(Fim.)
"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
domingo, 13 de janeiro de 2013
Parte 2 - O nosso azar
Da Esquerda à Direita, o nosso azar é ainda haver gente que estudou os assuntos para falar sobre eles, para as pessoas que formam opiniões com base em argumentos terem fontes para começar o seu próprio estudo e para desenvolver as suas opiniões críticas sobre os temas.
O nosso azar é não nos faltarem temas prementes que permitam às pessoas que nos forçam a confrontar ideias feitas e discutir seriamente o futuro do país, argumentando contra ou a favor as várias hipóteses políticas sobre a mesa, sob pena de não resolvermos os nossos problemas.
O nosso azar é, aliás, ainda haver gente disposta a dar opiniões fora do habitual e disposta a lutar pelas suas ideias de forma intelectualmente honesta, a desmontar falácias e a procurar compromissos razoáveis independentemente de questões meramente pessoais.
O nosso azar é que tudo isto aconteça.
Mas se não acontecesse, o que seria de nós e da nossa democracia?
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Parte 1 - A nossa sorte
Da Esquerda à Direita, a nossa sorte é haver tanta gente que não estudou os assuntos para falar de cátedra sobre eles, para as pessoas que formam opiniões com base em supostas autoridades terem alguma coisa para repetir acriticamente.
A nossa sorte é não nos faltarem temas muito para além de secundários que permitam às pessoas que gostam de julgar os outros mostrarem a sua auto-proclamada superioridade moral apontando a futilidade de ambições alheias e a suposta inferioridade moral de pessoas que não conhecem pessoalmente.
A nossa sorte é, aliás, haver tanta gente à mão de semear para ser sacrificada no altar da indignação moral assolapada das redes sociais e dos meios de comunicação social para todos sabermos que o desprezo, a tentativa de humilhação e a chacota primária podem ser boas coisas, quando usadas contra gente que seja considerada inferior por gente que se considera a si própria bem pensante.
A nossa sorte é que tudo isto aconteça.
Se não acontecesse, o que seria de nós e da nossa democracia?
A nossa sorte é não nos faltarem temas muito para além de secundários que permitam às pessoas que gostam de julgar os outros mostrarem a sua auto-proclamada superioridade moral apontando a futilidade de ambições alheias e a suposta inferioridade moral de pessoas que não conhecem pessoalmente.
A nossa sorte é, aliás, haver tanta gente à mão de semear para ser sacrificada no altar da indignação moral assolapada das redes sociais e dos meios de comunicação social para todos sabermos que o desprezo, a tentativa de humilhação e a chacota primária podem ser boas coisas, quando usadas contra gente que seja considerada inferior por gente que se considera a si própria bem pensante.
A nossa sorte é que tudo isto aconteça.
Se não acontecesse, o que seria de nós e da nossa democracia?
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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Enunciar posições do topo de um pedestal
Há quem ache que enunciar a sua posição é suficiente. Principalmente se for feito num tom que não admite resposta, do estilo «isto é assim porque eu digo e eu sei que é assim e acabou a discussão». Quando alguém contra-argumenta ou levanta uma objecção, a resposta poderá ser a típica descaracterização da posição contrária ou um ataque pessoal qualquer.
Enunciar posições do topo de um pedestal com base em «convicções» do tipo «toda a gente sabe que é assim», ou seja, afirmar alguma coisa com base em rumores como se esses rumores fossem todos muito credíveis (claro que são credíveis - confirmam o que a pessoa quer ouvir, ora pois!), não serve de muito se não se conseguir ir além do diz-que-disse.
Lamento, mas não basta despejar meia dúzia de ideias feitas para se estar a argumentar. E escrever ou falar num tom muito assertivo também não é o mesmo que argumentar. Principalmente quando roça a arrogância e o tonzinho moralista de quem se coloca a si próprio num pedestal qualquer especial em que, impoluto ou dotado de outra característica mágica qualquer, decide que sabe, e que portanto pode ignorar o que os outros dizem, e em vez disso tentar desqualificá-los.
Adoptar tons solenes e «dignos» não confere automaticamente solenidade ao que se diz. E quando o que se diz é um conjunto de lugares comuns, parece apenas pretensiosismo, e evidencia a futilidade e o vazio, em termos substantivos, daquilo que está a ser dito.
Tudo isto são truques. Nada têm a ver a ver com a lógica nem com a veracidade do que está a ser dito. Mas são formas muito eficazes de manipular a forma como aquilo que se diz é encarado. É uma boa forma de passar mensagens simplistas e fazê-las parecer algo mais do que isso, mas também uma forma de tentar conferir solenidade a ideias que de outra forma seriam atacadas - como a xenofobia ou o racismo.
Parte do debate com pessoas que enunciam posições de um pedestal é mostrar o quão imaginário esse pedestal é. Isso pode ser feito de várias formas. Mas torna o debate mais difícil. Principalmente quando não se tem um pedestal próprio de onde enunciar opiniões - sendo que as opiniões vão sempre divergir acerca de se um pedestal é merecido ou não (e quem veja um pedestal imaginário pode bem considerar que isso retira credibilidade ao que a pessoa diz, mesmo que a pessoa até esteja a dizer algo factualmente correcto).
Breves notas sobre vários temas
1. Jean-Claude Juncker defende reajustamento do programa português. O argumento é o de que um país que cumpra o programa de ajustamento deve ser recompensado por o cumprir. É importante o Governo português saber gerir esta questão como deve ser, sem as precipitações da última vez que o tema veio à baila. É evidente que seria bom para a nossa recuperação se recebêssemos condições mais simpáticas para nós (mas, já agora, ver aqui e aqui).
2. A Comissão eventual sobre a reforma do Estado que a maioria vem agora propor já devia ter sido lançada. Devia ter surgido logo no início da legislatura. Em boa verdade, devia ter surgido há anos, quando a reforma poderia ter sido feita sem estarmos numa crise, mas isso já teria sido pedir muito. Seria importante o PS deixar de brincar aos «slogans» e entrasse como deve ser num debate a sério sobre a reforma do Estado. Não vi ainda nenhum partido político defender o fim do Estado Social (em Portugal, só em blogues encontro gente a defender isto), embora tenha visto gente a defender outras prioridades ou outras formas de fazer as coisas. Mas isso não é destruir o Estado Social - é reformar o Estado Social.
3. Por muito que isso custe a algumas pessoas (como sempre, à Esquerda e à Direita), não vivemos no século XIX. Não vivemos também nos anos 50 do século XX, ou nos anos 70, ou nos anos 90. E, por muito que isso também custe, o mundo mudou, as condições de vida e expectativas das pessoas mudaram, a tecnologia mudou (e bastante), e a escala mudou - e agir como se não, repetindo «mantras» de tempos passados, não ajuda a resolver problemas.
4. Lançar um debate em torno de um relatório técnico do FMI não é um enorme insulto a quem quer que seja - muito menos à democracia; não é causa para pedir a demissão de um Governo apoiado por uma maioria parlamentar; não significa que o Governo vá seguir exactamente o que está nesse relatório no relatório que apresentar a final. As propostas do relatório não significam que o Memorando falhou ou esteja a falhar. Também não significam o fim do Estado Social (ver acima). E não faz sentido absolutamente nenhum vir agora pedir eleições antecipadas. Um relatório técnico é um contributo para um importante debate alargado sobre a reforma do Estado, nada mais, e o importante é lê-lo e debatê-lo de forma crítica e séria. E, de preferência, deviam surgir outros relatórios deste tipo, sobre este tipo de temas, para também serem parte do debate público sobre o tema.
2. A Comissão eventual sobre a reforma do Estado que a maioria vem agora propor já devia ter sido lançada. Devia ter surgido logo no início da legislatura. Em boa verdade, devia ter surgido há anos, quando a reforma poderia ter sido feita sem estarmos numa crise, mas isso já teria sido pedir muito. Seria importante o PS deixar de brincar aos «slogans» e entrasse como deve ser num debate a sério sobre a reforma do Estado. Não vi ainda nenhum partido político defender o fim do Estado Social (em Portugal, só em blogues encontro gente a defender isto), embora tenha visto gente a defender outras prioridades ou outras formas de fazer as coisas. Mas isso não é destruir o Estado Social - é reformar o Estado Social.
