sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ninguém diria que não temos dinheiro

Álvaro Santos Pereira está agora a fazer o que tem sido exigido: está a propor distribuir dinheiro público pelas empresas privadas, subsidiar o empreendedorismo e criar distorções no mercado baixando a taxa de IRC apenas a algumas empresas bem contadas (medida que, em abstracto e conforme foi apresentada, me parece uma violação flagrante do Direito da União Europeia sobre auxílios estatais).

Ninguém diria que não temos dinheiro, agora que o Ministro da Economia e Emprego decidiu torrar esse dinheiro que não temos com 4 mil milhões de euros de crédito público às PME e a subsidiar gente que encontre forma de receber o subsídio (auto-proclamando-se «empreendor»). Pelo meio, pretende descer o IRC para 10%... Mas só para algumas empresas, muito bem determinadas e específicas.

Finalmente, dirão alguns, o Ministro aparece, com aquilo que os Ministros tendem a ter quando aparecem: «medidas». E, calha bem, são «medidas de estímulo ao investimento», e Portugal precisa de investimento para crescer e sair da crise. Na prática, está-se a substituir os subsídios ao sector dos bens não-transaccionáveis por subsídios ao sector dos bens transaccionáveis; ao mesmo tempo, o Estado tem um super-fundo de capital de risco público para investir.

Talvez fosse importante lembrar ao nosso Ministro da Economia e Emprego que uma forma de incentivar o investimento seria baixar os impostos em geral. Ora, só será possível fazer isso de forma sustentável se reformularmos o nosso Estado e, ao mesmo tempo, cortarmos na despesa, de forma a não acumularmos os habituais défices e, com eles, a habitual dívida e os seus juros. Isso é parte do trabalho que se exige ao Ministro da Economia e Emprego, e que aliás poderia servir para tornar o seu próprio trabalho mais fácil, possivelmente diminuindo o tamanho do seu próprio Ministério.

Isso, claro, exige trabalho. Exige até bem mais trabalho que inventar cortes de impostos só para alguns, enquanto os outros apanham com bem mais impostos em cima, por razões perfeitamente arbitrárias, ao mesmo tempo que o Governo atira dinheiro público que não se tem para a economia a ver se pega.

A este Governo exige-se um trabalho sério no sentido de criar as condições necessárias para que haja um «level playing field» e as empresas sobrevivam, o mais possível, por causa das escolhas dos consumidores, e não por causa de escolhas políticas feitas pelo Estado. Fazer as empresas depender dos consumidores para sobreviverem é retirar ao Estado uma série de empresas-cliente que o são por razões eminentemente políticas e é fazer as empresas procurar agradar aos consumidores - ou seja, a todos nós.

Criar distorções significa que quem ganha e sobrevive não é necessariamente aquela empresa que consegue satisfazer as necessidades dos consumidores, mas sim aquela empresa que consegue receber os benefícios que o Estado confere, criando desníveis entre empresas de forma arbitrária. Subsídios públicos ao empreendedorismo beneficiam aqueles que conseguirem o subsídio, quer tenham sucesso ou não, e capital de risco público tira espaço a capital de risco privado - ou seja, em vez de se atrair «venture capital» privado para Portugal, usa-se dinheiro público para isso.

O modelo de desenvolvimento continua assente em subsídios estatais e no desnivelamento constante das condições de concorrência por parte do Estado com base em critérios tendencialmente arbitrários. Só que agora, o Estado quer subsidiar exportadores, em vez de empresas de construção civil. Mas os nossos exportadores daquilo que precisam é que os deixem continuar a competir e a conquistar terreno internacionalmente, e para isso basta comércio livre e o Estado não os saturar de impostos, taxas e regulamentos desnecessários.

Pensaria que seria esse o modelo que Álvaro Santos Pereira quereria seguir, um modelo assente na concorrência e nas decisões dos consumidores. Afinal, prefere os auxílios de Estado.

Ninguém diria que não temos dinheiro.

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