"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
sábado, 31 de dezembro de 2011
Em 2011
Não é a primeira nem será a última vez que isto acontece. As crises não se abolem por decreto, pelo que o fundamental é saber geri-las.
Sair da crise actual não vai ser fácil, mas nunca é. Não há botão para carregar que resolva, sem mais, os problemas com os quais nos defrontamos.
E a crise vai ser duradoura. Muito duradoura. Depois de bonança prolongada, a tempestade que vivemos mostrou que não há almoços grátis, que não dá para empurrar com a barriga para sempre.
O debate sobre o que fazer vai muito para além das fronteiras portugueses, porque também os problemas as ultrapassam. Ultrapassam as próprias fronteiras europeias.
Não vivemos o pós-1945. Não vivemos o pós-Guerra Fria. Algo novo está a começar. E a História deste novo tempo será determinada por quem a vive. Por todos nós.
No novo ano, vira-se uma página. Cabe-nos escrever a continuação.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Reformas Constitucionais
Em Portugal, propor que a nossa Constituição tenha um limite para o défice e para a dívida atrai ataques de quem diz que isso poderia bem pôr em causa, tornando inconstitucionais, os programas financeiros de quem queira propor ao país ir para além desse défice e dessa dívida (ou não propor nada e simplesmente fazê-lo, como vem sendo hábito).
Ao mesmo tempo, a nossa Constituição inclui um conjunto de normas programáticas que são usadas precisamente pelos mesmos para garantir que medidas de que não gostam são inconstitucionais. E quem defende que a Constituição deve deixar de prever várias dessas normas é imediatamente apelidado de «reaccionário» ou pior.
Neste momento de crise, em que a insustentabilidade financeira do Estado Social que se construiu está à vista, em vez de um debate sobre as várias alternativas à reforma do Estado, temos trocas de acusações, sendo a mais ridícula a acusação a de que uma certa proposta é «ideológica» (quando todas as propostas políticas o são). E a Constituição vai continuar essencialmente na mesma, podendo no limite passar a ter as tais normas sobre défice e dívida.
No caso do BE e do PCP, é constante a tentativa de retirar legitimidade às propostas de outros quadrantes políticos com base na noção de que apenas e só as propostas do BE e do PCP podem ter legitimidade democrática. Curiosamente, ao mesmo tempo que o fazem, ficam-se pelos «slogans» e pelos chavões já tradicionais a ambos os partidos.
Urge rever a Constituição portuguesa e o debate constitucional que é necessário na União Europeia é também necessário em Portugal. Um dos nossos problemas estruturais é também o mau funcionamento das nossas instituições políticas, que se deve, em parte relevante, a regras constitucionais que deviam ser alteradas (com a reforma do sistema eleitoral à cabeça, mas com muito mais a rever).
Mas esse debate constitucional não pode ser tido nos moldes de uma troca de insultos num café. É preciso deixar de lado pseudo-acusações como «esta proposta é ideológica!» e começar a debater o mérito de cada proposta e os seus fundamentos. Só assim podemos, de facto, reformar o nosso Estado e fomentar uma cultura de debate democrático em Portugal.
domingo, 25 de dezembro de 2011
Uma questão de escala (IV)
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Acções que definem o PCP
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
O PS não é um partido de protesto?
Se o PS não é um partido de protesto, então António José Seguro tem de fazer pelo menos duas coisas, a saber: desautorizar Pedro Nuno Santos e tornar claro que este não fala pelo PS e abandonar a sua proposta de que os Estados Membros com excedente orçamental sejam penalizados se não subsidiarem outros Estados Membros da União Europeia (porque já seria pedir muito que não andasse com um discurso absurdamente nacionalista e soberanista para quem se diz adepto de uma federação europeia).
Enquanto pelo menos estas duas coisas não forem feitas, António José Seguro pode dizer o que quiser, mas o PS não passará de uma tentativa de partido de protesto.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Rui Tavares, Hitler e política monetária: uma argumentação nada útil
Após períodos de hiperinflacção com consequências trágicas para os seus cidadãos, a Alemanha aprendeu às suas próprias custas que manipular o valor da moeda não resolve, mas pode piorar e muito, os problemas da economia no médio prazo. Aplicou o resultado dessa lição ao longo dos dois últimos terços do século passado e, como prémio, teve a moeda mais estável e respeitada do Mundo; com os benefícios económicos inerentes.