3. Por muito que isso custe a algumas pessoas (como sempre, à Esquerda e à Direita), não vivemos no século XIX. Não vivemos também nos anos 50 do século XX, ou nos anos 70, ou nos anos 90. E, por muito que isso também custe, o mundo mudou, as condições de vida e expectativas das pessoas mudaram, a tecnologia mudou (e bastante), e a escala mudou - e agir como se não, repetindo «mantras» de tempos passados, não ajuda a resolver problemas.
4. Lançar um debate em torno de um relatório técnico do FMI não é um enorme insulto a quem quer que seja - muito menos à democracia; não é causa para pedir a demissão de um Governo apoiado por uma maioria parlamentar; não significa que o Governo vá seguir exactamente o que está nesse relatório no relatório que apresentar a final. As propostas do relatório não significam que o Memorando falhou ou esteja a falhar. Também não significam o fim do Estado Social (ver acima). E não faz sentido absolutamente nenhum vir agora pedir eleições antecipadas. Um relatório técnico é um contributo para um importante debate alargado sobre a reforma do Estado, nada mais, e o importante é lê-lo e debatê-lo de forma crítica e séria. E, de preferência, deviam surgir outros relatórios deste tipo, sobre este tipo de temas, para também serem parte do debate público sobre o tema.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
Relatório do FMI - Parte 1
Algumas notas sobre o Sumário Executivo do relatório do FMI sobre reforma do Estado e cortes na despesa:
1. O relatório refere três objectivos fundamentais que servem de pano de fundo a todas as propostas: aumentar a eficiência no fornecimento de bens e serviços públicos, enfoque na obtenção de resultados equitativos e o estímulo da actividade económica e do empreendedorismo.
O relatório não se limita a apontar zonas onde cortar. Aponta também reformas muito concretas para o funcionamento do Estado Social, que vão além de simplesmente decidir cortar aqui ou ali.
2. No relatório refere-se que o Governo já fez o seu próprio trabalho de «benchmarking» para preparar propostas governamentais de reforma do Estado e de corte na despesa.
O relatório refere também que os técnicos responsáveis pelo relatório estão em grande medida de acordo com esse trabalho do Governo, que deverá ser divulgado quando o próprio Governo apresentar o seu relatório sobre a reforma do Estado Social e sobre cortes na despesa.
Neste ponto, pelo menos, não deve haver grandes divergências entre os relatórios. Aliás, os temas abordados neste relatório são os temas que eu tendo a ver a serem discutidos quando se fala da reforma do Estado Social, e aliás os temas expectáveis - salários, pensões, sistema de Educação, sistema de Saúde...
De referir ainda que o relatório menciona expressamente que o Governo está a tentar identificar as reformas a levar a cabo dentro do enquadramento constitucional vigente.
3. Refere-se expressamente à necessidade de agir relativamente aos salários do Estado e às pensões, que constituem importantes fontes de despesa pública.
Em salários públicos e pensões já este Governo e o Governo anterior cortaram, e esses cortes foram sujeitos ao crivo do Tribunal Constitucional. Estão previstos novos cortes e, de novo, vai haver intervenção do Tribunal Constitucional. É importante a ligação entre este ponto e os dois pontos seguintes.
4. Refere-se que existe excesso de pessoal no sector a trabalhar em Educação e nas Forças de Segurança, bem com um excesso de pessoal pouco qualificado a trabalhar para o Estado; fala-se também especificamente das horas extraordinárias pagas aos médicos.
O excesso de pessoal encontrado está naturalmente ligado à importância que os salários têm no nível de despesa pública. As alternativas aos cortes de salários transversais passam por despedimentos selectivos em áreas que se considere serem excedentárias em termos de pessoal.
Naturalmente que quem lá trabalhe vai dizer exactamente o contrário, e entramos no problema a que eu já me referi aqui e aqui. Toda a gente directamente e indirectamente afectada por estes cortes vai clamar pela sua injustiça, com mais ou menos razão, e toda a gente que paga a factura vai estar demasiado pulverizada para se organizar.
A dificuldade em diminuir o número de funcionários públicos é um problema quer ao nível do corte de despesa, quer ao nível de ser possível gerir o Estado de forma eficiente para os contribuintes. Um Estado que apenas consegue reduzir pessoal através de programas de estancamento de contratações ou ao deixar expirar contratos a prazo não é um Estado que se consiga gerir decentemente
5. O relatório refere a necessidade de que a estrutura de remunerações do Estado seja atractiva para os mais talentos, que haja equidade entre trabalhadores do sector público e do sector privado, e que haja maior mobilidade para dentro e para fora do sector público.
Este ponto é, a meu ver, muito importante. Sendo objectivo cortar na Função Pública, cortam-se salários, mas não aqueles que estejam abaixo de 1500 euros, e os cortes são aplicados de forma progressiva, podendo chegar aos 10%. O resultado é tornar os salários de topo da Função Pública cada vez menos apetecíveis quando comparados com salários do sector privado, ao mesmo tempo que, pelo contrário, os salários mais baixos são mais apetecíveis, quando comparados com os do sector privado.
Isto cria entraves à contratação de gente de qualidade e excelência para cargos de topo na Função Pública (sem desmerecer quem lá está agora), ao mesmo tempo que cria incentivos a que as pessoas com qualificações mais baixas procurem empregos na Função Pública, por ficarem mais protegidas do que no sector privado.
O tema da equidade entre trabalhadores públicos e trabalhadores privados já tem sido abordado mediaticamente. Lembrou-me logo a notícia de que o Governo pretende criar uma espécie de «Código do Trabalho» para Função Pública e aproximar o regime de emprego público ao regime de emprego privado. Lembrou-me também a forma como o Tribunal Constitucional fez tábua rasa do tema na sua decisão sobre salários e pensões (a ler também o que Vital Moreira menciona aqui, embora já sobre o OE 2013).
A ideia da mobilidade para dentro e para fora do sector público liga-se com a ideia de que o Estado deve competir com os privados pelos melhores, com a ideia de que também é importante ter experiência no sector privado quando se trabalha no sector público, e com a ideia de que é necessário ter cuidado para impedir que isto crie relações demasiado íntimas e próximas entre entidades públicas e entidades privadas (a questão coloca-se de forma particularmente premente em relação a entidades reguladoras independentes).
6. De entre várias opções, o relatório foca-se na necessidade de levar a cabo reduções de pessoal específicas, após análise cuidada. Por outro lado, menciona-se a possibilidade de fusão da Caixa Geral de Aposentações e do sistema de segurança social aplicado ao resto da população, bem como a possibilidade de aplicar a mesma fórmula para calcular as pensões a todos os trabalhadores e a aplicação de um factor de sustentabilidade a todas as pensões.
Aqui fazem-se propostas específicas para reduzir os benefícios específicos de trabalhar na Função Pública, aplicando-se aos funcionários públicos o regime geral, e não um regime especial, ao mesmo tempo que se aplicaria a mesma fórmula de cálculo para toda a gente - mesmo os que tenham entrado para o CGA antes de 1993. A ideia é unificar o sistema de pensões público como forma de promover a equidade e a eficiência do sistema.
A aplicação de um factor de sustentabilidade a todas as pensões era, penso eu, o que estava pensado após a reforma da segurança social do Governo Sócrates, que introduziu o factor de sustentabilidade. Com a crise, no entanto, decidiu-se que o factor de sustentabilidade teria um «chão». O que é proposto é que isto desapareça, de forma a promover a sustentabilidade do sistema.
De notar, neste ponto, que não é proposto um sistema de capitalização, mas sim reformas ao sistema já existente.
7. Menciona-se a necessidade de direccionar melhor os programas sociais (através de «means-testing») e de haver uma consolidação desses mesmos programas.
A consolidação dos programas sociais torna o sistema menos complexo e portanto mais fácil de administrar e de compreender pelos potenciais beneficiários. Tendo em conta que a opacidade do sistema resulta em que as pessoas não tenham acesso a prestações a que até teriam direito, por desconhecimento ou incompreensão do sistema, e que a dificuldade de administração gera ineficiências e aumentos de custos, esta medida teria, parece-me, impactos benéficos.
