- Os detentores do capital da agência de «rating» serem, eles próprios, investidores interessados nas avaliações que a agência faz;
- As agências de «rating» serem pagas pelas empresas que avaliam, e não pelos potenciais investidores (que não detenham capital da agência de «rating»).
Claro que, em geral, um investidor é livre de seguir, ou não, os critérios de avaliação de risco de crédito das agências de «rating». O que pode ajudar o mercado a lidar com estes conflitos de interesses, porque se uma agência de «rating» tiver uma reputação de ser tendenciosa, e de ter uma metodologia de avaliação pouco fidedigna, os investidores terão menos interesse em seguir os pareceres que esta emita.
A questão é que há investidores institucionais que usam, por questões estatutárias, e mesmo legais, os «ratings» de certas agências, não tendo critérios próprios de avaliação de risco de crédito. Isto significa que esses investidores institucionais, bastante importantes, por sinal, têm assim menos liberdade de escolha no que toca a como reagir aos «ratings» das agências de «rating» a que se encontram vinculados: têm de os seguir e acabou-se.
É isto que confere um efeito sistémico relevante aos «ratings» que são emitidos, o facto de haver investidores institucionais, incluindo investidores públicos, que são forçados a seguir os «ratings». Caso estes investidores não tivessem este género de limitações, o impacto sistémico das avaliações seria menor. Mas seria importante que elas fossem substituídas, caso o sejam, por critérios técnicos válidos, e não critérios puramente políticos. Porque ignorar risco de crédito por questões políticas é um jogo muito perigoso.
O BCE vai dispensar as opiniões das agências de «rating» sobre a dívida portuguesa. A questão aqui está em saber porque é que o fez. Pessoalmente, acho que o BCE pode perfeitamente ter critérios próprios para avaliar a dívida. Mas esses critérios devem ser critérios técnicos de qualidade. O BCE não pode ignorar risco de crédito por questões políticas, dado que isso põe em causa o próprio BCE e, portanto, o próprio euro.
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Há que abordar a questão do oligopólio de agências de «rating» que existe. Seria importante que fosse quebrado, e que existisse mais concorrência no sector. Para que isto aconteça, devem diminuir as barreiras de entrada ao mercado que simplesmente protegem as agências de «rating» actuais.
Isto assunto está impreterivelmente ligado com a regulação das agências de «rating» e, especificamente, sobre o tipo de regulação pública que deve incidir sobre essas agências. Seria possível criar regras de conduta segundo as quais as agências deveriam tornar claras as metodologias que utilizam para aferir o risco de crédito, da mesma forma que, por exemplo, alguém que faz uma sondagem ou um estudo científico deve tornar clara a metodologia que utilizou.
Seria também possível criar regras relativas a conflitos de interesses, embora me pareça que havendo mais agências no mercado, os investidores teriam capacidade para ter em conta o potencial conflito de interesses ao decidirem se seguem, ou não, a avaliação de certa agência. Mas podia-se acabar, de forma mais alargada, com consequências legais automáticas de certa tomada de posição por parte de um agência de «rating» para certos investidores institucionais. Deve haver livre apreciação por parte dos investidores das avaliações a que têm acesso.
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Não penso que uma agência de «rating» 'europeia' seja solução para o que quer que seja. O que nós precisamos não é de uma agência que seja tendenciosa a favor da Europa. Os «ratings» dessa agência seriam para ignorar, precisamente porque ela não avaliaria «rating» de um ponto de vista técnico relevante, tendo uma preocupação política proteccionista por trás das suas avaliações.
O que nós precisamos é de um mercado de «rating» a funcionar devidamente. Um mercado com variedade de escolha, e em que os investidores possam escolher se usam, ou não, os «ratings» das agências quando fazem os seus investimentos.
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O João Cardiga diz, a dada altura, num texto aqui neste blogue, que Portugal só precisaria de uma segunda tranche de ajuda internacional se não cumprisse o acordo com a Troika. Mas isso não é necessariamente assim. Há o risco de, mesmo cumprindo o Acordo, Portugal necessitar de ajuda, e esse risco não pode ser ignorado simplesmente por se considerar que é mais provável o cumprimento do Acordo levar a que o risco de ser necessária uma segunda tranche diminua.
Em segundo lugar, refere que as condições institucionais formais em Portugal melhoraram, algo que a própria Moody's refere no relatório. O problema é que, como eu já referi noutros textos, as condições formais valem muito pouco sem acções concretas. E relativamente a acções concretas, tivemos muito poucas. Isto deve ser conjugado quer com o baixíssimo nível de credibilidade que Portugal tem neste momento e, infelizmente, com um nível menor de credibilidade da própria UE e do FMI por causa quer do que tem acontecido na Grécia, quer pela forma como as decisões têm sido tomadas em geral.
Entretanto, enquanto nós temos muito poucas medidas estruturais tomadas, e a nossa credibilidade e da UE/FMI está em baixa, o nosso nível de dívida pública permanece extremamente elevado (acima de 90% do PIB), e o tempo passa. O tempo passa e aproxima-se o tempo de pagar a dívida. E para pagar a dívida temos de tomar medidas concretas, porque só assim teremos condições para pagar a dívida. Só que essas medidas concretas são extremamente complicadas de tomar, tanto que não as conseguimos tomar, apesar de sucessivas promessas, desde há dez anos (para já não falar de antes disso).
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Os Estados Unidos, apesar das guerras políticas actuais sobre o «debt ceiling», não só continuam a ter o dólar, e este continua a ser a moeda de reserva por excelência a nível global, como também têm um «track record» nos últimos cem anos completamente diferente do «track record» europeu. E mesmo assim, os próprios EUA já tiveram avisos por parte, por exemplo, da Standard & Poor's em relação ao seu «rating».
Claro que eu sei que prever o futuro com base no passado é um problema, mas as reputações criam-se com base em acção passada. São difíceis de criar, mas basta um erro para as arrasar. Os Estados Unidos posicionam-se neste momento, com as suas guerras sobre o «debt ceiling», para cometer esse erro, mas muita gente o considera improvável. Se o cometerem, no entanto, vamos ter uma crise bastante profunda. E a reputação dos EUA, e o seu «rating», vão, usando um eufemismo, sofrer com isso.
Entretanto, a China tem grande interesse em que os EUA não entrem em «default», dados os seus avultados investimentos em dívida americana. Não é por acaso que há uns anos falou de transformar os «special drawing rights» do FMI numa moeda de reserva global. E não me parece por acaso que agora a agência de «rating» chinesa ande a pressionar os EUA para que haja entendimento no Congresso sobre o «debt ceiling».
Esperemos que essa pressão seja bem sucedida a breve trecho, e que o problema com o «debt ceiling» nos EUA seja resolvido.
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Miguel Duarte, no Speaker's Corner, dá a sua opinião sobre a seguinte pergunta: «Merecem as obrigações da dívida portuguesa um Ba2?»
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Miguel Duarte, no Speaker's Corner, dá a sua opinião sobre a seguinte pergunta: «Merecem as obrigações da dívida portuguesa um Ba2?»
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