Corre o mito entre várias pessoas que eu conheço, e provavelmente entre mais, que não compete aos cidadãos que não sejam políticos profissionais apresentar soluções para problemas. Aos cidadãos competiria viver sem se preocupar com a política, talvez nem sequer votar, e deixar que «eles», «os outros», «os políticos» descubram formas de resolver problemas. Mas atenção - têm de ser formas de resolver problemas de que os referidos cidadãos gostem instintivamente. Caso contrário, não pode ser.
Ora, eu (e não estou sozinho) penso de forma diferente. Penso que temos mesmo de intervir, mesmo que não sejamos políticos profissionais. Penso, aliás, que a falta de intervenção cívica fora das instituições formais do Estado é um problema grave que ajudou bastante a chegarmos a onde chegámos. As pessoas alhearem-se da política significa as pessoas perderem de vista o que se passa e não exercerem a sua função, enquanto cidadãos, de escrutínio do poder político - o que permite aos políticos profissionais fazer o que querem até que, de repente, tudo implode à nossa volta.
Claro que não temos um dever legal de apresentar soluções. Mas eu penso que existe um dever cívico de intervir e de participar activamente, de forma o mais construtiva possível, na vida da comunidade. E penso que existe pelo menos um ónus, para quem não o faz, de pactuar implicitamente com a impunidade e falta de escrutínio efectivo e substantivo a que os nossos políticos tendem a ser sujeitos em Portugal. Sendo que, infelizmente, o resultado dessa falta de escrutínio efectivo e substantivo resulta na degradação do nosso debate público - que, por sua vez, afasta as pessoas da política e tem como resultado uma falta de escrutínio efectivo e substantivo por parte dos cidadãos das instituições formais da República.
Atirar pedras, partir carros e bater em polícias não é solução nenhuma. A violência política existe desde sempre, tal como existe desde sempre o clamor pelo vazio e pelo pensamento desestruturado. Enaltecer e tentar justificar este tipo de comportamentos; tratar como heróis, mártires ou «resistentes» gente que, tendo liberdade de expressão, associação e manifestação, prefere ir atirar pedras; tratar a violência gratuita como algo de legítimo - tudo isto é pactuar com a erosão e o enfraquecimento da democracia que se proclama defender.
Em vez de tratar como «resistentes» aqueles que sucumbem à tentação primária da violência, deviam ser tratados como «resistentes» aqueles que se preocupem em apresentar propostas concretas de mudança. Deviam ser ouvidos e devia ser dado tempo de antena àqueles que usam as suas liberdades para formar associações pacíficas que procuram compreender os nossos problemas e encontrar soluções concretas e execuíveis para os mesmos.
Por isso passa o exercício da cidadania em democracia: pelo exercício pacífico dos direitos, liberdades e garantias políticos que temos para tentar resolver os problemas com os quais nos deparamos. O exercício da cidadania passa pela intervenção construtiva no debate público que é o motor que faz uma democracia funcionar. Quanto aos que querem atirar pedras para a engrenagem da democracia, ao mesmo tempo que se dizem os seus grandes defensores, já se sabe que não dá para falar com eles (sob pena de se levar uma pedrada). Mas ao menos podiam não ser tratados como «resistentes». Já seria um começo.
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