O «means-testing» significaria tentar calibrar e atribuir as prestações sociais a quem delas efectivamente precisa, de forma a tentar maximizar a sua eficácia prática. O problema é mesmo fazer essa calibragem e decidir os critérios a aplicar para a obtenção de uma determinada prestação - tendo sempre em conta a importância de manter o sistema simples, sob pena da complexidade criar os problemas referidos acima.
Em suma, portanto, o objectivo seria simplificar o sistema de prestações sociais, de forma a que efectivamente ajudem quem precisa e que sejam fáceis de administrar.
8. Fala-se ainda na necessidade de reformar o sistemas de Educação e Saúde. No caso da Educação, é aberta a possibilidade de reduzir a participação do Estado enquanto prestador do serviço e aumentar a sua função de regulador, que garante «standards», alterar contratos dos professores e criar um sistema de financiamento das escolas em que o dinheiro segue os alunos, e também maior recuperação de custos no ensino terciário (ou seja, universidades, politécnicos, etc.).
Aplicando este tipo de medidas, teríamos, na prática, um novo sistema de Educação em Portugal, assente na concorrência entre escolas por alunos, dado que seriam os alunos a garantirem o seu financiamento. O Estado, entretanto, definiria a base segundo a qual todas as escolas se teriam de reger, e procuraria assegurar que todas as escolas efectivamente se encontravam nesse «standard» previamente determinado.
De notar que se diz também que este sistema não poderia colocar em causa a universalidade do acesso à Educação. Ou seja, o Estado teria de continuar a assegurar que todos, independentemente da sua condição sócio-económica, teriam acesso à Educação.
O financiamento do ensino superior público em Portugal é feito em larga medida através de subsídios do Estado e as propinas em larga medida não reflectem o custo efectivo do curso. Aumentar as propinas nunca é uma medida popular, mas, se se quer ter ensino superior público sustentável, não existindo recursos infinitos, e não sendo estando nenhum sector imune a reformas dada situação financeira do país, então é preciso tomar medidas impopulares.
Outras medidas que tenho visto referidas noutros lados são a consolidação das universidades públicas e a diversificação de fontes de financiamento das universidades, incluindo aumentar a sua autonomia e capacidade de gerar rendimentos próprios. Não sei ainda se são referidas neste relatório, mas querendo-se evitar a pura e simples privatização das universidades públicas, então é preciso que estas comecem a funcionar de forma diferente.
9. Relativamente ao Sistema Nacional de Saúde, põe-se a hipótese de fundir o SNS com o sistema de saúde das forças de segurança, aumentar o nível de cuidados de saúde terciários e recuperar mais custos.
O relatório não propõe a criação de um sistema de seguro público obrigatório (ou facultativo) ou um sistema de seguros de saúde privados que competem entre si, garantindo o Estado acesso universal a esses seguros privados. Propõe o SNS (o SNS, aliás, encontra-se previsto constitucionalmente - cf. art.º 64.º, n.º 2 a) da CRP), mas gerido de forma diferente (p.ex. com ênfase em cuidados de saúde terciários como substituição aos hospitais).
Dada a necessidade de encontrar soluções dentro do enquadramento constitucional vigente, entende-se a proposta da reforma do SNS nestes termos. Reformas mais drásticas possivelmente necessitariam de uma revisão constitucional, que muito pouco provavelmente passaria, e cuja mera proposta seria provavelmente muito custosa politicamente.
1. O relatório refere três objectivos fundamentais que servem de pano de fundo a todas as propostas: aumentar a eficiência no fornecimento de bens e serviços públicos, enfoque na obtenção de resultados equitativos e o estímulo da actividade económica e do empreendedorismo.
O relatório não se limita a apontar zonas onde cortar. Aponta também reformas muito concretas para o funcionamento do Estado Social, que vão além de simplesmente decidir cortar aqui ou ali.
2. No relatório refere-se que o Governo já fez o seu próprio trabalho de «benchmarking» para preparar propostas governamentais de reforma do Estado e de corte na despesa.
O relatório refere também que os técnicos responsáveis pelo relatório estão em grande medida de acordo com esse trabalho do Governo, que deverá ser divulgado quando o próprio Governo apresentar o seu relatório sobre a reforma do Estado Social e sobre cortes na despesa.
Neste ponto, pelo menos, não deve haver grandes divergências entre os relatórios. Aliás, os temas abordados neste relatório são os temas que eu tendo a ver a serem discutidos quando se fala da reforma do Estado Social, e aliás os temas expectáveis - salários, pensões, sistema de Educação, sistema de Saúde...
De referir ainda que o relatório menciona expressamente que o Governo está a tentar identificar as reformas a levar a cabo dentro do enquadramento constitucional vigente.
3. Refere-se expressamente à necessidade de agir relativamente aos salários do Estado e às pensões, que constituem importantes fontes de despesa pública.
Em salários públicos e pensões já este Governo e o Governo anterior cortaram, e esses cortes foram sujeitos ao crivo do Tribunal Constitucional. Estão previstos novos cortes e, de novo, vai haver intervenção do Tribunal Constitucional. É importante a ligação entre este ponto e os dois pontos seguintes.
4. Refere-se que existe excesso de pessoal no sector a trabalhar em Educação e nas Forças de Segurança, bem com um excesso de pessoal pouco qualificado a trabalhar para o Estado; fala-se também especificamente das horas extraordinárias pagas aos médicos.
O excesso de pessoal encontrado está naturalmente ligado à importância que os salários têm no nível de despesa pública. As alternativas aos cortes de salários transversais passam por despedimentos selectivos em áreas que se considere serem excedentárias em termos de pessoal.
Naturalmente que quem lá trabalhe vai dizer exactamente o contrário, e entramos no problema a que eu já me referi aqui e aqui. Toda a gente directamente e indirectamente afectada por estes cortes vai clamar pela sua injustiça, com mais ou menos razão, e toda a gente que paga a factura vai estar demasiado pulverizada para se organizar.
A dificuldade em diminuir o número de funcionários públicos é um problema quer ao nível do corte de despesa, quer ao nível de ser possível gerir o Estado de forma eficiente para os contribuintes. Um Estado que apenas consegue reduzir pessoal através de programas de estancamento de contratações ou ao deixar expirar contratos a prazo não é um Estado que se consiga gerir decentemente
5. O relatório refere a necessidade de que a estrutura de remunerações do Estado seja atractiva para os mais talentos, que haja equidade entre trabalhadores do sector público e do sector privado, e que haja maior mobilidade para dentro e para fora do sector público.
Este ponto é, a meu ver, muito importante. Sendo objectivo cortar na Função Pública, cortam-se salários, mas não aqueles que estejam abaixo de 1500 euros, e os cortes são aplicados de forma progressiva, podendo chegar aos 10%. O resultado é tornar os salários de topo da Função Pública cada vez menos apetecíveis quando comparados com salários do sector privado, ao mesmo tempo que, pelo contrário, os salários mais baixos são mais apetecíveis, quando comparados com os do sector privado.
Isto cria entraves à contratação de gente de qualidade e excelência para cargos de topo na Função Pública (sem desmerecer quem lá está agora), ao mesmo tempo que cria incentivos a que as pessoas com qualificações mais baixas procurem empregos na Função Pública, por ficarem mais protegidas do que no sector privado.
O tema da equidade entre trabalhadores públicos e trabalhadores privados já tem sido abordado mediaticamente. Lembrou-me logo a notícia de que o Governo pretende criar uma espécie de «Código do Trabalho» para Função Pública e aproximar o regime de emprego público ao regime de emprego privado. Lembrou-me também a forma como o Tribunal Constitucional fez tábua rasa do tema na sua decisão sobre salários e pensões (a ler também o que Vital Moreira menciona aqui, embora já sobre o OE 2013).
