domingo, 10 de julho de 2011

O rating e o Ocidente.

  Dois pontos hoje. Primeiro, creio que esta semana foi dito tudo, bem e mal, sobre as agências de rating, de novo vilões, de novo papões, de novo bodes expiatórios, personificações do mal dos mercados, do liberalismo, do capitalismo, o que queiram chamar, a oferta é muito variada e fica à vontade do freguês. A minha opinião já neste blogue tive opinião de a expor. Em linhas gerais considero que devemos fazer uma escolha, como liberais, em favor de um estado que legisle e que regule, bem e forte. Torna-se forçoso então debater se uma notação é ou não rotulagem-regulação, e sendo assim qual o papel do estado em relação ao seu papel no funcionamento da estrutura financeira. Como federalista convicto subscrevo todas as soluções consequentes ao imperativo do aprofundamento da integração europeia.
  Hoje tive a oportunidade de ouvir a entrevista de Vítor Bento à SIC Notícias, e concordo com muito do que ele disse. Principalmente aquando da sua afirmação, que – parafraseando – as entidades estatais, principalmente as europeias, não devem aceitar o critério do rating para as suas decisões financeiras dentro da sua orgânica interna, ou seja, quando o estado não está a fazer um investimento com um fim de rendimento (um fundo de pensões por exemplo), não deve dar autoridade a pareceres que não tenham origem no próprio funcionamento da respectiva instituição. Uma entidade reguladora deve ter a capacidade de formular os seus pareceres, os melhores possíveis, sobre o que regula, para melhor tomar decisões. As entidades reguladores financeiras deverão portanto não necessitar de recorrer aos critérios destas agências, pois fazendo-o estão a delegar um cariz regulador às ditas. Aqui retornamos ao meu ponto prévio, se rating é ou não regulação. Se esse cariz depender da auctoritas delegada e reconhecida, então a solução passa por aí, se pressupomos que o estado tem o monopólio da regulação consciente.
  É de notar que isto não implica que uma autarquia ou um fundo soberano não necessitem de contratos com as agências para obterem uma notação às suas respectivas emissões, visto que, como Vitor Bento disse, quando voltarem aos mercados vão necessitar de um. E aqui é onde eu vejo uma segunda fina fronteira. Se supormos que as autoridades reguladores podem emitir os seus próprios pareceres, até que ponto é que tal não vicia o jogo? Parece-me que um futuro parecer interno pela qual a regulação se guiará não pode ser um rating tal como no formato que temos assistido, mas isso eu deixo aos técnicos.
  Há coisas que não vão mudar, e devemos ser conscientes disso. A auctoritas reconhecida pelo investidor ou pelo consumidor é mais extensa, mais complexa, e mais irracional que uma notação. Há intuição, há rotulagem, há pareceres não vinculativos, há necessidades e gulas. O que uma agência de notação oferece é um produto, não vinculativo, de opinião/parecer técnico, que entra neste jogo, mas que não é rotulagem. Porque não é rotulagem não deve ser tida como tal. Comecemos por aí. Quanto a agência europeia, digo mais, agências. Não faço ideia como, ou com que enquadramento legal, e que protocolos com os reguladores, mas também não é de todo a minha área. Parece-me simplesmente que quanto mais concorrência melhor.
  O segundo ponto que gostaria de tocar é como me parece que esta discussão voa sobre um conflito mais profundo. Europa-América, não euro versus dólar – nem pretendo entrar nesse campo de agendas (pouco) ocultas – mas sim das ideias Ocidente-Europa versus Ocidente-América, e por arrasto os seus modelos. Por exemplo que escolha para um liberal europeu nesta situação? É a notação um rótulo, uma regulação, uma percepção, um produto? Que reguladores, como regular, quando regular, que poderes? Lembremos que o mito-sonho americano é um mito essencialmente europeu e da percepção que este continente teve sobre um ideal de liberalismo ausente deste lado do pélago. América não significa hoje necessariamente em todas as suas soluções, nessa experiência social que reconheço já ter sido exemplar, liberalismo. O liberal europeu tem o benefício de observar o resultado dessa experiência, reflectir, e aprofundar no seu modelo liberal de desenvolvimento a originalidade e a identidade.
  Há certamente neste Ocidente-Mundo dois grandes pólos fomentadores, tendo no século XX um claramente eclipsado o outro. Nós somos o outro, mas também o mais antigo, mais experiente, sensato e espinha dorsal. Ressoa implícita nestes diálogos atlânticos um imperativo mais profundo: encontrar uma solução nossa para esta crise será uma afirmação, uma solução vossa um sintoma muitíssimo grave. Desde a injustificável segunda guerra do Golfo que claramente a Europa se dividiu na tomada de posições em relação aos EUA, mas a sua opinião pública tendeu sempre a estar mais unida do que parece na sua oposição, e tal deveu-se a esta diferença essencial e manifesta dentro do(s) ocidente(s). O papel das notações nem é um capítulo, mas um versículo desses diálogos, e outros se seguirão, esperando eu como europeísta e federalista, em catadupa.  

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