Não quero apresentar este ponto como uma verdade absoluta. Mas para uma análise e discussão útil, é desejável que ele seja debatido na base de argumentos sãos. Ao ler o texto de hoje, na última página do Público, do jornalista e deputado europeu Rui Tavares, senti amargamente que foi prestado um mau serviço a esse debate na ordem do dia.
Rui Tavares descreve um discurso de Hitler de 1941 em que este declara guerra aos Estados Unidos. Após tecer diversas considerações sobre a natureza da personalidade de Hitler e das intenções que nessa altura já existiam acerca do tratamento horrível que iria dar aos judeus, cita um trecho do discurso em que Hitler critica as políticas de emissão de moeda de Franklin Roosevelt nos EUA e autoelogia as suas próprias políticas de estabilização da moeda. Rui Tavares conclui finalmente que “Já na altura os EUA tiveram sorte em ter um Roosevelt em vez de um Hitler. E ainda bem que ninguém se lembrou (então) de proibir o keynesianismo, nem de levar políticos a tribunal por políticas de expansão da economia".
A Escola Austríaca da Economia desenvolveu-se no início do século XX, precisamente o mesmo local onde Hitler nasceu e cresceu. O que esta corrente advogava era uma lógica consequência da teoria que desenvolveu (que pode ser discutida) e da sua aderência à realidade, muito em particular a do momento e local em que foi desenvolvida. O fato do governo de Hitler ter aplicado princípios económicos que se alinhavam com esta corrente não foi mais do que a natural consequência deste contexto. Um dos grandes pensadores da Escola Austríaca, Ludwig von Mises, sendo judeu, já tinha fugido da Europa para os Estados Unidos um ano antes daquele discurso.
Sem mais explicações sobre a necessidade de realizar discussões com argumentação sã e de como isso não acontece quando se cola uma determinada corrente económica a ideias macabras de Hitler sobre judeus, resta-me repetir que este é um exemplo de mau serviço à informação do público, e que infelizmente neste campo específico me parece ser recorrente entre diversos críticos daquilo a que apelidam de “neo-liberalismo”. Quanto a Rui Tavares, que respeito e gosto de ler, talvez tenha tido ele também um momento de “divisão de personalidade”, ao vestir o casaco de político populista e demagogo.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
O Duro Inverno Russo
Lembro-me que na minha primeira participação aqui no Cousas Liberaes preconizava o ano de 2011 como um ano de mudanças, desejadas e indesejadas. Entre as primeiras destacam-se obviamente as revoluções da chamada Primavera Árabe (que se prolongou pelas restantes estações) e, quanto às do segundo grupo, é inevitável não se pensar na Europa - que ou opta (e bem) por uma integração económica e política mais profunda ou se desagrega (a escolha do verbo não foi propositada).
Depois dos últimos acontecimentos na Rússia, questionamo-nos se poderemos também incluir uma eventual mudança no rumo político deste país no actual lote das mudanças desejadas.
Apesar de o capitalismo na Rússia estar mais do que enraizado e a população viver razoavelmente melhor do que há vinte anos atrás, a verdade é que não podemos adjectivar o maior país do mundo de democrático. Os actos de contestação nas grandes cidades de Moscovo e São Petersburgo, denunciando múltiplas ilegalidades no último acto eleitoral, não nos chamam à atenção por denunciarem alguma irregularidade escandalosa até então desconhecida, mas porque são a prova de que o povo russo quer mudar.
Os jovens russos de hoje pouco ou nada se lembram dos tempos de Gorbatchev ou Yeltsin e têm como termo de comparação não a história, mas o espaço. A penetração e massificação da internet na Rússia, assim como o crescimento das universidades permitiram a criação de uma geração jovem mais educada, crítica e de espírito livre que certamente sonha com modelos de democracia mais próximos do ideal europeu e/ou norte-americano.