A ideia da mobilidade para dentro e para fora do sector público liga-se com a ideia de que o Estado deve competir com os privados pelos melhores, com a ideia de que também é importante ter experiência no sector privado quando se trabalha no sector público, e com a ideia de que é necessário ter cuidado para impedir que isto crie relações demasiado íntimas e próximas entre entidades públicas e entidades privadas (a questão coloca-se de forma particularmente premente em relação a entidades reguladoras independentes).
6. De entre várias opções, o relatório foca-se na necessidade de levar a cabo reduções de pessoal específicas, após análise cuidada. Por outro lado, menciona-se a possibilidade de fusão da Caixa Geral de Aposentações e do sistema de segurança social aplicado ao resto da população, bem como a possibilidade de aplicar a mesma fórmula para calcular as pensões a todos os trabalhadores e a aplicação de um factor de sustentabilidade a todas as pensões.
Aqui fazem-se propostas específicas para reduzir os benefícios específicos de trabalhar na Função Pública, aplicando-se aos funcionários públicos o regime geral, e não um regime especial, ao mesmo tempo que se aplicaria a mesma fórmula de cálculo para toda a gente - mesmo os que tenham entrado para o CGA antes de 1993. A ideia é unificar o sistema de pensões público como forma de promover a equidade e a eficiência do sistema.
A aplicação de um factor de sustentabilidade a todas as pensões era, penso eu, o que estava pensado após a reforma da segurança social do Governo Sócrates, que introduziu o factor de sustentabilidade. Com a crise, no entanto, decidiu-se que o factor de sustentabilidade teria um «chão». O que é proposto é que isto desapareça, de forma a promover a sustentabilidade do sistema.
De notar, neste ponto, que não é proposto um sistema de capitalização, mas sim reformas ao sistema já existente.
7. Menciona-se a necessidade de direccionar melhor os programas sociais (através de «means-testing») e de haver uma consolidação desses mesmos programas.
A consolidação dos programas sociais torna o sistema menos complexo e portanto mais fácil de administrar e de compreender pelos potenciais beneficiários. Tendo em conta que a opacidade do sistema resulta em que as pessoas não tenham acesso a prestações a que até teriam direito, por desconhecimento ou incompreensão do sistema, e que a dificuldade de administração gera ineficiências e aumentos de custos, esta medida teria, parece-me, impactos benéficos.
O «means-testing» significaria tentar calibrar e atribuir as prestações sociais a quem delas efectivamente precisa, de forma a tentar maximizar a sua eficácia prática. O problema é mesmo fazer essa calibragem e decidir os critérios a aplicar para a obtenção de uma determinada prestação - tendo sempre em conta a importância de manter o sistema simples, sob pena da complexidade criar os problemas referidos acima.
Em suma, portanto, o objectivo seria simplificar o sistema de prestações sociais, de forma a que efectivamente ajudem quem precisa e que sejam fáceis de administrar.
8. Fala-se ainda na necessidade de reformar o sistemas de Educação e Saúde. No caso da Educação, é aberta a possibilidade de reduzir a participação do Estado enquanto prestador do serviço e aumentar a sua função de regulador, que garante «standards», alterar contratos dos professores e criar um sistema de financiamento das escolas em que o dinheiro segue os alunos, e também maior recuperação de custos no ensino terciário (ou seja, universidades, politécnicos, etc.).
Aplicando este tipo de medidas, teríamos, na prática, um novo sistema de Educação em Portugal, assente na concorrência entre escolas por alunos, dado que seriam os alunos a garantirem o seu financiamento. O Estado, entretanto, definiria a base segundo a qual todas as escolas se teriam de reger, e procuraria assegurar que todas as escolas efectivamente se encontravam nesse «standard» previamente determinado.
De notar que se diz também que este sistema não poderia colocar em causa a universalidade do acesso à Educação. Ou seja, o Estado teria de continuar a assegurar que todos, independentemente da sua condição sócio-económica, teriam acesso à Educação.
O financiamento do ensino superior público em Portugal é feito em larga medida através de subsídios do Estado e as propinas em larga medida não reflectem o custo efectivo do curso. Aumentar as propinas nunca é uma medida popular, mas, se se quer ter ensino superior público sustentável, não existindo recursos infinitos, e não sendo estando nenhum sector imune a reformas dada situação financeira do país, então é preciso tomar medidas impopulares.
Outras medidas que tenho visto referidas noutros lados são a consolidação das universidades públicas e a diversificação de fontes de financiamento das universidades, incluindo aumentar a sua autonomia e capacidade de gerar rendimentos próprios. Não sei ainda se são referidas neste relatório, mas querendo-se evitar a pura e simples privatização das universidades públicas, então é preciso que estas comecem a funcionar de forma diferente.
9. Relativamente ao Sistema Nacional de Saúde, põe-se a hipótese de fundir o SNS com o sistema de saúde das forças de segurança, aumentar o nível de cuidados de saúde terciários e recuperar mais custos.
O relatório não propõe a criação de um sistema de seguro público obrigatório (ou facultativo) ou um sistema de seguros de saúde privados que competem entre si, garantindo o Estado acesso universal a esses seguros privados. Propõe o SNS (o SNS, aliás, encontra-se previsto constitucionalmente - cf. art.º 64.º, n.º 2 a) da CRP), mas gerido de forma diferente (p.ex. com ênfase em cuidados de saúde terciários como substituição aos hospitais).
Dada a necessidade de encontrar soluções dentro do enquadramento constitucional vigente, entende-se a proposta da reforma do SNS nestes termos. Reformas mais drásticas possivelmente necessitariam de uma revisão constitucional, que muito pouco provavelmente passaria, e cuja mera proposta seria provavelmente muito custosa politicamente.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2013
As xenofobias da moda
Ainda há muito xenófobo por aí, mas a xenofobia aberta é menos visível hoje em dia. Em geral, é uma atitude abertamente condenada, mesmo quando secretamente haja quem nelas reveja. Mas nem todas as formas de xenofobia são tratadas da mesma forma. Basta pensar no anti-germanismo e no anti-americanismo que por aí se vêem, assentes nos mesmos medos, preconceitos, invejas e complexos de inferioridade/de inferioridade de sempre.
Insultar «os americanos» e «os alemães» é moda por entre certa malta que, certamente, se considera extremamente inteligente, culta e educada - bem mais do que «os alemães» e de que «os americanos», cuja lista de pecados e falhas colectivas daria, segundo essa douta visão, para escrever vários livros - e também encher colunas de opinião, conversas de rádio e artigos em blogues. Tudo isto tingido com o mesmo veneno vazio de conteúdo.
Os alemães seriam todos, e sem excepção, rígidos, frios e mal educados, sendo os americanos todos burros, ignorantes e desprezíveis. Do alto de um imaginário pedestal onde majestaticamente se colocam, os xenófobos julgam centenas de milhões de pessoas com base em preconceitos e em complexos próprios. Desprezam o indivíduo, desprezam a diversidade, desprezam tudo menos aquilo que convém às suas ideias pré-concebidas. E quando alguma coisa corre mal, toca a usá-la como exemplo de que se está certo.
É chique e está na moda ser contra a Alemanha, tal como já há anos é chique e é moda ser contra os EUA. Do outro lado, claro está, encontra-se o clube de fãs da Alemanha e dos EUA, que apenas vê virtudes na sua actuação. E ainda do outro lado estão as xenofobias mais socialmente aceites nos EUA e na Alemanha, alimentadas pelo mesmo tipo de medo, ignorância, tablóides e políticos demagogos e populistas.
As xenofobias da moda, chiques e politicamente correctas são parte relevante da crise. Afastam-nos de soluções e afastam-nos da resolução dos problemas, focando a atenção em questiúnculas imaginárias que nos impedem de aproveitar todo o potencial da nossa cooperação. E diga-se desde já que estas xenofobias são propriedade da Esquerda e da Direita - ambos os extremos do espectro político têm bem representados os populistas demagogos que se dedicam a atiçar as chamas da xenofobia.
Os EUA e a Alemanha não são países perfeitos. Mas dizer isto é trivial, porque nenhum país é perfeito. Cair em generalizações preguiçosas para encontrar bodes expiatórios é uma enorme perda de tempo e distrai da resolução de problemas sociais, económicos, financeiros e políticos prementes. E isto aplica-se a todas as formas de xenofobia - quer cá, quer na Alemanha, quer noutro lugar qualquer.
