sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Não existe um direito fundamental ao crédito

Não existe um direito fundamental ao crédito, quer privado, quer público. Os outros não são obrigados por imperativo moral ou legal a emprestar-nos dinheiro às taxas que queremos, quando quisermos e durante quanto tempo quisermos. Quer nós sejamos um Estado ou uma empresa ou um indivíduo.

Claro que podemos criar um direito fundamental ao crédito, privado ou público. Podemos escrever na constituição que existe um direito fundamental ao crédito. Podemos escrever tratados sobre o tema. E depois podemos tentar forçar o cumprimento de todas essas normas. No final, não iria resultar.

De qualquer forma, não existe um direito fundamental ao crédito. Viver de crédito é viver a prazo e perder liberdade. Acumular dívida devido a défices excessivos é um problema. É criar dependências e perder folga financeira para fazer face a crises. É tudo menos uma boa ideia. E, no entanto, o nosso «modelo de desenvolvimento» tem assente em sucessivos défices que levam ao acumular de mais e mais dívida.

Construímos auto-estradas. Muitas auto-estradas. Tínhamos falta de infra-estruturas e construímos infra-estruturas. E disseram-nos que a outra prioridade era a Educação, que a outra prioridade era o Ensino Público.

Agora, o Estado português está insolvente e, ao mesmo tempo, fala-se nas reformas estruturais sempre prometidas e sempre adiadas. Fazem-se reformas da lei das rendas, da concorrência e do Código do Trabalho. Corta-se aqui e ali. E aumenta-se brutalmente impostos, enquanto se procura cortar os custos unitários reais do trabalho a mata-cavalos - e fala-se de produtividade.

Pelo meio, clama-se por crescimento económico. Clama-se por crescimento económico como se bastasse carregar num botão para o crescimento económico surgir. Como se existissem fórmulas mágicas para criar crescimento económico «on demand». E fala-se em desvalorizações competitivas e de inflação ao nível da União Europeia de forma falaciosa, como se não tivessem custos ou problemas associados.

Ninguém quer aceitar responsabilidade pela crise - ou melhor, pelas crises. Ninguém quer aceitar responsabilidade pelo estado das nossas finanças públicas, pelo estado do nosso sistema político, pelo estado da nossa economia - quer em Portugal, quer a nível europeu. Temos o que sempre temos durante crises - recriminações várias, populismos, apelos demagógicos e xenófobos, e em suma a tentativa constante de culpar os outros, quem quer que eles sejam.

No fundo, não existe um direito fundamental ao crédito, mas muita gente gostaria que houvesse. E de culpar os outros por não haver.

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