A concretização desta possível Primavera Russa está agora muito dependente do grau de ambição dos seus cidadãos: pretendem eles uma verdadeira revolução ou apenas melhorar o sistema, tornando-o mais democrático? Outro aspecto importante resume-se ao facto de a real Rússia ser muito diferente dos seus grandes centros – Moscovo e São Petersburgo. Na Rússia rural não há acesso a fontes de informação independentes e a resistência a novas correntes pró-democráticas é imensa. A popularidade da Rússia Unida e de Putin nestas regiões é mantida pela compra de votos, a subsidiação e um sistema de controlo de informação que quase pode ser apelidado de censura. A figura de Putin é mesmo associada à restauração do antigo poderio soviético. A resposta mais ou menos repressiva das autoridades russas será também determinante no desenrolar dos acontecimentos.
Os duros invernos russos foram determinantes ao longo de toda a história deste país. Esperamos, assim, que também este em particular marque o começo da construção de algo novo e, sobretudo, melhor.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
«Depois de sexta-feira continuamos a ser europeus?»
Queria deixar aqui a segunda e última intervenção de Miguel Poiares Maduro no debate (com parágrafos, para facilitar a leitura; o negrito é também meu):
«Também longo... Inevitavelmente este debate transformou-se numa discussão sobre a cimeira (o que apenas confirma que, quer queiramos quer não somos parte da Europa e o que temos de discutir é que Europa...infelizmente ou não os custos de deixar de cooperar num contexto de tal interdependência são muito superiores a ter de aceitar coisas com que não estamos de acordo; ou muito me engano ou Cameron irá descobrir isso). Estou menos pessimista que o Rui (ou se calhar quero ajudar a construir uma narrativa mais otimista com medo do que os mercados façam se a narrativa é pessimista...).
É verdade que a cimeira oferece pouco no que concerne o problema fundamental da Europa no momento: liquidez! (como o Rui acredito que isto é fundamental, embora existam várias alternativas e a minha preferência não vai para a proposta simples do Stuart Holland que não acho tão simples...). Mas (e é por isso que os mercados na sexta nos pouparam embora não esteja seguro que por muito tempo) a suposição é que esta declaração anunciando um novo tratado é parte de um acordo que leva a Alemanha a aceitar ou um outro tipo de intervenção do BCE (para ser honesto como jurista, complicado à luz dos tratados) ou Eurobonds etc. Na verdade, lendo bem a declaração muito fica em aberto (seguramente, ao contrário do Rui, não creio que o caminho seja necessariamente intergovernamental – na verdade a Comissão está muito presente no pouco que a declaração concretiza - e espero bem que não seja).
Acho que o fundamental está para vir e três coisas são fundamentais:
1) Que a nova disciplina não seja tal que elimine o espaço da política (eu só um defensor de que os défices orçamentais exigem alguma disciplina externa pois colocam problemas democráticos intergeracionais mas isso não deve ser levado ao ponto de cristalizar uma determinada visão política; este é o aspeto em que a declaração é mais preocupante);
2) Que se defina não apenas um governo do euro mas um modelo democrático de governo do euro (não no sentido retórico mas no sentido de uma igual legitimidade e responsabilidade perante todos os cidadãos; paradoxalmente quanto menos intergovernamental for melhor para esta circunstância; o pior que nos trouxe o Tratado de Lisboa é aquilo que, quando ainda se negociava o Tratado Constitucional, eu designei de intergovernamentalismo maioritário! A expressão política deste sistema institucional é o que se designa vulgarmente de diretório; o que é paradoxal é que aqueles que mais defenderam a soberania nacional são os que mais contribuíram para ele... na verdade, um sistema institucional (repito institucional) federal era bem melhor para os cidadãos dos pequenos e médios Estados (esperemos que o debate em Portugal e, em consequência, a nossa participação se faça de forma mais informada...);
3) Para que o 2 se possa atingir é fundamental mudar (e criar) o discurso político europeu.
Para isso já fiz no passado algumas propostas. Já no contexto desta crise vejam mas há uns meses (temo que em inglês): http://www.project-syndicate.org/commentary/maduro1/English Ainda mais antigo vejam as propostas sugeridas em http://www1.ionline.pt/conteudo/5973-eleicoes-europeias-tudo-menos-europeias.»
domingo, 11 de dezembro de 2011
CULTURA
É preciso perguntar de que autonomia é que estas entidades dependentes de apoios pagos com o dinheiro dos contribuintes verdadeiramente usufruíam. A liberdade de criação, que a autora parece achar estar aqui em jogo, já estava totalmente comprometida à partida já que a selecção de beneficiários estaria invariavelmente dependente do Ministério da Cultura e suas entidades subsidiárias que não possuindo recursos infinitos teriam de proceder a uma selecção de uns em detrimento de outros. Esta escolha está naturalmente exposta aos caprichos dos burocratas que gerem estas entidades e a toda à espécie de pressões a que estes estão sujeitos.