Perder tempo a chamar nomes aos alemães, ou os alemães perderem tempo a chamar nomes aos gregos, não vai ajudar ninguém. Mas está na moda. É chique. E muito mais fácil do que resolver problemas.
Insultar «os americanos» e «os alemães» é moda por entre certa malta que, certamente, se considera extremamente inteligente, culta e educada - bem mais do que «os alemães» e de que «os americanos», cuja lista de pecados e falhas colectivas daria, segundo essa douta visão, para escrever vários livros - e também encher colunas de opinião, conversas de rádio e artigos em blogues. Tudo isto tingido com o mesmo veneno vazio de conteúdo.
Os alemães seriam todos, e sem excepção, rígidos, frios e mal educados, sendo os americanos todos burros, ignorantes e desprezíveis. Do alto de um imaginário pedestal onde majestaticamente se colocam, os xenófobos julgam centenas de milhões de pessoas com base em preconceitos e em complexos próprios. Desprezam o indivíduo, desprezam a diversidade, desprezam tudo menos aquilo que convém às suas ideias pré-concebidas. E quando alguma coisa corre mal, toca a usá-la como exemplo de que se está certo.
É chique e está na moda ser contra a Alemanha, tal como já há anos é chique e é moda ser contra os EUA. Do outro lado, claro está, encontra-se o clube de fãs da Alemanha e dos EUA, que apenas vê virtudes na sua actuação. E ainda do outro lado estão as xenofobias mais socialmente aceites nos EUA e na Alemanha, alimentadas pelo mesmo tipo de medo, ignorância, tablóides e políticos demagogos e populistas.
As xenofobias da moda, chiques e politicamente correctas são parte relevante da crise. Afastam-nos de soluções e afastam-nos da resolução dos problemas, focando a atenção em questiúnculas imaginárias que nos impedem de aproveitar todo o potencial da nossa cooperação. E diga-se desde já que estas xenofobias são propriedade da Esquerda e da Direita - ambos os extremos do espectro político têm bem representados os populistas demagogos que se dedicam a atiçar as chamas da xenofobia.
Os EUA e a Alemanha não são países perfeitos. Mas dizer isto é trivial, porque nenhum país é perfeito. Cair em generalizações preguiçosas para encontrar bodes expiatórios é uma enorme perda de tempo e distrai da resolução de problemas sociais, económicos, financeiros e políticos prementes. E isto aplica-se a todas as formas de xenofobia - quer cá, quer na Alemanha, quer noutro lugar qualquer.
Perder tempo a chamar nomes aos alemães, ou os alemães perderem tempo a chamar nomes aos gregos, não vai ajudar ninguém. Mas está na moda. É chique. E muito mais fácil do que resolver problemas.
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Nogueira Leite Justifica-se!
Leio aqui , que Nogueira Leite responde aos anónimos que o criticaram e que não regressar ao grupo Mello.
Curiosamente, nenhuma das questões a que responde interessa. Aliás às duas desculpas de discordância que inventa, pergunto, o senhor Professor Doutor não lê jornais?
Continuo como contribuinte à espera de um balanço.
Terei que esperar muito, pelos vistos.
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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
Reforma do Código do IRC
A reforma do IRC, no sentido de baixar as taxas e simplificar a aplicação do imposto, devia ter sido uma prioridade do Governo. A Comissão que iniciará em breve os seus trabalhos deveria ter iniciados os seus trabalhos pouco depois do Governo ter tomado posse, com um claro mandato de rever o Código do IRC de fio a pavio, sugerir simplificações, com base nas melhores práticas a nível internacional, e calcular o impacto financeiro e económico provável das medidas propostas.
De qualquer forma, é melhor tarde do que nunca. Sendo difícil pura e simplesmente abolir o IRC, principalmente por razões políticas e constitucionais, mas também provavelmente financeiras, baixar as taxas do imposto e simplificar a sua aplicação é a melhor hipótese que se segue. O IRC deve ser um imposto de aplicação simples, com taxas baixas, e sem quinhentos benefícios fiscais a criar distorções e a gerar burocracia.
Os serviços da Administração Tributária e Aduaneira devem ser parte do processo de reforma do imposto, e devem ser preparado direito circulatório relevante para a aplicação do novo Código do IRC com base nas alterações que lhe sejam feitas, que esteja pronto para publicação com a entrada em vigor do Código do IRC. Estas reforma profunda do Código deve ser também um marco, devendo depois o Código do IRC ser deixado em paz durante uns tempos, de forma a cimentar a sua aplicação prática.
Esta reforma do Código do IRC, a aplicar a todas as empresas, faz bem mais sentido do que as várias ideias do Ministro da Economia e Emprego a este respeito. O objectivo de aplicar uma taxa de IRC a «novos» investimentos com valor acima de 3 milhões de euros, e depois apenas a «novos» investimentos, tinha como grande propósito atrair investimento estrangeiro.
Só que escapou ao Ministro que o problema não são simplesmente as taxas - é a complexidade e porosidade do Código, que ainda por cima é alterado todos os anos em questões relevantes (ainda no OE 2013 foram alteradas, do nada, as regras de sub-capitalização). Escapou ainda ao Ministro que não basta atirar números para o ar - é preciso saber se a medida era comportável. E, finalmente, escapou ao Ministro (nas suas intervenções públicas, pelo menos) que esta seria uma boa oportunidade de fazer uma reforma de fio a pavio do Código do IRC para o tornar mais fácil de aplicar.
A reforma do Código do IRC, como vai ser feita, é uma ideia muito melhor do que a ideia original lançada por Álvaro Santos Pereira. É também positivo que a liderar a Comissão esteja alguém do CDS-PP. É natural que o CDS-PP se queira «ligar» a uma medida como esta, mas por outro lado, se a Comissão fizer propostas de mais difícil aplicação, o CDS-PP fica ligado à Comissão, o que a torna mais politicamente difícil de ignorar. Por outro lado, também o PSD quer colher os frutos de baixar impostos enquanto Governo, e Lobo Xavier como Presidente da Comissão é uma forma de dar alguma coisa ao CDS-PP.
Veremos quem serão os outros membros da Comissão e o que sairá das suas propostas. O relatório que apresentar deverá ter um destino mais proveitoso que o da Comissão presidida por João Duque para estudar o serviço público de televisão, no entanto, pelos motivos apontados no parágrafo anterior. E esta é uma oportunidade de tomar uma medida que, de facto, ajude a tornar Portugal mais competitivo - uma de muitas que são necessárias.
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domingo, 6 de janeiro de 2013
Privatização da RTP e Reforma do Poder Local
O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, tinha dois «dossiers» principais em cima da mesa: a privatização de um canal da RTP e a reforma autárquica. Ora, neste momento, é já claro que não vamos ter reforma autárquica que se veja - apenas o fim de uma série de freguesias - e parece cada vez menos provável que vamos ter a privatização de um canal da RTP.
No caso da reforma do poder local, seria uma reforma importante se fosse bem feita. Não o seria se redundasse num mero corte aleatório do número de autarquias. Este seria um bom momento para olhar para a distribuição de tarefas entre o Estado central e o Poder Local e pensar se não seria boa ideia transferir atribuições e competências do Estado central para o Poder Local. Após o que se poderia pensar em qual a escala mais razoável para as autarquias mais autónomas, inclusivamente a nível fiscal.
Uma verdadeira reforma do Poder Local envolveria tudo isto, e poderia ter consequências relevantes quer a nível de ganhos de eficiência e cortes na despesa, quer a nível de transferência de poder para mais perto das populações, quer para aumentar o nível de responsabilidade e autonomia das autarquias. Em vez disso, acabamos com a redução do número de freguesias e o que, pelas notícias, me pareceu ser um fundo de resgate de autarquias - esperemos que um fundo que acautele os incentivos perversos que esse tipo de fundos podem gerar.
