domingo, 14 de outubro de 2012

Em negação

Ninguém apresenta um programa credível de consolidação das contas públicas. Reclama-se um novo «Plano Marshall» de empréstimos a 0,5% a serem pagos a sabe-se lá quantos anos, em que os tais «estrangeiros», habitualmente apresentados como monstros que não querem saber de nós, seriam forçados a não só continuar a pagar o nosso «modelo de desenvolvimento», como a sorrir enquanto o fizessem - mas poucos falam de federalismo europeu e da necessidade de conferir maior legitimidade democrática a soluções europeias.

No PS, ignora-se que os prazos originais foram negociados à pressão por um Governo do PS, forçadas por um Primeiro Ministro em negação que adiou o inadiável até ao ponto em que não era possível esperar mais. Vocifera-se contra as medidas do Governo quando a principal diferença entre o PS e o Governo é que o PS está na Oposição. Se estivesse no Governo, repararia, como já deve ter reparado o seu herói M. Hollande, que a realidade é bem diferente do mundo em que vivem as retóricas das Oposições.

Subitamente, com o Orçamento para 2013, o véu foi levantado e todos foram verdadeiramente forçados a acordar para a vida. Mesmo assim, a única coisa com que nos presenteiam é histeria. Ninguém explica como pretende resolver o problema do acumular constante de défices, que levam a que tenhamos de acumular constantemente dívida para os pagar - preferem falar na reestruturação da dívida como se de uma solução indolor e sem custos se tratasse.

Fala-se dos aumentos dos impostos sobre a classe média como se fosse uma surpresa. Como se «os ricos que paguem a crise» não esbarrasse no facto de não haver ricos suficientes e no facto dos ricos serem bem mais móveis do que a classe média - facilmente saem do país. A classe média é menos móvel do que os ricos. Além disso, há mais gente na classe média. E portanto, a classe média apanha com os impostos em cima. Não há grande surpresa aqui - e nem sequer falei na necessidade de definir «rico» para propósito daquele «slogan» tão caro à Esquerda.

Da mesma forma que o imposto sobre as transacções financeiras vai ter como efeito afastar as transacções financeiras do país, que já não é propriamente um local muito atractivo para as fazer. Não vai ter um efeito moralizador no que quer que seja e duvido que se consiga todo o dinheiro que o Governo pretenderá conseguir com ele. Da mesma forma que aumentar o IRC sobre as grandes empresas apenas a levaria a sair do país, e não penalizaria Belmiros de Azevedo ou Alexandres Soares dos Santos - embora aposte que terá um efeito relevante nos trabalhadores das referidas empresas.

Vamos ter aumentos de impostos. Enormes aumentos de impostos que afectam fortemente a classe média.  Ao mesmo tempo que vamos ter cortes na despesa. Que também afectam, natural e fortemente, a classe média. A classe média vai pagar a crise. Nunca duvidei que assim fosse, e não me parece que o PS o evitasse ou que o BE ou o PCP fizessem algo melhor.

A resposta é a negação. A resposta é o desejo de que o Tribunal Constitucional declare os aumentos de impostos inconstitucionais. Tivesse havido declarações mais claras sobre os cortes de despesa, também iriam parar ao Tribunal Constitucional - e, aliás, podem bem ir parar ao Tribunal Constitucional também. E depois o Tribunal Constitucional terá a oportunidade de demonstrar se aprendeu a fundamentar decisões desde a decisão que tomou relativamente aos cortes nos subsídios de Natal e férias e nas pensões.

Nós estamos em crise. Vai doer. E muito. E por muito que este Governo actual não esteja a tomar as medidas que eu gostaria com a velocidade que eu gostaria, e esteja a aumentar brutalmente impostos, eu não quero uma crise política. Não quero ver este Governo cair. Porque não vejo no PS uma alternativa credível e não vejo no BE ou no PCP mais do que conversas moralistas combinadas com propostas de modelos económicos que me parece ajudariam mais a cimentar a pobreza do país do que outra coisa.

Estar em negação e pensar que há soluções indolores não resolve problema nenhum. O que ajudaria, e muito, a resolver problemas seria um programa decente de consolidação orçamental. Quem não apoia o do Governo tem uma responsabilidade cívica e política de apresentar um programa alternativo. De explicar, com números, as suas previsões e como conseguiria atingir os seus objectivos. Caso contrário, apenas acrescentará mais ruído para a confusão. E ruído já nós temos muito. De todo o lado. Até do próprio Governo.

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