Na ausência de apoios estatais a criação artística tem geralmente duas possibilidades, ou se arrisca no mercado ou tem a sorte de encontrar um mecenas que a sustente. Admitamos que de facto em Portugal o mecenato tem uma expressão bastante reduzida mas o mercado não deixa de ser uma possibilidade real. Naturalmente que mesmo aqui não será possível satisfazer todo e qualquer desejo de expressão artística mas poderemos ao menos estar seguros que a decisão sobre quais as obras a ser financiadas estará em melhores mãos do que se ela residir no estado. Para além de reflectir muito melhor as preferências da população o mercado permite-nos aceder a conteúdos que muito provavelmente nunca seriam produzidos no sistema anterior.
Veja-se exemplo esta série de propostas de lei do mesmo partido e citadas aqui: A leitura da maioria destas propostas mostra uma total irresponsabilidade na elaboração do texto legislativo sendo este tudo menos geral e abstracto indo desde a criação de um regime de segurança social especial para bailarinos ao apoio à renovação das artes circenses (o futuro da nossa economia!). Estes dois casos exemplificam o tipo de favoritismos a grupos de interesse que mina a capacidade de agir do estado e aumenta ainda mais a complexidade e opacidade do sistema ao criar regimes especiais para tudo e mais alguma coisa. Acresce a isto a insistência em usar o estado como meio de sustento de sectores aparentemente insustentáveis como parece ser o caso da arte circense que segundo o próprio texto é um “sector que debate-se com um conjunto de deficiências estruturais que têm dificultado a sua recuperação e adaptação às novas procuras do público”. Naturalmente, quando uma determinada actividade não encontra públicos é o papel do estado obrigar o contribuinte a financiar a dita cuja.
O esvaziamento dos circos resultaria “numa crise endémica com efeitos sociais e culturais profundos”, mais uma vez uma tentativa de determinar por via legal o que é e deve ser a cultura. Se a própria indústria está devota de público e com tão pequena expressão é de questionar que crise social profunda é essa que se abaterá sobre nós quando os circos se mudarem para pastagens mais férteis. São este tipo de fantasias que ocupam o tempo da Assembleia e apesar de na totalidade os financiamentos à arte e à cultura serem pequenos no total da nossa desgraça orçamental a sua existência levanta questões morais e políticas relacionadas com o modelo de financiamento estatal. Sendo este pago por impostos, assume uma natureza coerciva e implica uma imposição do estado em detrimento da liberdade de cada um de tomar as decisões que bem entende no que diz respeito a esta área. Por último, a própria existência, num estado de direito democrático, de um Ministério da Cultura que define quem é “digno” de financiamento aproxima-se perigosamente de tentações de planificação da identidade e da cultural “nacional” como instrumento de coerção e que é fundamentalmente incompatível com o desenvolvimento livre e espontâneo de uma matriz cultural que origina acima de tudo nos indivíduos ao invés da burocracia.
O corte nos financiamentos à produção artística e cultural não vai negar nem de perto o acesso à cultura a milhões. A cultura e a arte existem sempre sem que seja necessária intervenção do poder político e não são definidas de cima para baixo nem podem ser circunscritas a um ministério ou àquilo que é amigável desta ou daquela ideologia.
sábado, 10 de dezembro de 2011
Uma questão de escala (III)
Uma manifestação da interdependência actualmente existente são as Convenções Modelo da OCDE (p.ex. esta, numa matéria tão relevante para a soberania como os impostos) ou os «standards» regulatórios do Comité de Basileia. Apesar de nos encontrarmos perante «soft law», a verdade é que a interdependência gerou a necessidade de emergirem «standards» internacionais/globais que depois os Estados (ou a UE) acabam por transpor para os seus ordenamentos jurídicos (transformando-os em «hard law»). Ora, este processo é equivalente a processos muito semelhantes que existem, por exemplo, nos Estados Unidos, nos quais muitas «leis modelo» são desenvolvidas e depois transformadas em lei em vários Estados (à margem do Governo federal e em áreas da competência dos Estados federados).