No que toca à privatização de um canal da RTP, as coisas são simples. O programa de Governo prevê a privatização de um canal da RTP. O CDS-PP está ligado a esse programa de Governo e, se não gostava, então não tinha entrado no Governo. Está lá no programa que o Governo se comprometeu a cumprir, e já o PSD tinha proposto esta privatização durante as eleições. Não estar no Memorando da Troika não retira legitimidade à proposta e à implementação da medida.
Infelizmente, no entanto, para quem, como eu, apoia a privatização da RTP 1 (e bem mais do que isso, mas a privatização da RTP 1 já seria uma vitória), este «dossier» foi mal gerido do início. O grupo de trabalho chamado a pronunciar-se sobre o assunto foi ignorado, o seu relatório esquecido, e não lhe foi dada qualquer cobertura política pelo Ministro que tinha pedido o relatório - tudo por causa de uma frase de João Duque na imprensa. Depois, tivemos a histeria em torno de declarações de António Borges sobre o tema. Agora, ouvi na rádio, o tema está com o Primeiro Ministro, que discute o tema com o Ministro dos Negócios dos Estrangeiros, com o Ministro dos Assuntos Parlamentares no meio.
O modelo em que a RTP 1 era privatizada e a RTP 2 permanecia pública, mas sem financiamento publicitário, parece-me um compromisso razoável - outro compromisso poderia manter a RTP 2 pública mas com maior ênfase em recursos próprios. Mas o essencial seria privatizar um canal - foi com isto que o Governo se comprometeu, por muito que isso angustie Paulo Portas, e é isto que Miguel Relvas devia estar a preparar, por muito difícil politicamente que fosse. Entretanto, pouco nas notícias me dá esperanças que se acabe a privatizar, pura e simplesmente, a RTP 1.
Mesmo faltando ainda tempo para o final do mandato, é bastante claro que estes dois «dossiers» são dois falhanços, e falhanços claros, de um Ministro que devia ser dos mais fortes politicamente deste Governo. Junte-se a isto os problemas de coordenação e falhas de comunicação do Governo e temos essencialmente um pleno no que toca à actuação do nosso Ministro dos Assuntos Parlamentares, que além disso tem sido dos mais fustigados por motivos extra-governação.
No entanto, não parece credível que Miguel Relvas saia do Governo, apesar do balanço da sua actuação acima descrito. A reforma do Poder Local, que poderia ser uma reforma histórica, fica por fazer, e mal se percebe o que acontecerá com a RTP. O Governo continuará com problemas de coordenação e comunicação. E Miguel Relvas continuará Ministro.
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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Bicicleta, liberdade e economia
Em Portugal, a liberdade não existe em relação à utilização de um dos modos de transporte mais eficientes, baratos e universais que podem existir: a bicicleta. No nosso país, quem queira utilizar a bicicleta para fins utilitários, enfrenta uma legislação que o desprotege, infraestruturas e regulação de trânsito desadequadas, uma mentalidade vigente de alguma hostilidade por outros utilizadores das vias de comunicação e, sobretudo, falta de segurança, um direito fundamental previsto na nossa Constituição. Do ponto de vista da equidade, a gravidade desta falta de liberdade é acentuada pelo facto de a bicicleta ser acessível à população independentemente do seu nível de rendimento, ao contrário do automóvel, o modo de transporte que quase monopolizou a utilização do espaço público e que afasta dele utilizadores de bicicleta e diversos outros grupos. O assunto torna-se ainda mais grave se considerarmos as vantagens que o desbloqueamento das barreiras à utilização da bicicleta teriam para a nossa economia. Sobre este último assunto escrevi para a MUBi um artigo, que aqui replico:
A utilização da bicicleta melhora a economia de Portugal
A utilização da bicicleta em Portugal para fins utilitários catalisa um melhor desempenho económico do país.As condições deficientes para a utilização da bicicleta representam uma barreira à adoção deste modo de transporte. Tal como qualquer barreira à entrada de concorrentes, ela representa uma distorção no mercado da mobilidade. Essa distorção causa ineficiência e um desempenho inferior da economia. As barreiras à utilização da bicicleta impedem o aproveitamento das suas diversas vantagens, incluindo várias que são economicamente tangíveis. Vejamo-las!
Menores custos de deslocação. Entre os modos de transporte mais utilizados e excluindo o andar a pé, a bicicleta é o mais barato, e de muito longe mais barato que o automóvel. Todos os custos incluídos, cada quilometro percorrido em bicicleta custa à volta de 10 vezes menos que de automóvel. Mais bicicleta representa menos despesa com a deslocação das pessoas, e mais rendimento disponível para outras atividades económicas.
Poupança de tempo Num raio de cerca de 5 km em meio urbano, a bicicleta é em média o modo de transporte mais rápido que existe[1]. Quando utilizada em conjunto com outros modos de transporte, o seu raio de acção com vantagem de tempo sobre outras opções de mobilidade pode aumentar para as centenas de km. A não utilização da bicicleta implica também um maior uso de automóvel, cuja utilização excessiva causa problemas de congestionamento e consequente empolamento das perdas de tempo dos utilizadores da infraestrutura. Estima-se que na Europa os custos do congestionamento representem 1% do PIB[2]. Estas perdas são ainda maiores considerando as necessidades de semaforização devido à presença do automóvel. As barreiras à utilização da bicicleta agravam assim negativamente a produtividade da economia por via da redução do tempo disponível para outras atividades.
Menores custos de construção e manutenção de infraestrutura A bicicleta implica custos de construção e manutenção de infraestrutura muito inferiores aos de outros modos de transporte. A bicicleta necessita de menos espaço, e menos solidez da infraestrutura. Cada automóvel provoca anualmente 20€ de custos variáveis em manutenção de estradas[3]. A utilização da bicicleta provocará uma redução dos custos de construção e manutenção de infraestrutura, e a inerente redução dos impostos necessários para os cobrir.
Melhoria do saldo da balança comercial O saldo negativo da balança comercial de Portugal tem sido um dos factores causadores da atual crise económica. Cerca de 20% das importações realizadas correspondem a petróleo e automóveis ligeiros de passageiros. A utilização da bicicleta irá aliviar este peso através de menos importações de petróleo e automóveis, contribuindo para o necessário equilíbrio da economia nacional.
Redução da dependência energética e risco de abastecimento A dependência energética de Portugal face ao exterior causa custos concretos no presente e custos potenciais no futuro. O petróleo que importamos provém de países com elevado grau de instabilidade política, e a escassez deste combustível e o desejável crescimento de economias emergentes resultará previsivelmente num aumento crescente do seu preço. Existem por isso riscos elevados de carências futuras de abastecimento e preços mais elevados. No presente, a presença destes riscos obriga à existência de mecanismos de proteção (como as reservas de petróleo), causando custos concretos. No futuro, potencia custos difíceis de prever. A utilização da bicicleta diminui a nossa dependência do petróleo e oferece um eficaz mecanismo de resiliência face a prováveis carências energéticas no futuro.
Indústria nacional e emprego A grande fatia da produção nacional relacionada com a utilização local dos transportes é capital-intensiva (concretamente, a refinação de produtos petrolíferos), o que significa que oferece oportunidades relativamente reduzidas de emprego comparativamente ao respetivo volume de negócios. A transição da atividade económica para outros setores cria oportunidades de emprego. Por outro lado, existe um potencial para aumentar o volume de negócios da importante indústria nacional de produção de bicicletas, a qual já representa 7% da produção de bicicletas a nível europeu[4](face aos nossos 2% de peso no PIB da Europa). Este tipo de produção industrial tem maior intensidade de trabalho do que as outras atividades de produção relacionadas com a utilização local do automóvel. Assim, da maior utilização da bicicleta em Portugal poderá esperar-se mais emprego.
Diminuição dos custos com saúde A bicicleta promove o exercício físico, que melhora a saúde e reduz a necessidade de recorrer aos serviços de saúde. Por oposição, a vida sedentária promovida pelo automóvel contribui para o agravamento dos custos de saúde. Um estudo empírico demonstrou que as pessoas que se deslocam de bicicleta para o trabalho têm um risco de mortalidade 40% inferior às restantes[5]. Adicionalmente, ao contrário do automóvel e de outros modos de transporte, a bicicleta é livre de emissões poluentes que danificam a saúde das pessoas. A utilização da bicicleta irá reduzir os custos do país com saúde.
