Claro que podemos criar um direito fundamental ao crédito, privado ou público. Podemos escrever na constituição que existe um direito fundamental ao crédito. Podemos escrever tratados sobre o tema. E depois podemos tentar forçar o cumprimento de todas essas normas. No final, não iria resultar.
De qualquer forma, não existe um direito fundamental ao crédito. Viver de crédito é viver a prazo e perder liberdade. Acumular dívida devido a défices excessivos é um problema. É criar dependências e perder folga financeira para fazer face a crises. É tudo menos uma boa ideia. E, no entanto, o nosso «modelo de desenvolvimento» tem assente em sucessivos défices que levam ao acumular de mais e mais dívida.
Construímos auto-estradas. Muitas auto-estradas. Tínhamos falta de infra-estruturas e construímos infra-estruturas. E disseram-nos que a outra prioridade era a Educação, que a outra prioridade era o Ensino Público.
Agora, o Estado português está insolvente e, ao mesmo tempo, fala-se nas reformas estruturais sempre prometidas e sempre adiadas. Fazem-se reformas da lei das rendas, da concorrência e do Código do Trabalho. Corta-se aqui e ali. E aumenta-se brutalmente impostos, enquanto se procura cortar os custos unitários reais do trabalho a mata-cavalos - e fala-se de produtividade.
Pelo meio, clama-se por crescimento económico. Clama-se por crescimento económico como se bastasse carregar num botão para o crescimento económico surgir. Como se existissem fórmulas mágicas para criar crescimento económico «on demand». E fala-se em desvalorizações competitivas e de inflação ao nível da União Europeia de forma falaciosa, como se não tivessem custos ou problemas associados.
Ninguém quer aceitar responsabilidade pela crise - ou melhor, pelas crises. Ninguém quer aceitar responsabilidade pelo estado das nossas finanças públicas, pelo estado do nosso sistema político, pelo estado da nossa economia - quer em Portugal, quer a nível europeu. Temos o que sempre temos durante crises - recriminações várias, populismos, apelos demagógicos e xenófobos, e em suma a tentativa constante de culpar os outros, quem quer que eles sejam.
No fundo, não existe um direito fundamental ao crédito, mas muita gente gostaria que houvesse. E de culpar os outros por não haver.
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