Como se pode ver, este tipo de processos não põem em causa a soberania dos Estados, embora mostrem que ela funciona de forma condicionada. Mas também a nível global se coloca em causa a soberania dos Estados face à emergência de problemas que afectam todos os Estados e que precisam de uma resposta global (veja-se o terrorismo global, por exemplo, ou até questões migratórias ou comerciais). Por outro lado, o cada vez maior reconhecimento do indivíduo enquanto tal, e não como apenas uma emanação de certo Estado, serve também para minar o poder dos Estados (embora reconheça que ainda há um longo caminho a percorrer). O surgimento de empresas multinacionais e organizações não-governamentais globais têm, por sua vez, efeito semelhante.
Já existe uma comunidade política global, da qual todos fazemos parte, e sobre a qual também importa discutir o modelo de governação. A estagnação e arrastamento das negociações de Doha têm efeitos que se repercutem em cada um de nós, espalhados pelo mundo inteiro. A crise da União Europeia tem efeito nos EUA e a crise dos EUA tem efeito na União Europeia. A política monetária chinesa tem efeitos a nível global. No entanto, todos estes debates continuam a ser tratados e concebidos mediaticamente como conflitos entre Estados e as negociações de Doha nem costumam aparecer fora da comunicação social especializada, o que aliás também acontece com o debate sobre o modelo de governação a nível global.
É preciso inserir a crise que actualmente vivemos na União Europeia no contexto da crise que se vive nos EUA e também da emergência da China, da Índia e do Brasil e do ressurgimento da Rússia, entre outros processos marcantes do nosso tempo, para começar a tentar perceber as implicações do que se está a passar. Não basta pensar na perspectiva puramente interna portuguesa ou mesmo nas quezílias internas da União Europeia, que é tendencialmente aquilo que é feito.
Por outro lado, enquanto a interdependência e os benefícios que traz não forem valorizados como eu, pelo menos, penso que deviam ser, corremos o risco de que comecem a ser desvalorizados e até mesmo culpados pela crise. Daí a começarem a surgir barreiras à livre circulação, em nome da «soberania nacional», vai um passo muito pequeno, com os custos de oportunidade incalculavelmente elevados que isso traria.
Da Direita conservadora não se pode esperar que faça a defesa da liberdade e da interdependência global. Na Esquerda, ouvimos sistematicamente a palavra «estrangeiro» ser utilizada como se de um insulto se tratasse, com referência ao FMI e à UE (instituições das quais Portugal é membro, ainda por cima), bem como a defesa intransigente da «soberania nacional».
Cabe, então, aos liberais democratas fazer a defesa intransigente da interdependência global, do comércio livre, da primazia do Direito nas relações internacionais e da importância do indivíduo na política global. Enfrentando conservadores quer à Direita, quer à Esquerda, em nome da paz, da prosperidade e de um mundo melhor.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
«Não temos alternativa: somos europeus quer queiramos quer não»
«Peço desculpa por só agora intervir mas regressei dos Estados Unidos e ainda estou a recuperar do jet lag e a por a minha agenda em dia. E peço desculpa, igualmente, por fazer uma leitura muito diferente da questão. Até agora, todos se centraram na questão da identidade embora definida de formas diferentes. Eu quero defender que sermos ou não europeus não é uma questão de identidade. Somos Europeus porque as nossas vidas estão hoje profundamente interligadas com os outros europeus (da UE). Por outras palavras, é a interdependência que determina a pertença a uma comunidade política. Uma organização política resulta sobretudo da necessidade de gerir conflitos e cooperar na resolução de interesses comuns (veja-se – e o Miguel sabe melhor isto que eu seguramente – a forma como o Hobbes relaciona o aparecimento de comunidades políticas com conflitos resultantes da proximidade territorial). Ao contrário da visão predominante, uma comunidade política resulta mais da necessidade de regular o pluralismo e diversidade num contexto de interdependência do que de uma suposta identidade pré-existente. Tradicionalmente, a necessidade de organização política resultou da proximidade territorial porque era isso que determinava a interdependência (inicialmente uma cidade). Hoje em dia a interdependência é cada vez mais independente do território. Os fluxos económicos, migratórios, culturais e sociais dentro do espaço europeu é o que nos faz europeus. Neste sentido, a Europa já é uma comunidade política. Isto, independentemente da existência de um demos. A existência de um demos pode ajudar a suportar a construção dos mecanismos de auto-governo necessários a um exercício legítimo do poder nessa comunidade política. Mas isso não deve ser confundido com a existência de uma comunidade política. A forma como estamos hoje todos suspensos do que se está a passar em Bruxelas é a prova de que somos europeus. Quer queiramos quer não... Outra questão é e legitimidade do poder dentro desta comunidade. Começar a responder a esta questão fica para outra vez... »
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Simplismo, Complexidade e Populismo
As mensagens populistas reduzem a realidade a um conjunto de proposições muito simples, fáceis de «vender» e de «captar». Jogam geralmente com o medo que as pessoas têm daquilo que é diferente e daquilo que não conhecem, envolvendo-se muitas vezes em afirmações triviais (ver aqui e aqui), chavões que ninguém questiona e que não precisam de ter grande substância. Depois, apresenta soluções também elas de simples apreensão e que fazem apelo ao «senso comum» (ver aqui e aqui) e à emoção.