Segurança e produtividade A preservação da integridade física dos portugueses tem impactos, também, na sua produtividade económica. Ao contrário do que é intuitivo pensar, o aumento da utilização da bicicleta aumentará a segurança. Está demonstrado que com o aumento de utilizadores de bicicleta vem a diminuição dos acidentes graves neste modo e entre outros modos de transporte. A alteração das regras de segurança (como os limites de velocidade) e do comportamento dos utilizadores do automóvel promove o menor envolvimento destes em acidentes. A bicicleta potencia a produtividade também por via da segurança.
Bem-estar e produtividade Por razões de saúde, de menor índice de stress, e em geral de uma maior positividade perante a vida devido à autonomia e humanismo promovidos pela bicicleta, as pessoas que se deslocam de bicicleta são mais produtivas no seu trabalho. Estes benefícios de produtividade estendem-se também aos não utilizadores de bicicleta que beneficiam de locais mais agradáveis e saudáveis para viver. Por último, o estilo e qualidade de vida promovidos pela utilização da bicicleta são fatores de atração para o país de capital humano com elevado índice de criatividade e diferenciação.
Os efeitos positivos da utilização da bicicleta na economia são, como dizem os ingleses, uma constatação “no brainer”: os benefícios são tão evidentes que ela só não é mais utilizada devido a barreiras cerradas à sua utilização, legais, de infraestrutura e de mentalidade. Uma das medidas mais eficazes que se poderá tomar para a melhoria da nossa economia é, certamente, a remoção das barreiras à utilização da bicicleta.
1 Dekoster, Schollaert (1999) Cycling: the ay ahead for towns and cities, European Commission.
2 Christidis, Ibanez Rivas (2012) Measuring Road Congestion, JRC Technical Notes, IPTS.
3 HEATCO (2006), Developing Harmonised European Approaches for Transport Costing and project
Assessment, European Commission.
4 COLIBI – COLIPED (2012) European Bicycle Market.
5 Andersen L, Schnohr P, Schroll M and Hein H (2000) All-cause mortality associated with physical activity during leisure time, work, sports, and cycling to work, Archives of Internal Medicine, 160, pp. 161-168
Publicado 03-01-2013 MUBi.pt
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Debate constitucional
Pedro Pita Barros escreveu um breve comentário às declarações de Eduardo Catroga sobre a necessidade de haver uma revisão constitucional, relativamente ao qual eu publiquei uma resposta que acabou por ficar com tamanho suficiente para a colocar aqui:
«Concordo. Uma constituição, por definição, numa democracia liberal e num Estado de Direito, serve precisamente para impor limites ao exercício do poder, pelo que o argumento de que se deve alterar a constituição para impedir limites ao exercício desse poder é fraco quando formulado dessa forma.
Não nos seria possível viver sem constituição, no entanto. Uma constituição consiste, numa definição sumária, no conjunto de normas e princípios jurídico-políticos que rege uma determinada comunidade. Onde exista uma comunidade, existe uma constituição – que, aliás, não tem de ser escrita ou de alguma forma codificada (veja-se o Reino Unido).
Deste ponto de vista, aliás, que pessoalmente tendo a considerar a melhor forma de encarar as constituições, a própria União Europeia tem uma constituição – tal como uma qualquer associação (os seus estatutos).
De qualquer forma, de facto, o argumento de que a Constituição da República Portuguesa deve ser alterada porque dá jeito a um determinado Governo numa determinada altura não colhe. Também concordo que a Constituição deve ser alterada, mas por considerar que várias normas nela constantes são problemáticas por uma questão de princípio, por considerar que as coisas devem ser organizadas de forma diferente.
Outro argumento que também considero falacioso e que é muito invocado em debates constitucionais, que neste caso não foi mencionado mas que em outros casos é (veja-se o debate sobre inserir a regra de ouro na Constituição), é o argumento de que uma medida não pode ser inserida na Constituição por ser demasiado ideológica. Ora, a ideologia consiste precisamente num conjunto de ideias/princípios/valores sobre como se deve organizar a comunidade. Qualquer constituição tem subjacente uma determinada ideologia, mesmo que híbrida ou que resulte de diversos compromissos ao longo do tempo, que lhe confere a sua coerência.
Ou seja, um debate constitucional, como qualquer debate político, tem necessariamente cariz ideológico, de todos os lados. Isto não é algo de negativo. Negativo, aliás, é ver o debate político dificultado por afirmações que tentam esconder a ideologia que se lhes encontra subjacente, tentando passar por factual aquilo que é uma opinião e um julgamento de valor.
Concordo que os nossos constitucionalistas, e demais juristas, têm um papel importante a desempenhar neste campo. Mas também não podemos cair (e sei que não é isso que é sugerido) numa pura e simples aceitação daquilo que os (por vezes supostos) peritos dizem. É importante que, além da actuação pedagógica de constitucionalistas, exista uma população que tenha tido uma verdadeira formação para a cidadania, que a meu ver deveria incluir noções básicas sobre, pelo menos, a República Portuguesa e a União Europeia – o que, por definição, implicaria algum estudo, crítico, da Constituição.
O debate público tem de viver da capacidade dos cidadãos de nele intervirem de forma informada e crítica, além da participação de peritos em determinados assuntos. Claro que nunca chegaremos a um mundo ideal com debates públicos perfeitos e cidadãos plenamente informados, mas pelo menos o desenvolvimento do espírito crítico seria muito relevante – especialmente quando, com a Internet, a informação está aí ao virar da esquina.»
«Concordo. Uma constituição, por definição, numa democracia liberal e num Estado de Direito, serve precisamente para impor limites ao exercício do poder, pelo que o argumento de que se deve alterar a constituição para impedir limites ao exercício desse poder é fraco quando formulado dessa forma.
Não nos seria possível viver sem constituição, no entanto. Uma constituição consiste, numa definição sumária, no conjunto de normas e princípios jurídico-políticos que rege uma determinada comunidade. Onde exista uma comunidade, existe uma constituição – que, aliás, não tem de ser escrita ou de alguma forma codificada (veja-se o Reino Unido).
Deste ponto de vista, aliás, que pessoalmente tendo a considerar a melhor forma de encarar as constituições, a própria União Europeia tem uma constituição – tal como uma qualquer associação (os seus estatutos).
De qualquer forma, de facto, o argumento de que a Constituição da República Portuguesa deve ser alterada porque dá jeito a um determinado Governo numa determinada altura não colhe. Também concordo que a Constituição deve ser alterada, mas por considerar que várias normas nela constantes são problemáticas por uma questão de princípio, por considerar que as coisas devem ser organizadas de forma diferente.
Outro argumento que também considero falacioso e que é muito invocado em debates constitucionais, que neste caso não foi mencionado mas que em outros casos é (veja-se o debate sobre inserir a regra de ouro na Constituição), é o argumento de que uma medida não pode ser inserida na Constituição por ser demasiado ideológica. Ora, a ideologia consiste precisamente num conjunto de ideias/princípios/valores sobre como se deve organizar a comunidade. Qualquer constituição tem subjacente uma determinada ideologia, mesmo que híbrida ou que resulte de diversos compromissos ao longo do tempo, que lhe confere a sua coerência.
Ou seja, um debate constitucional, como qualquer debate político, tem necessariamente cariz ideológico, de todos os lados. Isto não é algo de negativo. Negativo, aliás, é ver o debate político dificultado por afirmações que tentam esconder a ideologia que se lhes encontra subjacente, tentando passar por factual aquilo que é uma opinião e um julgamento de valor.
Concordo que os nossos constitucionalistas, e demais juristas, têm um papel importante a desempenhar neste campo. Mas também não podemos cair (e sei que não é isso que é sugerido) numa pura e simples aceitação daquilo que os (por vezes supostos) peritos dizem. É importante que, além da actuação pedagógica de constitucionalistas, exista uma população que tenha tido uma verdadeira formação para a cidadania, que a meu ver deveria incluir noções básicas sobre, pelo menos, a República Portuguesa e a União Europeia – o que, por definição, implicaria algum estudo, crítico, da Constituição.
