Queria que o meu primeiro texto de “opinião” neste blog (desde já agradeço o convite de João Mendes) servisse duas funções, a minha apresentação aos leitores e, simultaneamente, o tratamento de um tema controverso, não pela sua profundidade, mas pelo seu empirismo: como introduzir alguém ao liberalismo.
O liberalismo é uma ideologia com um passado e tradição riquíssimos onde se multiplicam autores, teorias, perspectivas, entre outros e por isso, como é normal, quando somos questionados sobre qual poderia ser uma abordagem literária preferencial ao tema vemo-nos numa posição complicada, não existe uma resposta fácil. Pessoalmente, já tive de enfrentar esta problemática algumas vezes o que me encorajou a procurar uma abordagem satisfactória, que não fosse demasiado técnica por um lado, mas que não pecasse pela superficialidade por outro (perigo especialmente actual pelas “disputas” em relação ao termo).
Tendo em conta esta exigência remeti para a minha experiência pessoal e para alguns autores de referência, os quais já conheço bem. No meu caso foi como estudante de ciência política e relações internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa) que começou o meu “resgate” e processo de descoberta do que é o liberalismo. Os primeiros livros, artigos e perspectivas que conheci posso agradecê-los ao Filipe Faria, hoje um dos “Insurgentes”, que através do “enfrentamento” argumentativo sobre uma variedade de temas da actualidade pôs em cheque as minhas convicções social-democratas da época. Pôs em cheque, de facto, o que foi suficiente para eu dedicar parte do meu tempo a alguns “novos” autores, nomeadamente Friedrich Hayek e Ludwig Von Mises, mas não suficiente para me “desconvencer” de vários baluartes estatistas na minha argumentação e forma de olhar o mundo.
Só no ano seguinte, em Santiago de Compostela (Erasmus), comecei a ver-me, a pensar-me e a existir politicamente como liberal, muito devido à influência do coordenador da faculdade de ciência política local e professor de teoria das políticas públicas Dr. Miguel Bastos. Sim, leram correctamente, professor de políticas públicas, ou seja, do porquê do seu falhanço último a longo prazo. Para a sua disciplina, além de uma miríade de textos e artigos, era obrigatório ler duas das três obras que considero essenciais para “o que é o liberalismo”. Além do mais, para subir a nota, havia que escolher duas obras adicionais, do mesmo âmbito, e fazer recensões críticas sobre as mesmas. Foi então devido ao meu percursos académico que, num semestre, acabei imerso em liberalismo. A partir daí aqui cheguei, continuei a ler de forma dedicada os autores referenciados, vim a conhecer outros, comecei o projecto do Movimento Liberal (quem quiser informações que me contacte) e passei a escrever regularmente (às vezes :p) na blogosfera; mais recentemente tornei-me um colaborador do Instituto Mises Portugal.
Desta experiência tirei algumas ilações no que toca à “introdução ao liberalismo”, as quais partilho convosco:
1) 1) A essência é transmitir que o liberalismo parte de um processo lógico que valora acima de tudo a liberdade e soberania pessoal; é mais importante isto que o conhecimento ou acesso a qualquer autor.
2) 2) Ao escolher autores e obras devem-se valorizar as perspectivas económica e filosófica de forma equilibrada dando preferência a livros curtos, lógicos e sucintos, se possível com referências a casos prácticos de fácil identificação e compreensão.
Tendo em conta estes dois pontos, as minhas três referências introdutórias preferidas vão para duas obras “clássicas” e uma actual, dando as primeiras uma introdução acessível à filosofia e economia “da liberdade” e a terceira um enquadramento e junção teórica das duas componentes.
Para a economia, e penso ser esta obra a mais incontornável das três, sugiro o “Economics in One Lesson” de Henry Hazzlit, uma obra sempre actual que explana a abordagem liberal à economia através de críticas bem construídas e fáceis de compreender aos mais comuns dogmas intervencionistas; expõe-se assim o liberalismo económico pela desconstrução do intervencionismo. Além do mais o autor é um exemplo de sucesso pessoal no âmbito do paradigma económico defendido. Sem bens de monta ou contactos convenientes, Henry Hazzlit construiu a sua carreira profissional (não tem percurso académico) saltitando de jornal em jornal, com muito trabalho árduo caracterizado por um cada vez maior conhecimento sobre as obras chave, à época, do liberalismo.
No que toca à introdução à filosofia política prefiro um autor utilitarista, nesta caso Ludwig Von Mises, com a sua obra “Liberalismo”. Mises estabelece nesta obra os porquês, económicos e políticos, de ser preferível uma sociedade livre e abre assim a “estrada” que poderá levar o leitor a obras de outra complexidade, e até outra perspectiva, sobre o tema, tais como John Locke, Stuart Mill, e mais recentemente, Murray Rothbard. Adicionalmente há dois segmentos muito interessantes do livro que valorizo especialmente, um deles desmascara o mito de que o liberalismo é a “ideologia do capital”, e o outro critica e desconstrói a adulteração da palavra no inglês dentro do mundo anglo-saxónico, importante tendo em conta “projectos” similares no âmbito português ou europeu.
Para finalizar e de forma a incorporar estas duas obras num todo, sugiro o “Socialism: Economic Calculation and Enterpreneurship” de Huerta de Soto, mas limito desde já a leitura à parte não histórica, a primeira parte do livro, já que a segunda entra nos meandros da história sobre o debate do cálculo económico e pode ser muito maçudo (ok, aborrecido) para quem não tenha um interesse específico sobre o tema.
Huerta de Soto sintetiza no seu livro o papel que a iniciativa pessoal tem no sistema económico sendo a base de uma sociedade mutualista e livre, mais, demonstra eficazmente o porquê do estatismo inevitavelmente destruir esses esforços societários, os quais são essenciais ao funcionamento da sociedade. Junta assim a liberdade individual e económica como realidades inter-relacionadas e indissociáveis. Uma das premissas de base do liberalismo.
Estas três obras foram parte essencial do meu percurso, como pessoa, académico e político, ainda hoje as aprecio e releio quando posso e é com muito prazer que as refiro e recomendo neste meio “primeiro” post no Cousas liberaes, são, sem duvida, uma herança de incalculável valor para o liberalismo e a sua expressão no século XXI. Apesar de as considerar obras introdutórias, aqueles que já estão “mais avançados”e não as conhecem poderão solidificar os seus conhecimentos através delas ou então, simplesmente, tirar prazer da fluidez genial da escrita dos três autores em causa(talvez com a excepção de Mises, por vezes um pouco mais… viscoso na sua escrita :p).
As três obras estão disponíveis em inglês e em espanhol, quer em formato “físico”, quer digital.
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“Economics in One Lesson” - http://www.hacer.org/pdf/Hazlitt00.pdf
“Liberalism” - http://mises.org/books/liberalism.pdf
“Socialismo, Cálculo Económico y Función Empresarial" - http://www.fcjs.urjc.es/httpddoc/Huerta-Soc.pdf
(Um bem haja aos detentores dos direitos de autor das obras em causa por disponibilizá-las online. Fazem-no, provavelmente, porque os próprios autores eram contra a noção de propriedade intelectual. Isso, no entanto, é outra história.)
Keep 'em coming! :)
ResponderEliminarCaro Diogo,
ResponderEliminarMuito bem vindo ao blog Cousas Liberaes. Estavamos de facto a precisar de um Liberal clássico para acrescentar diversidade ;) É nesta diversidade que crescemos e que criamos alternativas politicas para Portugal e para a Europa.
Fico à espera dos próximos textos ;)