Num momento de crise, as mensagens populistas apontam culpados e dizem que castigando esses culpados tudo se resolve. Prometem que, aplicando uma receita muito simples, podemos voltar a ter controlo das nossas vidas, que nos foi retirado, sem culpa nossa, por decisões que não podíamos controlar mas deveríamos poder. Prometem que, aplicando as suas ideias, podemos deixar de ter medo e de nos sentirmos inseguros, porque os problemas que nos dizem serem complexos são, na verdade, extremamente simples e simples de resolver.
Este tipo de mensagem é extremamente apelativo mesmo fora de tempos de crise, mas durante as crises torna-se particularmente sedutor. É difícil combater esta mensagem de forma eficaz sem cair em demagogias ou populismos próprios. A simplicidade atrai enquanto a complexidade afasta, dado que ninguém gosta de sentir que não é inteligente o suficiente para perceber o que lhe está a ser dito. Além disso, uma mensagem complexa que causa problemas de compreensão gera desconfiança, enquanto uma mensagem que se entende terá o efeito inverso.
Dizer que a realidade das relações humanas é uma realidade extremamente complexa e que não existem varinhas mágicas para resolver problemas, com a agravante de que todas as soluções propostas têm, elas próprias, custos não é uma mensagem apelativa. Tentar explicar conceitos complexos de forma simples mas, apesar de tudo, exacta é tarefa muito difícil, especialmente quando se luta por exposição mediática com um bombardeamento constante de mensagens demagógicas, simplistas e populistas.
Um bom debate público em democracia é fundamental para o seu bom funcionamento. Mas um debate público numa democracia liberal terá sempre uma componente populista, demagógica e simplista. Essa componente simplista aliada a elementos extremistas e anti-democráticos numa altura em que o centro não consegue arranjar soluções (e, frequentemente, se degladia com mensagens populistas próprias) mina a própria democracia.
A forma de combater este fenómeno parece-me ser conseguir que os elementos moderados em democracia (que, enfatizo, vão para além dos partidos políticos), sejam capazes de debater de forma substantiva e tenham, de facto, propostas para resolver problemas, não propostas para ganhar jogos de política pura. Isto tem sido, no entanto, aquilo a que sistematicamente temos vindo a assistir.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Uma questão de escala (II)
Os Estados Membros não existem num vazio. As decisões que tomam enquanto Estados afectam os outros Estados Membros e as decisões (ou falta delas) a nível europeu afectam a situação interna dos Estados. A interdependência actualmente existente é uma evidência e a forma como tem estado a afectar a crise também. A forma como lidamos com esta interdependência no futuro é a chave para sairmos desta crise específica (não, claro, para eliminar toda e qualquer crise) que é também uma crise institucional europeia.
Uma forma de lidar com a interdependência existente consiste em manter uma UE de Estados, em que a legitimidade da UE venha do facto de nos encontrarmos perante Estados Membros com democracias, além do Parlamento Europeu. Esta fórmula manteria a soberania dos Estados, mesmo que tendencialmente cada vez mais de forma meramente simbólica, admitindo a soberania nacional como um valor a respeitar e bom por si só, que não pode pura e simplesmente ser abandonado.