O debate público tem de viver da capacidade dos cidadãos de nele intervirem de forma informada e crítica, além da participação de peritos em determinados assuntos. Claro que nunca chegaremos a um mundo ideal com debates públicos perfeitos e cidadãos plenamente informados, mas pelo menos o desenvolvimento do espírito crítico seria muito relevante – especialmente quando, com a Internet, a informação está aí ao virar da esquina.»
Black Rebel Motorcycle Club - Beat The Devil's Tattoo
Feliz Ano Novo!
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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Inconstitucionalidades em França
Numa altura em que o Presidente da República enviou diversas normas do Orçamento do Estado para 2013 para serem analisadas pelo Tribunal Constitucional, não deixa de ter alguma piada ler notícias sobre a declaração de inconstitucionalidade de algumas medidas fiscais de François Hollande (e, indirectamente, sobre os níveis de inconstitucionalidade em França). (Uma versão da notícia em português pode ser lida aqui, e aqui fica também um artigo do Guardian sobre o tema.)
De notar que o Conselho Constitucional não declarou a inconstitucionalidade da taxa de 75% com base na taxa em si, mas sim na forma como era calculada a base de incidência do imposto. De notar ainda o impacto orçamental da medida, bem como os níveis a que chegam os impostos em França. Finalmente, é sempre engraçado ver a Esquerda defender o «patriotismo» de pagar impostos, enquanto reclama contra aqueles que «desistem do país» - que é a melhor forma das pessoas começarem a pensar que o país desistiu foi delas.
François Hollande lá vai continuando o seu passeio pela realidade, enquanto a França continua também em crise. Não bastou François Hollande ser eleito para o mundo mudar, o crescimento surgir, e a crise acabar, e não é por António José Seguro ir a França falar com François Hollande que podemos ficar descansados que a situação portuguesa iria melhorar - basta ver a posição do Governo francês relativamente à ideia de Portugal ver menos oneradas as condições para os seus empréstimos.
François Hollande ganhou as eleições contra Nicolas Sarkozy com uma mão cheia de medidas emblemáticas e grandes juras de amor ao investimento público. As medidas emblemáticas provaram ser o que eram. Os cortes na despesa mostraram-se incontornáveis. O Governo francês aplicou uma desvalorização fiscal. E, em parte, vários aumentos de impostos foram agora declarados inconstitucionais.
É evidente que não se podia esperar de François Hollande que resolvesse todos os problemas da França em tão pouco tempo. Mas a rapidez com a qual acabou «apanhado» pelos bitaites que mandou quando teve de governar foi a esperada - da mesma forma que pouco se ouve falar nas «gorduras do Estado» em Portugal por parte do PSD ou do CDS-PP (ou mesmo do PS). Governar é bem diferente de mandar bitaites, inventar «slogans» e ganhar eleições. Governar implica fazer escolhas e tomar medidas, algumas impopulares - e, em tempos de crise, muitas delas provavelmente impopulares.
As inconstitucionalidades em França vêm, de qualquer forma, lembrar que também aumentos de impostos podem ser declarados inconstitucionais - e que essas declarações de inconstitucionalidade têm impacto político, mesmo quando estão em causa apenas medidas emblemáticas (e mesmo que o cerne da questão não tenha sido o valor da taxa ser 75%).
De notar que o Conselho Constitucional não declarou a inconstitucionalidade da taxa de 75% com base na taxa em si, mas sim na forma como era calculada a base de incidência do imposto. De notar ainda o impacto orçamental da medida, bem como os níveis a que chegam os impostos em França. Finalmente, é sempre engraçado ver a Esquerda defender o «patriotismo» de pagar impostos, enquanto reclama contra aqueles que «desistem do país» - que é a melhor forma das pessoas começarem a pensar que o país desistiu foi delas.
François Hollande lá vai continuando o seu passeio pela realidade, enquanto a França continua também em crise. Não bastou François Hollande ser eleito para o mundo mudar, o crescimento surgir, e a crise acabar, e não é por António José Seguro ir a França falar com François Hollande que podemos ficar descansados que a situação portuguesa iria melhorar - basta ver a posição do Governo francês relativamente à ideia de Portugal ver menos oneradas as condições para os seus empréstimos.
François Hollande ganhou as eleições contra Nicolas Sarkozy com uma mão cheia de medidas emblemáticas e grandes juras de amor ao investimento público. As medidas emblemáticas provaram ser o que eram. Os cortes na despesa mostraram-se incontornáveis. O Governo francês aplicou uma desvalorização fiscal. E, em parte, vários aumentos de impostos foram agora declarados inconstitucionais.
É evidente que não se podia esperar de François Hollande que resolvesse todos os problemas da França em tão pouco tempo. Mas a rapidez com a qual acabou «apanhado» pelos bitaites que mandou quando teve de governar foi a esperada - da mesma forma que pouco se ouve falar nas «gorduras do Estado» em Portugal por parte do PSD ou do CDS-PP (ou mesmo do PS). Governar é bem diferente de mandar bitaites, inventar «slogans» e ganhar eleições. Governar implica fazer escolhas e tomar medidas, algumas impopulares - e, em tempos de crise, muitas delas provavelmente impopulares.
As inconstitucionalidades em França vêm, de qualquer forma, lembrar que também aumentos de impostos podem ser declarados inconstitucionais - e que essas declarações de inconstitucionalidade têm impacto político, mesmo quando estão em causa apenas medidas emblemáticas (e mesmo que o cerne da questão não tenha sido o valor da taxa ser 75%).
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
O pensamento mágico
O pensamento mágico é muito aberto. Tão aberto que entra lá tudo e mais alguma coisa, excepto aquilo que é previsível e empiricamente demonstrável. Entra, principalmente, a noção de que basta acreditar e querer muito para as coisas acontecerem.
O pensamento mágico é tentador. É aplicado a tudo e mais alguma coisa, por entre insultos e acusações a quem tente manter os pés assentes na terra. Aplicado à Economia, resulta no princípio de que existem almoços grátis. Aplicado ao Direito, resulta na ideia de que o risco pode ser eliminado. Em Medicina, resulta na abundante venda de banha da cobra.
O pensamento mágico é perigoso. Cria ilusões e evita que problemas sejam resolvidos, a nível individual ou colectivo. A supressão da racionalidade facilita a submissão acrítica a todo o tipo de crenças, bem como o seguidismo puro e duro. Os problemas ficam por resolver, com tendência para piorar, e as pessoas ficam convencidas que tudo está bem.
Aqueles que promovem o pensamento mágico podem genuinamente acreditar no que dizem ou simplesmente estar a aproveitar-se. Em ambos os casos, aquilo que fazem é um problema, que pode facilmente destruir vidas, sem que ninguém seja responsabilizado.
O pensamento mágico não nos vai tirar da crise. As ilusões são agradáveis, certamente, por fingirem tornar simples problemas que são complexos. Mas os problemas não são simples por nós querermos e acabamos sem os resolver.
O pensamento mágico é tentador. É aplicado a tudo e mais alguma coisa, por entre insultos e acusações a quem tente manter os pés assentes na terra. Aplicado à Economia, resulta no princípio de que existem almoços grátis. Aplicado ao Direito, resulta na ideia de que o risco pode ser eliminado. Em Medicina, resulta na abundante venda de banha da cobra.
O pensamento mágico é perigoso. Cria ilusões e evita que problemas sejam resolvidos, a nível individual ou colectivo. A supressão da racionalidade facilita a submissão acrítica a todo o tipo de crenças, bem como o seguidismo puro e duro. Os problemas ficam por resolver, com tendência para piorar, e as pessoas ficam convencidas que tudo está bem.
Aqueles que promovem o pensamento mágico podem genuinamente acreditar no que dizem ou simplesmente estar a aproveitar-se. Em ambos os casos, aquilo que fazem é um problema, que pode facilmente destruir vidas, sem que ninguém seja responsabilizado.
O pensamento mágico não nos vai tirar da crise. As ilusões são agradáveis, certamente, por fingirem tornar simples problemas que são complexos. Mas os problemas não são simples por nós querermos e acabamos sem os resolver.
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