Argumentar contra ideias feitas não é fácil. Não porque este seja mais ou menos difícil de desmontar, mas porque o interlocutor terá menos predisposição a aceitar argumentação contrária à ideia feita que pretende defender. A argumentação em sentido contrário será interpretada sistematicamente tendo por base a ideia feita que pretende rebater, embatendo numa muralha de preconceitos difícil de deitar abaixo.
Primeiro, discute-se a ideia feita com base na argumentação que a sustentaria. Esta argumentação poderá cair pela base, ou poderá não ter em conta uma série de factores relevantes. Mas apontar essas falhas não será suficiente. No momento em que se encontre uma contradição, ou se esgote, de alguma forma, a linha argumentativa em prol da ideia feita, entram em cena novas tácticas.
Uma táctica conhecida é o apelo à autoridade. O apelo à autoridade não é um argumento válido, mas o culto da autoridade leva a que seja usado como tal. Este apelo pode ser usado para pura e simplesmente legitimar a ideia ("O Prof. X defende isto, pelo que isto está certo!"), ou então para dizer que uma qualquer falha apontada à ideia não é relevante ("O Prof. X defende isto, sabe disto, e já deve ter tido essa questão em conta!").
Aparecer na comunicação social como "perito" é quase suficiente para se ser uma autoridade. Aliás, aparecer na comunicação social por si só começa a ser o suficiente para se ser uma autoridade. E mais: ser célebre é suficiente para se ser chamado a falar de todos os temas e mais alguns, independentemente do nível de estudo e de conhecimento específico sobre os mesmos. Basta pensar na recente entrevista de José Mourinho.
Outra táctica utilizada quando se esgotam os argumentos é o ataque pessoal, que vai do puro insulto ao ataque às motivações da pessoa que argumenta contra a ideia feita. Essas motivações serão sempre sinistras e egoístas. Ou então, a pessoa é burra, idiota e imbecil porque a ideia feita é de "senso comum". E como é de "senso comum", basta. Toda e qualquer falha apontada é uma tentativa de "impor" a opinião contrária à da ideia feita. E a pessoa que aponta a falha é "arrogante".
Finalmente, outra forma da lidar com falhas na argumentação que sustenta a ideia feita é mudar de assunto. Não necessariamente de propósito. Sendo confrontado com uma falha, a pessoa poderá falar de um tema conexo que também a preocupa, sem no entanto responder à argumentação contrária. Isto tende mais a mostrar a desestruturação do pensamento da pessoa que muda de assunto do que legitimar a ideia feita que se pretende defender.
Argumentar contra ideias feitas é difícil. E ter opiniões diferentes da norma e defendê-las não é bem aceite numa sociedade em que a individualidade é mal vista. "Chico-esperto" que tem "a mania", "arrogante" que "acha que sabe tudo" e "acha que é mais que os outros", entre outros epítetos, é o que espera quem o tente fazer. Mas todas as ideias devem ser examinadas e todas as ideias devem ser debatidas numa sociedade livre, e é esse debate que leva a que, de vez em quando, consigamos mesmo melhorar.
Argumentar contra ideias feitas pode ser difícil. Mas é necessário. E, felizmente, há gente que o faz.
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