das Finanças europeu, para gerir um Tesouro europeu, e para aplicar impostos europeus, e de haver um Banco Central Europeu independente, que não financie, directa ou indirectamente, os Estados. Esta estrutura institucional daria maior credibilidade e força à União Europeia e ao euro, principalmente se houvesse claros limites ao endividamento por parte da UE, além de promoveria a integração dos mercados a nível europeu.

O segundo ponto é o da Moody's considerar que há uma maior preocupação de que Portugal não vá ser capaz de atingir os objectivos de redução de dívida e de défice previstos no Memorando de Entendimento, devido às dificuldades que o país tem sentido em reduzir a despesa, aumentar o cumprimento das leis fiscais, conseguir crescimento económico e apoiar o sistema bancário. É aqui que entra o Memorando da Troika e o compromisso formal alargado que existe em cumpri-lo. Mas esse compromisso formal não foi suficiente para evitar o «downgrade».

A resposta do Ministério das Finanças foi rápida. Começa por afirmar, e bem, na minha opinião, que «[o] downgrade confirma que a apresentação de um programa robusto e sistémico de ajustamento macroeconómico constitui a única abordagem possível para inverter o rumo e recuperar credibilidade.» Por muito que o BE afirme o contrário. Porque essencialmente, aquilo que o relatório diz é que vai ser muito difícil cumprir o programa de consolidação, não que esse programa não é necessário. Trocado por miúdos: precisamos de mais resultados, não de mais promessas, para aumentar a confiança no cumprimento da nossa dívida.

Refere depois que a Moody's não teria tido em conta as medidas extraordinárias que o Governo já tomou, nomeadamente o imposto sobre o subsídio de Natal. A Moody's já respondeu, dizendo que as tomou em consideração, mas que não foram suficientes para evitar o «downgrade». Vendo as coisas por esse prisma, diria que a Moody's considerou que um imposto extraordinário sobre rendimentos referentes ao subsídio de Natal, aplicado apenas a este ano, pode bem significar que o Governo está empenhado em cumprir as metas, mas que isto não é uma reforma estrutural relativa a corte na despesa. Quanto às privatizações, o anúncio relativo às «golden shares» não foi suficiente, será necessário implementar o programa de privatizações para recuperar a confiança e ganhar credibilidade.

Fundamentalmente, Portugal não tem o benefício da dúvida. Estamos a sofrer as consequências de anos de promessas não cumpridas. O novo Governo e as novas condições institucionais constituem um ponto importante a nosso favor, e são vistos com esperança internamente, mas claramente o «honeymoon period» do Governo não existe para a Moody's. O Governo vai ter de começar a cortar na despesa e a reestruturar o Estado, esses cortes vão ter de ser visíveis, e o programa de privatizações vai ter mesmo de avançar.

Mais do que promessas, vão ser essas medidas efectivamente tomadas relativas a corte de despesa que nos vão dar uma credibilidade que já não temos. Não nos esqueçamos que nunca tivemos um orçamento equilibrado em democracia, por exemplo, ou de que os mesmos partidos que agora estão no Governo pouco fizeram entre 2002 e 2004 para consolidar de forma estrutural as finanças públicas e que, antes disso, sob o actual Presidente da República, o PSD iniciou a célebre «política do betão».

Portugal comprometeu-se com um programa de consolidação orçamental durante uma recessão, para criar as condições necessárias a ter crescimento económico no futuro. Esse programa é fundamental para que consigamos pagar a dívida mas, como é evidente, não é um programa de estímulo conjuntural à economia, mas sim um programa de reformas estruturais, no sentido de conseguirmos crescimento sustentado. Ao mesmo tempo, e contrariamente ao Governo anterior, o Governo actual vem tornar claro que estamos em recessão, e que vamos ter uma recessão.

Mas agora que temos um plano, a Moody's diz que o plano é difícil de implementar, e que mesmo tendo o Governo tornado claro que vamos ter uma recessão, a Moody's considera que o crescimento económico poderá ser ainda menor do que o Governo diz. E aí, usa o programa de reformas estruturais «contra» nós, dizendo que terá um efeito recessivo.

Ou seja, nós temos de ter um plano de reformas estruturais, e temos um plano de reformas estruturais, e até temos um Governo que o quer implementar, e até ir além das medidas que nele constam, e o maior partido da Oposição também  está ligado ao dito plano. Mas as reformas são difíceis e portanto há um risco do plano não ser implementado completamente, e portanto há «downgrade».

Ao mesmo tempo, o facto de termos o tal plano, fundamental e necessário para crescermos de forma sustentada no longo prazo, e de o querermos implementar, não estimula a economia no curto prazo, e portanto temos uma recessão, que a Moody's decide poder ser ainda mais forte do que o Governo previu. E portanto, como há esse risco da recessão ser pior, há «downgrade».

Esta análise mostra como estamos entre a espada e a parede e os seus efeitos sistémicos (ver aqui e aqui), vão ajudar a cimentar essa nossa posição.

Volto a citar o comunicado do Ministério das Finanças: «a apresentação de um programa robusto e sistémico de ajustamento macroeconómico constitui a única abordagem possível para inverter o rumo e recuperar credibilidade».

Mas não basta apresentar o programa.

É preciso concretizá-lo.

P.S. Este texto é apenas a primeira parte do artigo. A segunda parte tratará das questões que se têm levantado, de novo, à volta das agências de «rating».

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