Não me parece, no entanto, que manter este sistema resolvesse os problemas que pretendemos resolver, como já tenho tido oportunidade de discutir aqui no blogue. Será relevante, ainda assim, que o princípio da subsidiaridade seja escrupulosamente cumprido. Isto porque, apesar de haver, neste momento, problemas que, a terem solução, a têm à escala europeia, continuam a existir questões para as quais a solução deve manter-se nos Estados Membros. As competências da federação europeia devem ser definidas tendo sempre em atenção este importante principio.
Deste modo, Portugal continuaria a ter de resolver o seu problema de competitividade, mas fá-lo-ia dentro de uma federação europeia, mantendo um nível de autonomia razoável para resolver questões nas quais não seria necessário a União Europeia intervir. A União Europeia, por sua vez, seria dotada de meios para resolver os problemas europeus de forma eficiente, prestando contas directamente aos cidadãos europeus. Os problemas passariam a ser resolvidos à escala apropriada e com um sistema de tomada de decisão mais eficiente.
Numa altura em que há mudanças tectónicas relevantes na geopolítica, com a mudança do «eixo» das relações internacionais para o Pacífico, e tendo em atenção os diversos problemas globais com os quais nos deparamos, para os quais haverá que encontrar soluções, é importante que a União Europeia saiba actuar à escala correcta para que a sua voz não se torne progressivamente irrelevante no contexto global.
Não é apenas o modelo de governação da UE que está a ser debatido, afinal. Também o modelo de governação a nível global o está a ser. Se os Estados europeus quiserem contar nesse debate público a nível global não podem, em primeiro lugar, deixar de se unir e, em segundo, não podem ceder a tentações anti-EUA ou mesmo anti-China primárias. Porque não nos podemos esquecer que a escala europeia não é o limite: hoje em dia, funcionamos também à escala global.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
FFMS: Até que ponto somos europeus?
Fica o convite para o debate que ocorre neste momento:
domingo, 4 de dezembro de 2011
Uma questão de escala (I)
sábado, 3 de dezembro de 2011
Curtas numa noite de Inverno
2. Os constantes encontros entre França e Alemanha para discutir o futuro da União Europeia têm essencialmente servido para nos trazer propostas coxas que não resolvem os problemas de fundo e causam apenas mais instabilidade, além de que os encontros bilaterais apenas servem de achas para a fogueira do eurocepticismo em países que não sejam a França ou a Alemanha. Mas infelizmente, a Comissão Europeia anda demasiado apanhada por ideias relativas a «impostos sobre as transacções» para dar um contributo mais relevante para o debate sobre o futuro da União Europeia.
3. O Parlamento Europeu é sistematicamente ignorado pela comunicação social apesar da sua importância no actual desenho institucional da União Europeia, especialmente pós-Tratado de Lisboa. Curiosamente, depois, a população em geral tende a considerar o Parlamento Europeu como sendo pouco relevante. Seria importante que começasse a ser dada ao Parlamento Europeu a relevância que deve ter. Afinal, é suposto é a comunicação social manter a população informada de temas relevantes para a sua vida em comunidade, e o que acontece no Parlamento Europeu tem influência muitíssimo relevante (basta ver o que aconteceu ao Acordo SWIFT).
4. A Croácia vai aderir à União Europeia no dia 1 de Julho de 2013. Numa altura em que alguns se parecem esquecer daquilo que a União Europeia nos trás, ou então dar as várias liberdades europeias por garantidas, é importante lembrar que o ideal europeu pode facilmente ser consumido pelas chamas do nacionalismo e do populismo se esta crise se agudizar e os europeístas não tentarem, pelo menos, participar de forma dinâmica no debate público sobre o futuro da União Europeia.
5. Eu não sou daqueles que acham que milagrosamente se conseguiria reproduzir os benefícios da União Europeia sem esta e penso que está na altura de dar um passo em frente. Mas para que esse passo em frente seja um passo sólido, é preciso que haja um debate público europeu sobre o tema que vá para além das meras tricas nacionalistas costumeiras. Infelizmente, a comunicação social e a liderança política dos Estados Membros não parece estar para aí virada e os grupos federalistas não têm ainda voz relevante. É urgente que fortaleçam a sua voz.