Muita tinta tem corrido nestes últimos dias sobre os “comportamentos inaceitáveis” das agências de ratings, nomeadamente a Moody’s, devido à má classificação atribuída à dívida portuguesa. Para além da tinta, formou-se o que sou forçado a classificar como uma enorme shit-storm, derivada essencialmente de histórias mal contadas, factos ignorados, emotividade gratuita e uma avaliação tendenciosa do estado de coisas. Em consequência desta realidade, que culminou, entre outras coisas, no envio de lixo, vasura, trash, para a sede da Moody’s (facepalm on that one), há que fazer várias considerações atendendo à realidade, a uma avaliação dos factos e não à grosseira lógica de angry mob, muito popular hoje em dia.
Em primeiro lugar, e é importante que se saiba, existem dezenas de agências de rating, sim, leram correctamente, dezenas. Então, perguntarão, porque têm estas o poder determinante que têm? Simples, os Estados atribuíram-lhes funções extraordinárias de controle de risco e regulação bancária. Por exemplo, em 2001 o comité de Basel[1] decidiu basear o capital de reserva exigido por cada empréstimo efectuado na avaliação “destas” agências de rating, o que criou prontamente um risco de “compra” de rating por parte de instituições bancárias. Mais, de forma a proteger os investidores, quer as autoridades europeias, quer as americanas criaram restrições ao investimento e outras regras baseadas na avaliação das três grandes. O BCE só aceitava colateral para empréstimos com uma notação X por exemplo, nos EUA fundos de investimento sem garantias públicas só podiam apostar nos ratings mais altos (ratings atribuídos claro, pelas três grandes aceites pelo SEC[2]). Dentro do próprio Estado os gestores de contas públicas, em vez de fazerem a avaliação do risco eles próprios, estavam restritos pela avaliação das “maldosas” agências. Os exemplos simplesmente não acabam. Ou seja, os Estados deliberadamente entregaram, de forma a poder desresponsabilizar-se a si e a grande parte do sector financeiro, um poder desmesurável a estas instituições.
A isto soma-se uma imensa hipocrisia. Portugal, um “novato” na cena europeia, não hesitou em usar os positivos ratings que tinha faz alguns anos como forma de obter crédito de investidores que de outra forma não teriam aplicado o seu dinheiro na dívida nacional. Se fossemos coerentes queixarmo-nos-íamos também desse época, na qual milhares ou milhões de pessoas emprestaram “com base em informações parciais e com pouco conhecimento de causa”, o mesmo que hoje em dia, só que na outra direcção. No entanto como “nos beneficiou”, mantivemo-nos convenientemente calados, apesar das agências já terem em grande parte os poderes hegemónicos que têm hoje. Quando julgamentos parciais nos beneficiam tudo bem, se nos prejudicam alto lá! Revolta! Regulação! Abaixo o capitalismo!
Em segundo lugar há que desfazer um equívoco, as agências quando “abrem a boca” emitem uma opinião, a qual os investidores (que não estão restritos pela regulação pública FAVORÁVEL às agências) ouvem ou não tendo em conta as suas preferências. Desse ponto de vista, para além do que resulta da acção da má regulação pública, pouco há a fazer. Nós, em qualquer negócio que estejamos, temos o direito de ouvir e seguir más (ou boas) opiniões. Não sei porque teria de ser diferente no sector financeiro.
The last but not the least, a Moody’s nunca chamou lixo a Portugal ou insultou o Estado português, não sei quantas vezes há que repetir isto. Se lerem o relatório da agência o que é referido é um corte no rating derivado da obrigatoriedade de participação dos investidores num segundo resgate grego, o que abre um precedente desse tipo de expropriação na cena da dívida europeia. O termo “lixo” é um jargão usado pelos investidores para classificar esses ratings, não é, nem nunca foi, um vocábulo usado pela Moody’s.
Em continuidade com o que escrevi anteriormente, se devêssemos a enviar lixo a alguém seria à senhora Merckel, que foi quem nos meteu “na linha de fogo”. Não fosse o seu despotismo financeiro que quer obrigar (e vai obrigar) investidores privados a reinvestir na dívida grega, o risco da dívida portuguesa nunca teria ido por aí acima (ou pelo menos é o que diz o relatório em causa…), nesse sentido estão certos aqueles que dizem que a baixa no rating foi injustificada (internamente). O que nos deixa a pergunta do porque da mesma lógica não ter sido aplicada à Irlanda por exemplo, talvez se trate de um “delay”( como referiu Ricardo Reis neste artigo para o qual deixo o link (http://theportugueseeconomy.blogspot.com/2011/07/moodys-lazy-screw-up.html). De qualquer forma é absolutamente autocrático a EU pensar que pode napoleonicamente decidir onde alocamos os nossos recursos. Obviamente isto são maus augúrios para os mercados creditícios (e para a liberdade de capitais), como se as coisas já não estivessem más o suficiente .
Soluções? Sim, é disso que me falta falar. Na minha perspectiva é (sempre) muito importante a responsabilização dos agentes económicos, e mais ainda neste caso, por isso defendo o fim da indexação de quaisquer produtos financeiros às notações das agências, devendo as mesmas ser usadas pelos investidores exclusivamente de forma voluntária. Assim colocamos as três grandes em paridade com todas as outras no que toca à importância da sua avaliação e, ao mesmo tempo, obrigamos os investidores a informar-se e a ser mais responsáveis. Isto em relação ao que é privado. Gestores públicos? O Estado que decida o que fazer, sem esquecer que foi a dependência voluntariosa em relação às agências que nos pôs num buraco ainda mais fundo. A minha preferência seria o Estado nem sequer exercer esta função, pois está a trabalhar com fundos de terceiros (como está sempre), mas exercendo-a que não seja dependendo de restrições obtusas mas responsabilizando-se pelos riscos que corre. Uma nota para os fãs de uma agência europeia, quão independente seria uma agência pública a avaliar dívida pública? Ah, espera, essa seria parcial “a nosso favor”, então já está tudo bem, já se podia guardar de novo o lixo nos caixotes.
Não podemos usar toques de Midas do BCE, directos ou indirectos, para esquecermos que um modelo de Estado baseado em 6 meses de trabalho para o “bem público” (seja lá o que isso for) ao qual se soma um constante endividamento é tudo menos sustentável. Quanto ao "caos" dos ratings friso e repito, como conclusão, que não foi o “capitalismo” (!) que criou esta confusão mas sim, mais uma vez, má regulação e paternalismo em relação aos mercados de capitais, pelo que parece o Estado escolheu mal os paizinhos.
Aprendi e concordo.
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